É preciso levar a sério a autodefesa antifascista, por Luís Felipe Miguel

É preciso levar a sério a autodefesa antifascista

por Luís Felipe Miguel

Outro dia, cometi o desatino de entrar na página de um dos líderes da campanha para proibir Judith Butler de falar no Brasil – um olavete de poucas luzes e muitos milhares de seguidores, que divide suas postagens entre ataques à filósofa estadunidense, protestos de fidelidade canina ao guru de Richmond e a defesa da ideia de que é preciso anular a Reforma protestante.

A mistura de má fé, desinformação deliberada e ignorância não causa espanto, pois é o feijão com arroz desse pessoal. O espantalho da “ideologia de gênero” é mobilizado generosamente. Uma observação de Butler – de que suas contribuições à discussão sobre gênero são antigas e hoje o foco de sua reflexão é outro – é apresentada como evidência de que ela estaria amarelando diante da campanha contra sua presença no Brasil. Argumenta-se que não há tentativa de censura, pois o abaixo-assinado para calá-la tem mais de 200 mil apoios, uma falácia lógica tão bizarra que não pode ter passado desapercebida a quem a cometeu.

O que é grave é a recusa explícita à noção de que se deve “combater ideias, e não pessoas”. Ao contrário, diz o cruzado anti-Butler, são as pessoas que devem ser combatidas. Os exemplos são chocantes: “Tivesse a pobre Igreja combatido heresias, sem advertir, convocar e, então, excomungar hereges, não estaríamos aqui” (no lugar de “excomungar” é fácil colocar “queimar”). Ou, então, numa aproximação talvez inesperada: “Stálin se fixou no poder matando Trotsky, e não combatendo seus ideais internacionalistas apenas”.

É um chamamento à violência e mesmo ao assassinato político. E não vem de um maluco isolado qualquer; ele apenas verbaliza de forma mais aberta e mais extremada o que já é o modus operandi da direita bolsonariana e mebelística, que aposta na intimidação física e no cerceamento pela força da expressão de vozes dissidentes.

Com a ruptura da democracia, o jogo político está mudando, infelizmente para pior, para muito pior. Cabe à esquerda entender isso. Nós queremos o livre debate de ideias, porque nele, não tenho dúvidas, nós ganhamos de lavada. Mas não podemos assistir passivamente ao fechamento de nossos espaços, muito menos confiar num aparato policial e judiciário que se posiciona sem disfarces ao lado de nossos adversários.

Mesmo o reverendo Martin Luther King sabia que uma marcha não-violenta pelos direitos civis às vezes dependia do apoio de grupos de autodefesa negra, como os Deacons for Defense and Justice. Já passou da hora da esquerda brasileira levar a sério a necessidade da autodefesa antifascista.

 

Luis Felipe Miguel

5 Comentários

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  1. Ghandi derrotaria Hitler ?

    Reafirmo o que escrevi outro dia. Fui decididamente a favor do desarmamento porque tinha a ilusão de que estávamos criando um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

    Hoje sou a favor de que todo cidadão tenha uma arma para que possa agir em LEGÍTIMA DEFESA.

    Naquela manifestação pacífica que saiu da Paulista e terminou no Largo da Batata, quando os manifestantes já estavam se dispersando, voltando para suas casas, a PM atacou violentamente os manifestantes, inclusive com bombas. Senadores e deputados foram atacados. Duvido que a PM tivesse coragem de fazer o que fez, se cada cidadão tivesse uma pistola na cintura.

  2. Concordo, mas nao a nível individual e comedidamente

    “Valentonismo mui ‘macho’ ” nao nos adianta nada, além de nao ser possível p/ todos. Nao podemos ceder a provocaçoes. Ok até p/ o uso de violência, mas SÓ EM RESPOSTA, e APENAS NA MEDIDA NECESSÁRIA. Por exemplo, nao é p/ surrar os fascistas, apenas p/ expulsá-los dos espaços quando eles quiserem invadi-los ou impedir as atividades. Senao acabamos sendo nós os “baderneiros” e violentos.

  3. Forças de defesa
    Sem dúvida, em face do uso da violência sistemática por parte dos fascistas, os organizadores de eventos precisam redobrar os cuidados com a segurança. Em alguns casos, pode-se contar com as polícias, mesmo sabendo que entre os seus quadros há muitos simpatizantes do fascista Bolsonaro.  Em Estados como Maranhão e Bahia, cujos governadores são do PCdoB e PT, pode-se (e deve-se) cobrar o SERVIÇO PÚBLICO de segurança. No mais, os organizadores precisam providenciar esquemas de segurança. Às vezes temo pela vida de Lula. Espero que o pessoal encare essa questão com a devida responsabilidade. Não queremos chorar sobre sangue derramado.  Os assassinatos de lideranças populares não são notícia nas mídias do Brasil, mas sabemos o quanto são frequentes.

  4. É claro que já passou da hora

    É claro que já passou da hora de cuidar da defesa fisica e das ideias.

    É claro, também, que não adianta mais falar (se naão entenderam até agora, não vão entender nunca!).

    Já morreu gente. Quando morrerem mais pessoas, vão perguntar ainda (com cara de abestados) “por queee?”

    O mais importante agora é atuar pra impedir as famosas inversões, do tipo “foram eles que provocaram”!

    Os boçais estão seguindo o ritmo deles, já perderam a modéstia.

  5. DEFENDER ISSO ME FALIU, É UMA DESTRUIÇÃO FAMILIAR PELO QUE PENSO

    Nassif, já dei tanta dica fututura que nem lembro mais, não consigo nem respirar, estamos no caos, pode verificar que falava ao menos nos defender do que vinha, é história. porém o lixo ideologoco era necessario para o mercado, erraram feio, não sabem o que é luta, não me rendo, mas meu tempo é curto. Sou um morto vivo, porque luto e não aceito meu país sendo entregue. Sou verde amarelo, não essa farça bolsopicareta. Acorde exercito, porém estanque e dê 3 meses para o povo confirmar o seu pensamento, TEMER vender tudo tá errado. 

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