Teoria do Moro-tante [Diálogo]

Não, não. Vossa Senhoria leu direito.

– ?

Explico-lhe, de pronto: sou educado. Já viu aquele sujeito que se diz virtuoso, patriótico e pai de família exemplar, que só diz desejar a libertação brasileira do comunismo, para que reingressemos na era moderna? Aquele tipo que supõe ser factível um discurso desprovido de intenções, apoiador de certo juiz – eleito como mártir da legalidade, premiado algumas vezes como incorruptível, paladino primeiro e derradeiro da ética?

– Aquele que mantém fortes laços com a legenda partidária em azul e amarelo?

Isso. Como falta, à metade de nós, senso crítico e capacidade de autoexame, ele foi transformado – com o incentivo dos EUA e o aval da Rede Globo –, em exemplo máximo (e quase exclusivo) da ordem, portador das virtudes cardiais, de que falava Aristóteles e também Santo Agostinho, nove séculos depois daquele.

– É sério?

Presumido, a sua palavra tem mais força que a lei; e a jurisprudência a que diz se referir está mais para o Código Filipino, implementado pelo reino Português no início do século XVII, que para a Constituição republicana brasileira – sim, aquela um pouco mais recente, que acabou de completar trinta anos. Não menciono o escândalo da APAE, o protesto por auxílio-moradia, a alegação de excesso de trabalho que teria impedido investigar os amigos a voar em Brasília, nem os fortes vínculos do pai com aquela legenda partidária que transformou Minas, São Paulo e Paraná em novíssimas capitanias hereditárias.

– Essa volta ao passado, né?

Deve ser por isso que falam tanto em modernização e atalhos para o futuro. Um deles, espécie de mentor requentado, repetindo o finado JK, afirmava ter “apenas” cinco metas. Depois, comprou sua reeleição, pois esqueceu-se de confessar que nunca sofreu exílio e, além disso, servia ao neoliberalismo (e não aos brasileiros). Quando professor universitário, fez acordo interessante com a instituição: “aposentou-se” em cinco anos, após confabular com os fardados. Você sabe, solução a meio-termo, típica da gente culta, poliglota, honesta, nacionalista e equilibrada.

– Hum… Mas?

Ah, tem razão. Vossa Senhoria me perdoe pela digressão: costumo confundir os homens daquele partido com juízes partidários que, a exemplo daqueles, proclamam-se retos, isentos, garbosos e direitos. Pois, faça reparo. Sabe por que ele se sustenta, a ponto de contradizer a ordem de desembargadores? Em parte, porque determinada emissora, bem como alguns jornais vetustos semearam a melhor imagem do sujeito. Espécie rara de herói da resistência. Reduto único da moral. A parcela do povo que os lê ou assiste incorpora o que dizem os jornalistas, comentaristas, Garcias, cozinheiras e demais palpiteiros esportivos, com que alimentam o próprio ódio contra qualquer coisa que envolva senso de coletividade e qualquer forma de emancipação.

– Pois…

Daí a cegueira voluntária para os abusos que praticam em nome da lei para… tolos. Pouco importa que o sujeito tire fotos comprometedoras com os “homens de bem” do partido, dito social-democrata. Menos ainda que viva a receber prêmios inventados por amigos da mesma legenda, a reinar em algumas cercanias, com filial na matriz. O pior é que ele conta com defensores igualmente míopes; não sei se se trata de excesso de inteligência ou rematado cinismo.

– Hum…

Não somos nós militantes? Que mal há em ser moro-tante?

– Moro-tante?

Isso. Uma espécie des-evolutiva em curso, capaz de ludibriar metade do país em apologia do togado que recebe novecentas vezes o salário-mínimo de fome, em um mês.

– Moro-tantes, moro-tante… Seria uma espécie mutante?

Como queira.

– Puxa, que complexo!

E tem mais. Vossa Senhoria que ainda me lê, mire veja. Nesse mesmo instante, um dos asseclas improvisados do juiz pode estar ao celular a registrar o que você acaba de ler, ou a ajuizar os modos como reage. Repare só como a vida pode ter episódios de (des)ventura.

__ !

A bem da verdade… quer um conselho? Desligue o notebook e reative a tela de desbloqueio no celular. Além disso, evite esportes de contato (por assim dizer) com a turba enfurecida – mas tão civilizada – dos azuis e amarelos. Quando lhe disserem que “política é como futebol e religião: não se discute”, responda que é justamente por não se tratar do mesmo que merece e deve ser rediscutida. Sempre.

– De acordo.

Mas tema, para além do Presidente traduzido neste verbo, os arbítrios do togado (pausa para declamação em verso) que não se faz de rogado. É esse modelo de filiação partidária que assegura a aparente isenção ideológica e a armadura moral do juiz: tem braço forte (mas é fraco orador, ainda mais quando discorre em inglês).

– É. Havia notado.

Repare que a turma que elegeu este sujeito como representante da lei e da ordem não pode abrigá-lo do inexorável, indefinidamente. Nem Duques, nem Doges, nem remendas impedem ver a escrotidão parcial de seus atos.

– Acho que compreendo.

Como lidar com os ataques histéricos, que provêm justamente da turma que mais vezes reitera a suposta neutralidade da palavra e a isenção, enquanto exercitam o método mais torpe de fazer politicagem nos bastidores?

– Espere um momento… Moro-tantes… Ah, captei!

Sim, sim. Porque, se somos militantes, taí uma coisa que eles não são (nem fazem tão bem). Para isso é necessário mais que coroporativismo e entreguismo, sob o beneplácito da Rede Globo.

— Mas tem a Globo News

Faz-me rir! Não passa de gourmetização do canal aberto.

Redação

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