Manual do perfeito midiota – parte 5

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Se você for um midiota em busca da perfeição, sim, pode sair por aí, alardeando que o terrível ano de 2015 só vai terminar quando a presidente eleita em 2014 for sacada do Palácio do Planalto

De Brasileiros

O ano de 2015 terminou na ocasião esperada, o último segundo do dia 31 de dezembro, e você repetiu aqueles votos de “feliz ano novo” para quem estava ao alcance da sua voz ou do seu celular. Mas abre os jornais e as revistas semanais de informação ao longo da primeira semana do novo ano e se depara com o mesmo discurso apocalíptico que conduziu suas emoções nos últimos 12 meses.

Imagina, então, que esse é um daqueles anos que não acabam, segundo a linguagem banal da imprensa. Como se sabe, esse é um dos clichês adotados por aí desde que o jornalista e escritor Zuenir Ventura publicou, em 1988, o livro intitulado 1968 – O Ano Que Não Terminou.

Teria sido 2015 um “annus terribilis”, como o de 1994 para a rainha Elizabeth da Inglaterra, que usou a expressão para se referir ao período em que sua real família foi sacudida por grandes escândalos?

Se você for um midiota em busca da perfeição, sim, pode sair por aí,  alardeando que o terrível ano de 2015 só vai terminar quando a presidente eleita em 2014 for sacada do Palácio do Planalto. Afinal, você está convencido de que foi ela quem derrubou a Bolsa de Pequim.

Aliás, uma das características da condição de midiotice é essa paranoia que se manifesta em visões como a daquele colunista de Veja, para quem  o governo toma decisões unicamente com a intenção de provocá-lo.

Há muitos estudos interessantes sobre a narrativa do apocalipse, mas você pode encontrar os melhores exemplos exatamente na imprensa tradicional, especialista em fabricar profecias catastróficas.

Não é difícil imaginar como essas profecias têm o condão de se autorrealizar. Dou um exemplo simples: você vai às reuniões do condomínio e passa metade do tempo falando de crise. O síndico e os membros do conselho fiscal fazem a mesma coisa. Então, chega a hora de fazer as projeções para o ano seguinte. E você se surpreende com um aumento absurdo na taxa do condomínio?

Mas é difícil enxergar essa relação entre o bombardeio de informações negativas e a concretização de maus resultados econômicos. É preciso ler mais do que a mídia hegemônica. É preciso consultar os meios de comunicação que propõem mais reflexões do que emoções, mas quem é refém desse movimento condicionante da imprensa dominante – a quem chamamos de midiotas – não consegue romper esse círculo.

Hanna Arendt explicou como se dá esse movimento, em suas reflexões sobre o nazismo na Alemanha e a supressão das liberdades civis no antigo regime soviético, em sua obra intituladaOrigens do Totalitarismo.

O grande perigo de ficar obcecado com as narrativas apocalípticas é aquele vislumbrado por Friedrich Nietzsche: “Não se deve olhar por demasiado tempo para o abismo, porque eventualmente o abismo pode olhar para você”.

Se você vasculhar o noticiário desta primeira semana de 2016, vai encontrar aqui e ali dados interessantes sobre a condição do Brasil como um dos principais destinos de IDP – Investimento Direto do País – e de uma melhoria considerável na balança comercial. Sejam quais forem as causas apontadas pelos especialistas, o que você dificilmente vai achar é uma análise abrangente, que lhe permita entender as características do momento econômico.

Outro assunto que você não vai encontrar na mídia hegemônica é um debate satisfatório sobre a proposta de recriação da CPMF. Mas também não precisa: você é contra, certo?

Outra coisa, que não tem nada a ver com economia: de repente, você se pegou de antipatia por aquele bon-vivant chamado Chico Buarque, não foi? E não é pelo fato de que sua mulher, sua filha e até sua mãe ainda acham lindos aqueles olhos verdes no meio de tantas rugas. É porque ele pensa diferente de você sobre quase tudo, certo?

Então, fique tranquilo: essa intolerância com as divergências é uma das garantias de que você segue sendo um midiota quase perfeito.

 Para ler: Origens do totalitarismo – Hanna Arendt.

*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. Jornalistas da vertente hegemônica

    É engraçado que os jornalistas da mídia tradicional em golpe agora até fazem caras e bocas para despertar emoções na gente, acho que fazem até cursos de atuação. Ai que emoción.

  2. .

    Infelizmente, para a esquerda estas coisas todas alcunhadas de apocalipticas que estão nas cabeças das pessoas, se foram plantadas por lavagem cerebral ou não, é um fato, estão ai e pra reverter esta situação discursos não tem eficacia alguma.

    Até 2018 poderia acontecer situações favoraveis para a mudança da opinião das pessoas. Ou não.

    Não é pouca coisa que precisa ser realizada. O governo tem interesse em realiza-las, a oposição tem interesse que não realize.

