da Agência DIAP
A classe trabalhadora precisa de agenda no Congresso Nacional?
por Marcos Verlaine*
A pergunta que dá título a este artigo é relativamente recorrente e em tempos recentes já escrevi sobre o assunto — Falta uma agenda relevante no Congresso Nacional. Volto ao tema pela premência e necessidade urgente de o movimento sindical, como em outro momento relevante, construir e defender sua agenda nas instâncias de poder do País, em particular no Legislativo federal. O fato é que findou 2019 e essa agenda não foi elaborada. O ano político recomeça agora em fevereiro — com o reinício dos trabalhos legislativos na Câmara e Senado — e a construção dessa agenda se faz urgente. Está na ordem do dia.
Diante dos ataques aos direitos e conquistas do povo em geral e dos trabalhadores em particular que vêm do mercado e do governo, que encontram eco e respaldo na maioria do Congresso, passou da hora de o movimento sindical construir uma agenda para disputar no Legislativo federal. O movimento sindical não pode ir de vez enquanto no Parlamento para disputar uma pauta avulsa aqui e acolá. Essa disputa é diuturna e perene.
O mercado, o governo e o Congresso têm suas agendas e essas colidem frontalmente com os interesses dos trabalhadores. Os exemplos mais robustos e recentes foram a Reforma Trabalhista, a Terceirização, a Reforma da Previdência, a MP da “Liberdade Econômica”, a MP contra desconto em folha das contribuições sindicais e agora a MP da Carteira Verde e Amarela, que aprofunda as mudanças na legislação trabalhista instituídas pela reforma do Temer, em 2017.
Pautas do governo e do Congresso
É importante destacar que o tempo para debate e aprovação das pautas do governo e do Congresso será menor, em razão das eleições municipais de outubro próximo.
Dessas pautas relevantes constam a MP 905 da Carteira Verde e Amarela, as propostas (PEC) do Plano Brasil Mais no Senado, a reforma tributária, uma proposta na Câmara (PEC 45/19) e outra no Senado (PEC 110/19). O governo deve mandar sua proposição em fevereiro e também a de reforma administrativa.
Trata-se de pauta que vai requerer mobilização em Brasília, no Congresso, e nos estados, pois envolvem servidores públicos dos 3 entes federados — União, estados e municípios — e trabalhadores do setor privado.
O governo também deve encaminhar para apreciação do Congresso as reforma Trabalhista e Sindical, cujas propostas sairão do Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), cujo trabalho conclui-se neste mês de fevereiro.
Pauta da classe trabalhadora
O movimento sindical precisará debruçar-se, com propostas, sobre uma pauta, pois apenas bradar contra as que são enviadas pelo governo/mercado não encontrará espaço diante da brutal correlação de força adversa no Congresso. Ou senta-se à mesa para dialogar, negociar e propor alternativas ou não terá assento à mesa e será parte do cardápio.
Em relação à MP 905/19, cuja comissão mista começa a funcionar agora no início do mês, a batalha será derrotá-la, ou, no pior cenário, retirar dessa os contrabandos e prejuízos aos trabalhadores, tanto os que precarizam o 1º emprego, quanto os que eliminam direitos de quem já estava empregado antes da edição da MP. A proposta recebeu 1.930 emendas.
A reforma administrativa pretende diminuir o tamanho e o papel do Estado brasileiro, com profundos prejuízos ao povo em geral e aos servidores em particular, tais como:
1) eliminação do RJU (Regime Jurídico Único);
2) fim da estabilidade;
3) extinção da garantia de irredutibilidade salarial;
4) permissão da redução de salário e de jornada;
5) ampliação do estágio probatório;
6) redução do salário de ingresso no serviço público;
7) proibição das progressões e promoções automáticas;
8) ampliação do tempo de permanência na carreira; e
9) criação de carreirão transversal, cujos servidores serão contratados pela CLT e distribuídos para os órgãos governamentais.
Há ainda a necessidade de formular propostas alternativas às PEC (propostas de emenda à Constituição) do Plano Brasil Mais. A 1ª (PEC 186/19) engessa o gasto governamental, com suspensão de direitos e obrigações do Estado, a chamada PEC Emergencial. Ou ainda a PEC 188/19, do Pacto Federativo, que incorpora integralmente o conteúdo da PEC Emergencial, e, também, impede que decisões judiciais sejam cumpridas e condiciona a promoção dos direitos sociais ao “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”, rompendo com o pacto entre gerações.
