Juízes amordaçados, por Leonardo Isaac Yarochewsky

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto: Cármen Lúcia, presidente do CNJ, que votou pela investigação dos magistrados contrários ao impeachment. Foto Luiz Silveira/ Agência CNJ

do Justificando

Juízes amordaçados

por Leonardo Isaac Yarochewsky

1- O caso:

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta terça-feira (24/10) por unanimidade investigar quatro juízes de direito que participaram de manifestações contra o impeachment da então Presidenta Dilma Rousseffem 2016.

Os juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), André Luiz NicolittCristiana de Faria CordeiroRubens R. R. Casara e Simone Nacif Lopes subiram em um carro de som em protesto na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, contra o impedimento de Dilma Rousseff.

O corregedor nacional de justiça, ministro João Otávio de Noronha, apresentou relatório em que falou sobre a importância do compasso entre liberdade de expressão e a conduta exigida dos magistrados de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

O ministro corregedor João Otávio Noronha afirmou, ainda, que:

Ser juiz não é ser um cidadão comum. O juiz tem normas de comportamento, como tem o engenheiro, o perito. A questão que se coloca é que a Constituição Federal, quando diz que veda ao juiz dedicar-se à atividade político-partidária, permite ao juiz tomar partido a favor dessa ou daquela posição? Juiz esse que amanhã poderá estar ocupando um cargo na Justiça Eleitoral? Nós, como juízes, temos de saber como agir. [2]

A ministra Cármem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ declarou que:

Não é possível que continue havendo manifestações muito além dos autos. Se é certo que o juiz não fica mais entocado dentro do seu gabinete, é certo também que há de haver a convivência sem qualquer tipo de exorbitância das suas atividades. O poder judiciário não dispõe de carmas nem de tesouros, dispõe da confiança da sociedade que o legitima. E a tomada de posição anterior afasta um princípio que é da magistratura desde sempre, que é a imparcialidade.

Ressalta-se que no dia 13/6/2016 os dois juízes e duas juízas foram submetidos a julgamento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que Arquivou, por 15 votos contra 6, o procedimento administrativo disciplinar.

Note-se, ainda, que os dois juízes e as duas juízas foram elogiados pelos conselheiros do CNJ por desempenharem suas funções de maneira exemplar. De acordo com os conselheiros, os magistrados registram alta produtividade e têm reconhecida atuação no tribunal fluminense. Apesar de tudo, entenderam os conselheiros pela necessidade da revisão disciplinar.

2- Da independência dos juízes:

Segundo Luigi Ferrajoli[1], a independência do juiz é uma aquisição do moderno Estado de direito, conexa, tanto teórica como historicamente, à confirmação, de um lado, do princípio de estrita legalidade e da natureza cognitiva da jurisdição e, de outro, dos direitos naturais e fundamentais da pessoa.

Para que exerça sua honrada função com dignidade, desassombro e imparcialidade os magistrados precisam gozar de independência funcional. Desde que ajam de acordo com suas consciências e convicções, sem faltar com ética e com respeito ao cargo, as decisões judiciais somente poderão ser questionadas em recursos próprios que não firam a autonomia e a independência da função. O juiz deve, por natureza de sua função, ser independente, tanto interna como externamente.

No campo interno do órgão, ao magistrado não é devido alimentar preocupações quanto às repercussões que seus atos e decisões possam ter ou se o fundamento das sentenças proferidas encontrará amparo no entendimento dos tribunais superiores (Censor/Pai). Referida atitude sugeriria em submissão e carreirismo. Não poderá o magistrado, também, se sujeitar as influências do meio externo ao Judiciário, capazes de desviá-lo da correta execução de sua função. [2]

Como bem observou Flávio Dino,

A independência dos Juízes não é submetida somente a ameaças vindas de fora da instituição judiciária. Pressões internas, oriundas dos órgãos de cúpula do Poder, também podem comprometer a imparcialidade que se almeja como fator de legitimação das decisões judiciais. Esta possibilidade de subordinação pode concretizar-se por intermédio de interferências diretas no ato de julgar –invadindo-se a esfera competencial do Juiz de primeira instância – ou por métodos indiretos – como o mau uso do poder administrativo para impelir ao alinhamento eventuais dissidentes dos padrões estabelecidos pelos órgãos de cúpula. Atualmente no Brasil, a primeira hipótese é de difícil realização. Quanto à segunda, o mesmo não pode ser dito. Além da ‘natural’ tendência de todas as instituições a moldar consciências e comportamentos, as chances de ocorrerem tentativas de ‘enquadramento’ mediante desvio de poder administrativo são significativas, à vista da monopolização das competências desta natureza pelos Tribunais. [3]

Daí resusta e importância das garantias asseguradas pela Constituição da República (CR) e que se revelam fundamentais para o exercício das funções do magistrado. São garantias constitucionais do juiz: i) vitaliciedade, ii) irredutibilidade de vencimentos e iii) inamovibilidade (art. 95, I, II e III da CR).