    Enquanto isto mantem-se o cenario financeiro cozinhando em banho-maria.

    Qto ao “annus terribilis”…

                

     

  3. o melhor artigo sobre a

    o melhor artigo sobre a mediotice,

    entre todos os escelentes anteriores…..

    perfeito…

    então é reler e reler porque serve tb para outros meios,

    inclusive os ditos academicos….r….

  4. Mais um ótimo capítulo desse

    Mais um ótimo capítulo desse série de provocações que LMC faz a todos aqueles que adotam uma postura acomodada e acrítica em relação ao que é veiculado na grande mídia comercial, tomando aquele discurso neoliberal e hostil ao governo e às esquerdas, ao interesse nacional e de inclusão social, como verdade factual e inconteste.

    Entretanto LMC comete um erro  importante: ele estigmatiza e desqualifica quem se opõe ao IPMF (assim deve ser chamado, pois contribuição é puro eufemismo). Em vez de fazer isso, ele deveria escrever um artigo, expondo as razões que o levam a apoiar a recriação desse tributo, que, ao contrário dos discursos oficiais, é cobrado em cascata e de forma injusta, já que linear. Eu sempre fui contra o IPMF/CPMF; e não foi a mídia comercial que me fez tomar essa posição. Se há argumentos para defesa do IPMF/CPMF, há outros tantos para ser contra o tributo. A seguir enumero apenas alguns.

    1) O trabalhador que for sacar o salário será tungado pela cobrança de IPMF;

    2) Ao pagar uma fatura de serviço público, realizar uma transferência entre contas, o cidadão será tungado pelo IPMF;

    3) O emissor e o que recebe um pagamento pagam IPMF;

    4) O micro e pequeno empresário pagará o famigerado IPMF em qualquer pagamento, recebimento ou transferência que realizar;

    Ora, ora! Se os defensores do IPMF/CPMF estivessem mesmo com boas intenções deveriam saber que o uso dos recursos creditados na conta em que o trabalhador recebe o salário, para efetuar pagamentos e transferências diversas, não constitui aplicação financeira e portanto NÃO deve sofrer tributação. Afinal o trabalhador assalariado já paga o IRRF, que já vem descontado no contracheque. A questão é facílima de resolver, pois basta que a conta em que o trabalhador recebe salário admita apenas o crédito por parte do empregador e ao trabalhador sejam permitidas apenas retiradas (sem o limite ridículo de 4 saques por mês). Só deve aver tributação sobre uma aplicação financeira em que o titular obtiver ganho; e o tributo deve incidir sobre o ganho, não sobre o valor aplicado.

    Thomas Piketty, na sua obra-prima “O capital no século XXI’ mostra que as classes dominantes pagam pouquíssimo imposto. Nessa obra ele mostra que os grandes patrimônios e fortunas, o grande capital (sobretudo financeiro) práticamente nãopaga impostos. Ele dá como exemplo o imposto sobre a herança, sobre a propriedade, sobre os ganhos financeiros. etc., como a alternativas para reduzir a desigualdade. O Brasil é o único país do mundo em que os dividendos não são tributados; no brasil, os que negociam na BF têm uma série de regalias e isenções, o que é um absurdo. Raciocinem: o sujeito aplica em ações, especula, ganha dinheiro e… dependendo do que ele movimenta no mês (hoje creio que está na faixa de R$25mil), não paga NENHUM imposto. Enquanto isso, o assalariado que recebe R$5 mil mensais tem IRRF descontado no contracheque. É claro que não defendo a tributação do valor que o cidadão aplica em ações, mas sim do lucro que ele obtiver; afinal, investir em ações tem seus riscos. Mas é inaceitável que se tenha isenção sobre os ganhos no mercado de ações e se tributem salários e consumo, como no brasil atual.

    Outra justificativa apresentada pelos defensores do IPMF/CPMF é o rastreamento de movimentações suspeitas. Em que pese o fato de facilitar a fiscalização da movimentação financira dos cidadãos, não é preciso instituir novo tributo para isso. Afinal o propalado ‘sigilo bancário’ não ´cláusula pétrea da Constituição Federal; qualquer magistrado pode pedir a quebra desse ‘sigilo’, desde que se apresentem razões fundamentadas para isso.

    Conclusão: os argumentos de quem defende o IPMF/CPMF são frágeis e não resistem a cinco minutos de debate.

    Feitas as observações acima, a série de provocações é bastante instigante. E nos faz refletir e pensar, atitudes tão importantes e raras nesse tempos em que, antes de ouvir ou ler uma mensagem, já nos colocamos a retrucá-la.

  5. E ……………….

    No temlpo em que havia ljornalistas. Hoje, temos atores que ao darem notícias catastróficas, fazem caras e bocas para reforçar o convencimento.

    Pobres dos profissionais jornalistas, que não mais atuam !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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