O desafio é retirar da PEC do Pacto Federativo, entre outros absurdos:
1) as regras relativas à PEC Emergencial, que estão contidas nessa;
2) o seu artigo 2º, que inclui parágrafo único ao artigo 6º da Constituição, para condicionar a implementação dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, Previdência Social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados) “ao direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”; e
3) excluir o parágrafo 9º, acrescentado ao artigo 167 da Constituição, que determina textualmente:
“Decisões judiciais que impliquem despesa em decorrência de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, somente serão cumpridas quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária”. Como já formulou o diretor licenciado de Documentação do DIAP, Antônio Queiroz.
Será preciso, pela primeira vez, o movimento sindical envolver-se propositivamente nos debates em torno da reforma tributária, a fim de encontrar financiamento para a Previdência Pública. Do contrário, a Previdência Pública não sobreviverá diante de economia e políticas que drenam recursos do Estado para o setor privado.
Além de combater as diversas propostas de precarização das relações de trabalho, tanto nos setores privado, quanto no público, o movimento sindical precisará, diante das novas plataformas digitais de trabalho e do avanço implacável da 4ª Revolução Tecnológica/Industrial sobre o Mundo do Trabalho propor saídas, como a regulamentação do inciso XXVII, do artigo 7º da Constituição, que trata da proteção do trabalhador “em face da automação”. O inciso está entre os “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
Regulamentar esse dispositivo constitucional poderá ser elemento para proteção mínima do emprego e trabalho dignos diante do desconhecido e inescapável avanço tecnológico.
O governo, a seu turno, incluiu dentre suas prioridade para este ano, 2 projetos de lei que tratam de plataformas digitais no serviço público, na ótica de eliminação de mão de obra:
1) o PL 7.843/17, do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), sobre a instituição de regras e instrumentos para a eficiência da administração pública, por meio da desburocratização, inovação, informatização, participação e colaboração do cidadão. Já foi aprovado pelas comissões de Finanças e Tributação; de Trabalho; e de Ciência e Tecnologia da Câmara; aguarda votação do parecer favorável do relator, deputado Pedro Lupion (DEM-PR), com substitutivo; e
2) o PL 3.443/19, dos deputados Tiago Mitraud (Novo-MG), Vinicius Poit (Novo-SP), João H. Campos (PSB-PE) e outros, sobre a prestação digital dos serviços públicos na Administração Pública (Governo Digital). Altera a Lei 9.998/00. Está em discussão nas comissões de Ciência e Tecnologia; Constituição e Justiça; Finanças e Tributação; e Trabalho. Em todos os colegiados foi anexado ao PL 3.443/17. Os relatores são, respectivamente, os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Luis Miranda (DEM-DF).
A Reforma Sindical é outro tema da pauta dos trabalhadores. Está em discussão a PEC 196/19, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), e deve chegar ainda a proposta do governo que vem no sentido de destruir os sindicatos, por inanição financeira e severas restrições para funcionar, organizar, estruturar e representar os trabalhadores. A proposta já foi aprovada na CCJ e aguada criação e instalação de comissão especial para análise de seu mérito.
Nesse quesito talvez haja 3 caminhos: 1) deixar como está e definhar até que a organização e estrutura sindicais de nada sirvam mais e desapareçam como instrumento de luta e defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores; 2) acompanhar de longe, como “observadores no escritório”, que o Congresso aprove alguma reforma sem que o movimento sindical seja ouvido; ou 3) participar viva e ativamente para aprovar alguma legislação que contemple os interesses do movimento sindical, que é 1 dos pilares da democracia.
O salário mínimo também é uma pauta relevante que carece da intervenção sindical, nessa difícil conjuntura político-econômica. Depois de pouco mais de 10 anos que essa relevante variável de renda dos trabalhadores obteve quase 80% de ganhos reais, com preservação de poder de compra, chegou ao fim de 2019 sem uma política pública que lhe preservasse a atualização e a valorização. Construir e propor política pública que preserve a renda que contempla ou referencia, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), mais de 49 milhões de brasileiros é fundamental para manter altivo e participativo o movimento sindical no campo de batalha e com prestígio entre os trabalhadores.
Esta pode ser a agenda da classe trabalhadora no Congresso Nacional, que dá visibilidade, que recoloca esse relevante ator social na grande pauta do País e permite disputar com outros atores sociais o que de fato interessa e é importante. Com a palavra, o movimento sindical.
Plano de privatização de estatais
Por fim, mas não menos importante, acrescente-se a essa agenda o plano de privatização de estatais divulgado pelo governo na semana passada. É importante destacar que várias dessas empresas estatais dependem de autorização legislativa para serem privatizadas. Levantamento realizado pela empresa de assessoria e consultoria político-parlamentar “Contatos” revela que 40% das empresas estatais federais para serem privatizadas “dependem de aprovação legislativa”. Isto é, o processo passa necessariamente pelo debate e posterior chancela do Congresso Nacional.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
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