3- Da liberdade de expressão:

Não é despiciendo salientar que na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a liberdade de expressão ganhou status de direito fundamental, incluída e assegurada no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5º, IV) e “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º, V). Já no Capítulo V – Da Comunicação Social, do Título VIII – Da Ordem Social – o art. 20 da Constituição da República dispõe que: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição…”

A liberdade de expressão – direito fundamental – é direito de todas e todos os cidadãos, independente de ser ou não ser juiz.

Ao contrário do que afirma o ministro corregedor, a Lei Orgânica de Magistratura Nacional (LOMAN) dispõe que: “Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir” (art. 41).

A simples manifestação de opinião em ato político não significa e está longe de assemelhar-se a “dedicar-se à atividade político-partidária” como veda a Constituição da República. Dedicar-se é devotar-se, é cultivar-se, é pôr-se ao serviço. Dedicar-se implica em conduta habitual e não meramente ocasional. Portanto, a participação em um único ato, por si só, não caracteriza dedicação a nenhuma atividade. Não resta dúvida, que os magistrados foram perquiridos em razão de suas posições ideológicas que qualquer pessoa, independente da atividade profissional, tem direito como cidadão.

Necessário aqui salientar que o juiz não é mais a boca inanimada da lei.[4]Sendo indispensável que o juiz, verdadeiramente comprometido com o Estado democrático de direito, investigue a ideologia que está por de trás da lei, especialmente, em matéria criminal. Deve confrontar a lei com os princípios fundamentais e, em especial, com a dignidade da pessoa humana.

4- Conclusão:

Note-se que a presidente do STF e do CNJ somente agora percebe que “não é possível que continue havendo manifestações muito além dos autos”. Sua Excelência então jamais percebeu o que ocorre ao seu redor e entre seus pares? Não é de hoje e nem de agora que ministros de tribunais superiores, inclusive do STF, se manifestam desta ou daquela maneira sem que nada, absolutamente nada, aconteça. Juízes Federais, de famigerada operação, dão entrevistas para a grande mídia sobre casos que estão sub judice e continuam sendo tratados como heróis.

Contudo, desgraçadamente, quando alguns juízes, notadamente, com vieses garantistas e comprometidos com os direitos fundamentais, agem em defesa do Estado Constitucional são punidos pelo CNJ. Punidos sim, porque a abertura de uma “investigação” ou de “processo disciplinar” por si só é uma mácula.

Resta saber se as juízas e juízes que agora são amolados pelo CNJ por estarem agindo em defesa do Estado Democrático de Direito tivessem do outro lado, receberiam o mesmo tratamento.

Por tudo, principalmente por uma magistratura independente e comprometida com os valores constitucionais, com a dignidade da pessoa humana e com Estado Democrático de Direito é que a decisão do CNJ deve ser repudiada.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais (UFMG)

 

[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[2] https://jus.com.br/artigos/245/garantias-da-magistratura-e-independencia-do-judiciario

[3] “O Conselho Nacional de Justiça: missões e primeiros passos”, artigo publicado originalmente em 22 de agosto de 2005 no site da Editora Impetushttp://www.editoraimpetus.com.br .

[4] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Estado de direito e decisão jurídica: as dimensões não-jurídicas do ato de julgar. PRADO, Geraldo, MARTINS, Rui Cunha e CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Decisão judicial: a cultura jurídica brasileira na transição para a democracia. Marcial Pons, 2012, p.132.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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  1. Aos juízes golpistas a fama,

    Aos juízes golpistas a fama, os holofotes, as bajulações. Aos ju´zes garantistas as intimidações, a exposição humilhante, o constrangimento. Será que a dona cá lú viu o shou moriano (cada vez mais sem audiência) pro estadão hoje? Depois dessa da presidenta do stfinho contra os garantistas, sabe quando ela vai colocar em pauta o mérito do golpe? 

  2. Tem uma hora em que a canalhice vira o fio…
    … Diante de tudo o que estamos presenciando vir esse cnj – na voz dessa senhora caquética presidenta do efetezinho – falar no princípio de imparcialidade dos juízes… É demais…
    E tudo que Moro fez e continua a fazer?
    Suas declarações fora dos autos , aparições publicas, festas, fotos, amigos, prêmios… Os juízes TRF 4 se manifestando publicamente sofre caso ainda sob seu juízo? Ah! Vão se afumentar!!!
    Eis que a canalhice transpõe os seus limiares… Extrapola…
    Vira RIDÍCULO…

  3. Tem uma hora em que a canalhice vira o fio…
    … Diante de tudo o que estamos presenciando vir esse cnj – na voz dessa senhora caquética presidenta do efetezinho – falar no princípio de imparcialidade dos juízes… É demais…
    E tudo que Moro fez e continua a fazer?
    Suas declarações fora dos autos , aparições publicas, festas, fotos, amigos, prêmios… Os juízes TRF 4 se manifestando publicamente sofre caso ainda sob seu juízo? Ah! Vão se afumentar!!!
    Eis que a canalhice transpõe os seus limiares… Extrapola…
    Vira RIDÍCULO…

  4. Juízes amordaçados, por Leonardo Isaac Yarochewsky

    E juiz em passeata ideológica ?

    E juiz em fotos com conhecidos malfeitores travestidos de políticos ?

