As contradições do golpismo e a brecha para restaurar a democracia

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Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
 
Por ml
 
Comentário ao post “Xadrez da última aposta da Globo
 
Concordo, em linhas gerais, com o exposto nesse Xadrez. No entanto, a questão crucial é que, pela primeira vez, as contradições do golpismo resultaram numa brecha para restauração da democracia. Discuto, primeiro, a crise do golpismo; e, em seguida, a impossibilidade do consenso – e aí, penso que me afasto do Nassif.
 
O ponto fundamental da crise do golpismo é o seu fracasso econômico. O golpismo apostou suas fichas num ajuste do setor público calcado em reformas draconianas. Evidentemente, isso não poderia aumentar da demanda agregada, a não ser se houvesse um mínimo de racionalidade econômica e evidências empíricas robustas para a tese da “restauração da confiança”. Como essa tese é ridícula em ambos os aspectos, o programa do golpismo simplesmente não poderia reverter a crise recessiva, como não a reverteu.

 
Na verdade, o golpismo teve a sua chance. Logo após o impeachment, abriu-se a possibilidade de um choque de juros, i. e., de uma redução drástica dos juros nominais e reais, que abrisse espaço para um aumento do investimento público e, consequentemente, da demanda agregada. Não seria, é claro, a construção de um novo modelo de desenvolvimento [que é o que se exige], mas tanto pelo efeito direto da redução dos juros reais quanto por permitir aumento do gasto público seria a política anticíclica possível e que se impunha.
 
Seja por cegueira ideológica, pela força dos interesses rentistas ou por puro despreparo da incompetente equipe econômica, essa possibilidade não foi aproveitada. Ao contrário, o golpismo cometeu a insensatez da PEC do teto dos gastos. Ou seja, mesmo a redução dos juros reais não pode mais abrir espaço para uma política fiscal anticíclica. Ao apostar no neoliberalismo, queimaram as caravelas.
 
As reformas não podiam, portanto, solucionar crise recessiva no curto e médio prazos. Mas há mais: mesmo na ótica neoliberal que as animava, as reformas só seriam eficazes se fossem críveis, ou seja, sustentáveis no tempo. Ora, elas não o são numa sociedade democrática.
 
A violência contra o povo que as reformas encerram faz com que a sua revogação se torne a grande questão de quaisquer eleições democráticas. Num primeiro momento, o campo democrático não soube, ou não pode, explorar isso. Estou me referindo às eleições municipais: obviamente, elas deveriam ter sido politizadas ao extremo em torno dessas reformas, em vez de priorizar questões “palpitantes” como ciclovias. Porém, quando o golpismo teve de tornar público o que pretendia (o que deveria ter sido feito pelo campo democrático) em relação à previdência, “o caldo entornou”, como mostrou a adesão à grande greve geral.
 
Em síntese: as reformas simplesmente não podem solucionar a crise recessiva e são incompatíveis com a democracia. Não são críveis, logo são ineficazes mesmo na ótica neoliberal.
 
A grande contradição do golpismo sempre foi o problema do conflito entre os interesses fascistoides do grupo jurídico e o grupo político/corrupto. A sobrevivência de Temer e quadrilha, Aécio, etc. implicava neutralizar o grupo jurídico. Desde o primeiro momento do golpe, essa contradição aflorou. Ela só não adquiriu maior vulto porque parte do grupo jurídico centrou seus ataques no Lula. No entanto, a fragilidade das provas, os exageros de Moro e companha limitada, a impossibilidade de continuar a encobrir a corrupção de Temer, PSDB, etc., e a explicitação do caráter das reformas fizeram com que o efeito das denúncias contra Lula perdessem força política. Hoje “novas” denúncias contra são inúteis, a população mal as considera. Lula, por encarnar a resistência às reformas [algo que ele percebeu muito bem que era o caminho], cresce e cresce como favorito em 2018. E mesmo se for inviabilizado juridicamente, será o maior cabo eleitoral da história deste país.
 
