
Jornal GGN – A cada hora no Brasil quatro meninas de até 13 anos são estupradas e, todos os dias, seis meninas entre 10 e 14 anos dão entrada em hospitais para enfrentar um abortamento decorrente de gravidez gerada por estupro. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, divulgados pela BBC Brasil na segunda (18).
Em entrevista à TV GGN, a pesquisadora Ana Laura Prates, psicanalista especialista em infância, sexuação e feminilidade, acrescentou que 70% dos abusos registrados no Brasil ocorrem na própria casa da vítima e 42% são casos recorrentes.
“Estamos diante de uma situação que não é exceção, é estrutural e não tem visibilidade dependendo da classe social, embora a gente saiba que isso acontece em todas as classes sociais”, disse Ana Laura.
O caso da menina de 10 anos violentada pelo tio, no Espírito Santo, paralisou o País e atingiu seu auge no último final de semana, quando ela precisou ser transferida para Recife para realizar o abortamento. No domingo (16), militantes anti-aborto tentaram impedir o procedimento. A extremista Sara Winter defendeu, no Youtube, que a gestação fosse levada até o limite e que dissessem à menina que ela estava “dodói da barriga”.
“Essa situação em relação à suposição de que o silenciamento seria o melhor tratamento, isso é um equívoco gravíssimo”, disse Ana Laura ao GGN. “O que a gente acompanha é justamente o contrário. Quanto mais a criança tem acesso à informação, quanto mais ela pode falar sobre isso, se sente à vontade, encontra uma rede de apoio, uma linguagem fácil para falar desse assunto, menos ela se torna alvo. Quanto mais isso é silenciado, quanto mais se torna um tabu, quanto menos você pode falar sobre esse assunto, proporcionalmente é muito maior o risco da criança sofrer o abuso recorrente, sem pedir ajuda, de uma maneira absolutamente solitária.”
O diretor do Cisam – hospital em Recife que acolheu a menina – Olímpio Barbosa disse em entrevista à Rádio Gaúcha, nesta terça (18), que 26% das meninas no Brasil com idade abaixo de 14 anos “chegam a parir”, por falta de informação sobre o direito ao aborto e de assistência adequada. “Esse é o principal motivo de suicídio nessa faixa etária”, comentou.
Para Ana Laura, a menina do Espírito Santo foi violentada quatro vezes. “Ela foi violentada por vários anos por esse parente, um caso típico. Ela foi violentada quando o caso é judicializado. Ela foi violentada quando lá no Espírito Santo os médicos se recusaram a cumprir a lei. E ela foi violentada quando essa horda de fascistas fez essa intervenção tenebrosa no hospital.”
CONSCIENTIZAÇÃO
Ainda segundo Ana Laura, o caso ressalta a “importância de conscientizar que a educação sexual é algo fundamental.”
“A gente sabe que houve uma inversão no Brasil nos últimos anos. A prática que vinha sendo construída de uma maneira correta, inclusive nas escolas, foi penalizada. A narrativa que prevaleceu era uma narrativa de que isso era uma espécie de incentivo à sexualidade infantil, o que é exatamente o contrário. As crianças têm uma sexualidade natural, espontânea, mas coerente com faixa etária e fases de desenvolvimento. A curiosidade pelo próprio corpo e por conhecer o corpo de outras crianças faz parte do desenvolvimento. Justamente por isso é que a criança precisa ter as informações corretas para que ela possa se proteger de eventuais abusos que possam acontecer.”
Ana Laura é coordenadora da Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo. Ela participou do debate promovido pelo GGN, na noite de segunda (18), com a advogada Tânia Maria de Oliveira, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
A criminalista explicou que aborto em caso de estupro não precisa de autorização judicial, logo, o caso da menina do Espírito Santo não deveria ter sido “judicializado”.
Além disso, ao contrário do que alegaram os militantes anti-aborto em frente ao hospital, não há lei brasileira que pudesse impedir o aborto em virtude do estágio da gestação. Para a OMS, no entanto, o feto ter 22 semanas ou peso de até 500g são referências para um aborto seguro.
Assista a partir de 29min40s:
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“A gente sabe que houve uma inversão no Brasil nos últimos anos. A prática que vinha sendo construída de uma maneira correta, inclusive nas escolas, foi penalizada. A narrativa que prevaleceu era uma narrativa de que isso era uma espécie de incentivo à sexualidade infantil, o que é exatamente o contrário.”
A penalização da maneira correta que vinha sendo construída foi obra do “Escola sem partido”, movimento liderado sobretudo pelos políticos do Partido Novo, e outros de extrema-direita. O nome “Escola sem partido” é excelente para o movimento se alastrar pelas redes, em que as pessoas repassam sem se informarem de maneira consequente. O nome sugere um veto à politização partidária nas escolas, mas na verdade o que o movimento promove é um grande retrocesso nos direitos das crianças e mulheres (o demonizado “questão de gênero”).
Não sei se o moderador permite uma derivação do tema, mas esses dias, num artigo sobre o kit gay, eu comentei que era fácil confirmar que ele existiu. Vi depois que o comentarista Augusto me desafiou a fazê-lo, mas não podia responder na hora e, quando fui fazê-lo, o artigo já havia saído do ar. Assim, se possível, respondo-o aqui.
Augusto, como eu disse basta você entrar no Youtube e digitar na barra de pesquisa algo parecido com “kit gay haddad entrevista”. A resposta incluirá várias matérias da época. Cito três entre dezenas:
https://www.youtube.com/watch?v=bAJNCNM0QOo
https://www.youtube.com/watch?v=RLaXUWxrVJQ
https://www.youtube.com/watch?v=YaZ2yO6rADM