    E telefonemas entre juiz e acusado a cobrar providências e pronta aceitação do juiz ?

    E juiz flagrado em almoço com políticos denunciados ?

    Conselho Nacional de Justiça ?

     

  5. Hipocrisia e cinismo é o que

    Hipocrisia e cinismo é o que reveste essa decisão do CNJ. Do mesmo teor é a declaração da ministra Carmém Lúcia.

    Se a distinta ministra se preocupasse de verdade com a imparcialidade e a postura de magistrados e juízes bastaria olhar à direita da cadeira de presidente. Mais precisamente para a segunda cadeira, hoje ocupada por um cidadão que NÂO se enquadra EXATAMENTE nas preconizações feitas pela mesma. Um verdadeiro antípoda nesse aspecto. 

    Não vou declinar nomes por respeito ao STF. Mas dou a dica: suas iniciais são GM, é egresso do Mato Grosso, casado com uma cearense, lépido nas confabulações partidárias(tucanos), fez(ou recebeu) 44 ligações de Aécio Neves nos últimos dias. Por fim, é da linha “garantista”, isto é, “garante”, por cima de pau e pedra a incolumidade de amigos e correligionários. 

    Há também aquele juiz que desMOROna ainda mais a proclamação da presidente do nosso Supremo. 

     

  6. O anoronhado só está onde

    O anoronhado só está onde está por conta do “mentor” gilmarmendis e o fernandohenrique. Não fosse isso, nem chegaria ao jurídico do BB. A dona carmencita é assim, só bate em legalista, pois, pelo visto, para ela a lei é a que ela “encarna”. Fosse o Brossard, talvez tivéssemos de repetir: “é preciso esvrumar…”. Haja saco ter de aguentar essa figura agourenta a elamear a (in)justiça. Haja saco ter de aguentar esse GOLPISMO que, vê-se, está alastrado, entranhado e abichornado em todos os níveis.

  7. O juiz fora da lei sergio

    O juiz fora da lei sergio moro deve ter ido a uma dezena de eventos tucanos e não tem problema…

    Só rindo desse judiciário patético!

  8. Ia esquecendo: e as tais

    Ia esquecendo: e as tais associações de juízes disso e daquilo, tão céleres e pródigas em defender o indefensável nos casos de juizecos que golpeiam e golpeiam o estado democrático de direito, não disseram vírgula sobre esse ataque fascista contra os 4 juízes? Nem a corregedoria, nem os desembargas do tj-rj disseram nada em defesa dos 4 juízes? Mas que coisa, não?

  9. A ministra carminha (com todo

    A ministra carminha (com todo respeito), mais uma vez,

    teve a atitude de uma pândega, Será que ela pensa

    que exista alguém que ainda acredite no stf ?

    A quem ela pensa estar enganando?

  10. Leonardo, nao se preocupe. 

    Leonardo, nao se preocupe.  Cedo cedo a proxima chamava sua vai ser “Julzes Decapitados”.

    Com nem sequer um segundo de atrazo, alias.

    Ja ta eh demorando demasiadamente em excesso demais…

  11. Vergonhosa e decepcionante

    Vergonhosa e decepcionante a atitude da ministra Carmen Lúcia, para quem gostava de posar de isenta, acabou finalmente pondo as manguinhas de fora, seu fim será sem dúvida a lata de lixo da história, 

  12. Juízes amordaçados, proprio e figurado……..

    neste ultimos tempos, amordaçar meretrissimos e meretrissimas, mas no sentido literal,me parece uma otima ideia………

  13. Se é contra esquerda

    Se é contra a esquerda, é liberdade de expressão, se é contra a direita vai pra cadeia.
    So nos resta desobediencia civil, começando parar de pagar IPTU, IPVA, cartão de crédito, banco.

  14. Com a devida venia. Juízes

    Com a devida venia. Juízes não devem mesmo se manifestar a favor ou contra este ou aquele posicionamento político, pois estariam sob suspeição para as causas decorrentes daqueles fatos. Neste sentido muitos juízes infringiram a Lei Orgânica da Magistratura. A Dona Carmem não é exceção entre os juízes midiáticos, nem o Sr Moro, Sr Gilmar e outros tantos. Mas agora querem recuperar a sobriedade perdida justamente agindo contra os que agiram em favor do cumprimento da Constituição.

    Em tempo: quando olho para a figura da Dona Carmem, e seu comportamento, penso que Cesare Lombroso poderia ter seus fundamentos.

  15. Mordaça

    Estão amordaçando o povo brasileiro que tem senso crítico e sabe que houve um GOLPE. Os demais já foram adestrados por quem deveria usar focinheira.

  16. Colocado que só agora a
    Colocado que só agora a ministra teria se dado conta blá blá blá…; fica parecendo que, e não só a ela, é ingênua, ou ignorante.

    Vamos acordar?, tanto ela, como os outros, receberam ordens. São jogadores que puxam e soltam barbantes, no caso deles, no stf, para que as coisas se deem dessa maneira, garantindo as reformas liberalizantes mais profundas.

    Ou alguém dúvida disso?

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