Parte da esquerda não aprova o governo de Maduro na Venezuela

Enquanto a população sofria com a falta de itens básicos, Maduro priorizou o pagamento da dívida externa, para manter imagem do país no exterior

Crédito: Reprodução/ X @NicolasMaduro

A Organização dos Estados Americanos informou, nesta terça-feira (30), que não reconhece a legitimidade do resultado das eleições que deram a Nicolás Maduro um novo mandato na Venezuela, alegando “ilegalidades, vícios e más práticas que ocorreram durante este processo eleitoral em particular, mas que são recorrentes em processos eleitorais recentes na Venezuela”.

Segundo o relatório da organização, o regime venezuelano adotou o esquema repressivo para distorcer o resultado eleitoral. E, assim como a OEA, diversos outros países tentaram deslegitimar a vitória de Maduro, reeleito com 51,2% dos votos. 

Mas o que torna a gestão do presidente venezuelano tão exposta a críticas de governistas, opositores e até tentativas de interferência internacional?

Carolina Pedroso, professora de Relações Internacionais da Unifesp, explica que o presidente venezuelano enfrenta alta contestação política desde o primeiro dia de governo, ainda em 2013, época em que o processo eleitoral do qual foi vencedor passou por forte escrutínio público. 

Na época, o sucessor de Hugo Chávez venceu o pleito com menos de 1% de diferença sobre Henrique Capriles, candidato da oposição. “Esse contexto inicial foi importante para a gente entender quais são os desafios ao longo desses 11 anos”, observa a docente. 

Desde então, Maduro teve de construir a confiabilidade dentro do chavismo, principalmente com o setor militar. Teve sucesso, uma vez que o grau de militarização do atual governo supera o de Chávez. 

Petróleo

No entanto, o principal vício de Maduro no poder é, segundo Carolina Pedroso, a ultradependência da economia em relação à exploração do petróleo, que gerou a crise que o país enfrenta há anos. 

“Todos os outros setores da economia acabaram se atrofiando para dar lugar à economia petroleira que é, na verdade, uma atividade extrativista. Em determinado momento da história, o país tinha agricultura, tinha pecuária, tinha uma indústria ali nascendo. Tudo isso foi se perdendo ao longo do século XX. É um processo longo. É difícil dizer quem foi o culpado por isso porque foram muitos governos que entraram e saíram e não conseguiram alterar essa estrutura. Aliás, se aproveitaram muito bem dessa estrutura”, comenta Pedroso. 

A dependência de petróleo influencia, inclusive, o orçamento público da Venezuela, que faz projeções a partir da estimativa sobre o preço do recurso natural.

Assim como em diversos países, a financeirização também assola a economia venezuelana, dominada por uma burguesia rentista, que em vez de produzir e investir no próprio país, não assume riscos. 

Falta de transparência

A professora de Relações Internacionais chama a atenção ainda para o fato de que Maduro aplicou restrições e movimentos internos que impactaram o governo. Ele retirou, por exemplo, nomes históricos do ministério da economia e que tiveram grande relevância no início do chavismo que tentaram, em algum momento, criar alternativas para o desenvolvimento de outras atividades econômicas no país. 

Maduro também não conta com o apoio de parte da esquerda porque, na crise de 2015, quando a população sofria com a restrição ao acesso de itens básicos de sobrevivência e higiene, como alimentos, remédios e papel higiênico, a prioridade do governo era o pagamento da dívida externa para preservar a imagem do país no sistema financeiro internacional em detrimento das necessidades da população.

Há, ainda, irregularidades no governo, como compras superfaturadas e desvios de recursos. Mas os que ousaram denunciar ilegalidades passaram a sofrer perseguições e até tiveram de deixar o país.

Dolarização

A única alternativa à exploração do petróleo é a exploração do ouro via garimpo, na região Amazônica, atividade que tem um alto impacto ambiental na Venezuela e nas comunidades indígenas. 

Já em relação à hiperinflação, que marcou a história recente da Venezuela, a situação foi amenizada. “Houve um controle importante da hiperinflação na Venezuela, muito puxada por medida que o gov relutou um pouco para assumir, mas que agora, embora não seja uma situação formalizada, ela já acontece de fato que é a dolarização da economia. hoje o dólar já é uma moeda corrente nas transações básicas do dia a dia e o peso colombiano também, que é mais valorizado que o bolívar”, complementa a docente.  

