É chegada a hora da autonomia da Advocacia Pública!, por Fabrizio Pieroni

A necessária autonomia da Advocacia Pública para o combate à corrupção e redução de litigiosidade

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É chegada a hora da autonomia da Advocacia Pública!

por Fabrizio Pieroni

Cada vez mais conhecida pela sociedade, a Advocacia Pública tem papel fundamental no controle interno da legalidade e constitucionalidade da atividade administrativa e na construção de mecanismos e soluções necessários para pôr fim à banalização do litígio que vigora no Poder Público, reduzindo a litigiosidade que assola o Judiciário brasileiro.

Consolidada pela Constituição de 1988 como Função Essencial à Justiça e posicionada institucionalmente fora dos três Poderes da República, no mesmo Título e ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, a Advocacia Pública pode ser conceituada como o conjunto de instituições destinadas à defesa e promoção dos interesses públicos dos entes federados, por meio da representação judicial, extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta, bem como dos poderes e órgãos autônomos.

Não obstante seu relevante e imprescindível papel de defesa dos valores fundamentais da República e representação democrática, a Advocacia Pública é a única das funções essenciais à Justiça que não é dotada pela Constituição das necessárias autonomias administrativa, orçamentária e financeira. Tal omissão é uma das razões, senão a principal, para o frágil controle interno de legalidade da Administração Pública e pela cultura do litígio e da judicialização que vigora no Poder Público e torna este o maior litigante do país e, portanto, um dos responsáveis pelo atual quadro caótico do Judiciário.

São funções da Advocacia Pública a orientação e a representação do ente público. A primeira engloba as atividades de consultoria, assessoramento e controle jurídico da Administração. A representação, por sua vez, engloba as funções de representação judicial e extrajudicial.

São os Advogados Públicos que orientam a Administração sobre como se deve dar a aplicação do direito e sobre como uma determinada política pública deve ser implementada de acordo com ditames legais. Faz, portanto, a comunicação entre a vontade dos eleitos e as possibilidades do sistema jurídico-constitucional. Há uma imbricação lógica indissociável entre sua missão constitucional e o Estado Democrático de Direito, pois se trata da função estatal incumbida de adequar a vontade majoritária democraticamente eleita aos marcos do ordenamento jurídico.

Quando atuam na representação judicial, os Advogados Públicos têm a missão de convencer o Poder Judiciário da lisura e legitimidade da postura administrativa. Neste sentido, participam da comunidade de intérpretes do ordenamento jurídico, defendendo em juízo os interesses públicos.

Por isso, são chamados de advogados da democracia, verdadeiros construtores da cidadania na defesa dos princípios da Administração Pública, contribuindo para a melhora do nível de eficiência administrativa e protegendo o patrimônio público das mazelas da corrupção.

Os Advogados Públicos, como nenhum outro profissional do Direito, possuem uma visão sistêmica de toda Administração e, portanto, plena capacidade de conhecer os limites financeiros, orçamentários, de pessoal e de material, enfim, as agruras do Poder Público e, assim, colaborar para a elaboração de políticas públicas mais eficientes, além de orientar medidas jurídicas realistas, tendo papel fundamental no combate à corrupção, auxiliando na prevenção de conflitos e na adoção de métodos de pacificação adequados, preferíveis à solução litigiosa dos impasses administrativos.

Também na função contenciosa, a Advocacia Pública tem ampla contribuição a dar no combate à corrupção, pois possui competência para buscar em juízo a responsabilização de pessoas públicas e privadas pela prática de atos ilícitos e ímprobos, além de recuperar os recursos perdidos.

A compreensão do papel constitucional do advogado público é primordial para pôr fim à cultura da sentença que hoje vigora na Administração Pública, com ganhos para uma rápida resposta às lides, por meio da consensualização da função administrativa e da utilização de outros instrumentos, como a dispensa de propositura de ações judiciais, a publicação de súmulas administrativas, o reconhecimento do pedido, a desistência e não interposição de recursos.

Não é contestando o incontestável e recorrendo quando irrecorrível que haverá eficiente tutela do interesse público. Esta forma de promoção da defesa em juízo apenas posterga a solução do litígio, contribui para a crise do Judiciário com demandas que não deveriam existir e desrespeita o cidadão, que acaba sofrendo duas vezes: a primeira com a ilegalidade cometida pelo Poder Público e, depois, com a morosidade judicial. Deve atuar preventivamente e espontaneamente, a partir da identificação de condutas ilegais nos processos judiciais, o que significa, a um só tempo, concretizar o atendimento da juridicidade, da eficiência e da economicidade.

Mas nada disso será possível se a Advocacia Pública não for dotada de autonomias técnica, administrativa e financeira. Embora tenha a Constituição a ela reservado relevantes atribuições para o Estado Democrático de Direito, não a dotou expressamente – como fez com o Ministério Público e a Defensoria Pública – de princípios e garantias institucionais.

Tal omissão impede o pleno desenvolvimento de todas as capacidades da Advocacia Pública. Seus membros não estão protegidos das ingerências políticas e muitas vezes não estão permitidos pautar suas atividades apenas pelos parâmetros postos pelo Estado Democrático de Direito constitucionalmente estabelecido.

Trata-se de um aprimoramento institucional que permitirá aos Advogados Públicos o pleno exercício de suas competências sem temor de desagradar quem quer que seja e permitirá a um só tempo aprimorar os instrumentos de proteção ao erário e diminuir a litigiosidade do Poder Público.

É preciso sair do lugar comum da agenda revanchista e, de fato, combater a corrupção oculta, aquela coberta pelo manto da aparente legalidade. Isso só será possível se a Advocacia Pública gozar de proteção institucional adequada para utilizar os instrumentos administrativos e judiciais à disposição que encurtam os espaços da corrupção.

Da mesma forma, somente com autonomia poderá ser exigida da Advocacia Pública um novo atuar, com a utilização dos diferentes instrumentos de pacificação social, consequência natural de defesa proativa, comprometida com a resposta das lides e protagonista na política pública de tratamento adequado dos conflitos e redução da litigiosidade.

Está pronta para votação no Plenário da Câmara dos Deputados há mais de 9 anos a PEC 82/2007. Apresentada pelo então deputado federal Flávio Dino, hoje Ministro da Justiça, a proposta foi aperfeiçoada na Comissão Especial, nos termos do substituto apresentado pelo então deputado Lelo Coimbra, e consagra as autonomias administrativa, orçamentária e técnica da Advocacia Pública.

Sua aprovação é essencial para o aprimoramento da instituição e do Estado Democrático de Direito. A plenitude de sua missão constitucional só será exercida se for complementada pela necessária autonomia, atributo próprio a todas funções essenciais à Justiça.

Não há dúvidas de que essa aprovação beneficia toda sociedade, pois somente uma Advocacia Pública autônoma – livre das interferências políticas e de interesses secundários – será capaz de dotar a Administração Pública do necessário controle interno de legalidade, protegendo o erário das mazelas da corrupção, além de reduzir a litigiosidade que assola do Judiciário brasileiro. É chegada a hora da autonomia da Advocacia Pública!

Fabrizio Pieroni – Procurador Estado de São Paulo. Presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP)

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