Para concluir, Carolina Pedroso observa que não há mudanças estruturais no horizonte venezuelano capazes de reverter a situação econômica do país. 

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6 Comentários

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  1. Há de se torcer por uma Venezuela mais próspera, menos desigual, integrada internacionalmente e livre de histórico imperialismo. Mas Maduro não parece ser liderança que vai levá-la a isso (as vezes parece um Bolsonaro de esquerda…). Em que pese a oposição interna e externa, já se vão 25 anos desde Chavez e a situação geral não parece evoluir, pelo contrário. Apenas brigar com todo mundo, até com aliados não vai resolver. Mais valeria acharem uma alternativa progressista mais política e competente do que insistir com o jogo duro de Maduro. E que Lula pare de se desgastar com ele sem contrapartida.

  2. “Maduro também não conta com o apoio de parte da esquerda porque, na crise de 2015, quando a população sofria com a restrição ao acesso de itens básicos de sobrevivência e higiene, como alimentos, remédios e papel higiênico, a prioridade do governo era o pagamento da dívida externa para preservar a imagem do país no sistema financeiro internacional em detrimento das necessidades da população.”

    Lula, Haddad, isso é obra de vocês?

    Pagamento de dívida para manter “boa imagem” é coisa nossa…

    Eu fico pasmo.

    É muita gente idiota junta.

    Claro que a monocultura extrativista causa estragos em qualquer lugar, desde a Holanda e sua famosa “doença”, até a Arábia Saudita.

    Pelo raciocínio da moças, esses países deveriam ter o mesmo cruel destino da Venezuela, não?

    Pois é…a conta não fecha…

    Ela esqueceu de colocar no caldeirão coisas básicas:

    Geopolítica do Tio Sam para a América Latina e para todos os detentores de reserva de óleo (ou adere ou morre, ou, em linguagem chula, ou dá ou desce).

    O nível de empobrecimento anterior que a Venezuela experimentava antes dos ciclos Chavez-Maduro, que impôs uma completa alocação dos recursos do petróleo para alguma distribuição de renda…

    A sabotagem internacional, que retirou a Venezuela do sistema internacional de compensações, que inviabiliza a economia de qualquer país, e claro, a tentativa de golpe de Bush Jr…

    (lembram daquele momento horroroso, quando a Casa Branca “reconheceu” um golpe fracassado?)

    Mas, para esse pessoal, a culpa é da vítima:

    Foi Dilma que causou o próprio golpe, Cuba que se inviabilizou, Venezuela também…

    Ah, mas se você disser isso, levantarão as vozes: Maduro ditador, se isolou, etc…

    Uai, o que fazer quando até aqueles que deveriam ser mais sensatos, e te dar apoio contra a ingerência externa, dizem que primeiro você tem que seguir o figurino, justamente, dessa intervenção indevida em sua soberania?

    Por que nenhum dos países do mundo, e aí incluo o Brasil coloca regras na Arábia Saudita ou China?

    A situação dos direitos humanos e da Democracia está tudo por lá?

    Imagine se Maduro mandasse matar um jornalista que fosse a embaixada venezuelana em algum país, como a França, como fez a monarquia saudita?

    Bem, sem ofensas, texto desnecessário… Para que ler cópia do PIG, se temos o original na Globo News?

    1. Bom, Douglas da Mata, eu ia dizer tudo isso mas v. me poupou um trabalhão, sendo assim só vou acrescentar que o tio sam se pergunta emputecido: “Por que só o diabo da Venezuela não capitula?”
      Esses comentaristas da américa de baixo não tem sequer um banquinho pra subir e ver as coisas de modo mais abrangente.
      De 2013 pra cá quanta desgraça política não aconteceu no Brasil e nos demais países da américa do sul? Quantos conseguiram manter seus governantes ou ao menos uma coesão?
      Lula que não se cuide que acabará sendo vencido pelo cansaço. Nessa questão da Venezuela mesmo ele está sendo manipulado como um títere. Enfim, a américa de baixo tem que se unir, a despeito da Argentinha, e com os países dos BRICS iniciar o seu livramento.

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