Curiosamente, é exatamente o crescimento da resistência ao golpe que torna o consenso difícil. Lula e outros tornaram-se reféns da agenda que abraçaram. O golpismo gostaria manter as reformas e o programa neoliberal, mas não estamos mais em 2003. Lula não pode, e sabe que não pode, oferecer um acordo que envolva o controle dos movimentos sociais, a entrega do BC ao rentismo, a um Meirelles da vida, uma reforma previdenciária nos moldes preconizados pelo neoliberalismo, etc. Chegamos a um impasse, à hora da verdade. Ou vence o campo democrático ou teremos a ditadura do mercado e do judiciário. O único consenso possível é em torno das regras sob as quais resolveremos nossos conflitos sem violência. A isso se chama democracia, e não será fácil restaurá-la.
 
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Redação

20 Comentários

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  1. as….

    Perguntar não ofende. Quando tivemos Democracia? Nesta farsa de Estado? Nesta hipocrisia de Constituição? Em voto obrigatório? Em urna eletrônica? Em eleições ao custo de 250 milhões de reais, que se tornarão 500 milhões de reais? Com voto paulista valendo 1/4 do alagoano, principio getulista pós-revolução para diminuir o poder deste estado? Em factóides de referendos e plebiscitos? Plebiscitos protituídos como o do Desarmamento? Com a absoluta falta de ligação da sociedade com o poder? Por facções criminosas se degladiando pelo Poder? Democracia? Que democracia?   

    1. A Dmocracia é um pessimo

      A Dmocracia é um pessimo regime, até seu criador, Charles Louis de Secondat achava isso. O problema  é que outros podem ser piores, trata-se então de escolher o menos ruim. A maioria das democracias, inclusive as antigas, como a inglesa, com um plebiscito desastroso (Brexit), a francesa com um fascismo redivivo (Le Pen), a americana com um espiroqueta eleito (Trump) tem mega problemas.

      Democracia é muito ruim mas não temos alternativa.

      1. A democracia sempre parou nas portas das fábricas

        Democracia é a ditadura da maioria sobre a minoria

         

        Democracia não rima com imposição nem com subordinação.

        A democracia não democrática, ao contrário, é ditadora, pois num regime democrático, em tese, há imposição da vontade da maioria sobre a minoria. Diz-se em tese porque na democracia burguesa é a minoria parasitária que impõe sua vontade sobre a maioria trabalhadora. Se a democracia fosse a subordinação da minoria à maioria, os salários no Brasil não seriam tão baixos, já que a vontade da maioria é ter um salários menos pior do que este salário de fome que a minoria parasitária e privilegiada paga aos trabalhadores.

        Já a ditadura do proletariado é a subordinação da minoria parasitária à vontade da maioria trabalhadora. Em sendo assim, a ditadura do proletariado é mais democrática do que a democracia burguesa.

        Entretanto a ditadura do proletariado é apenas uma fase histórica, pois com o advento do socialismo, as classes sociais serão extintas e sem classes sociais a tanto a democracia quanto a ditadura perdem sua razão de existir e definharão.

        Em Estado e Revolução, Lenin escreveu:

        “A supressão do Estado é igualmente a supressão da democracia e o definhamento do Estado é o definhamento da democracia.

        À primeira vista, essa afirmação parece estranha e ininteligível; alguns poderiam mesmo recear que nós desejássemos o advento de uma ordem social em que caísse em desuso o princípio da submissão da minoria à maioria, que, ao que se diz, é o princípio essencial da democracia. Mas, não! A democracia não se identifica com a submissão da minoria à maioria, isto é, a organização da violência sistematicamente exercida por uma classe contra a outra, por uma parte da população, contra a outra.

        Nosso objetivo final é a supressão do Estado, isto é, de toda violência, organizada e sistemática, de toda coação sobre os homens em geral. Não desejamos o advento de uma ordem social em que caducasse o princípio da submissão da minoria à maioria. Mas, em nossa aspiração ao socialismo, temos a convicção de que ele tomará a forma do comunismo e que, em conseqüência, desaparecerá toda necessidade de recorrer à violência contra os homens, à submissão de um homem a outro, de uma parte da população à outra. Os homens, com efeito, habituar-se-ão a observar as condições elementares da vida social, sem constrangimento nem subordinação.”

        Na mesma obra, o antecitado autor escreveu também:

        “Só na sociedade comunista, quando a resistência dos capitalistas estiver perfeitamente quebrada, quando os capitalistas tiverem desaparecido e já não houver classes, isto é, quando não houver mais distinções entre os membros da sociedade em relação à produção, só então é que “o Estado deixará de existir e se poderá falar de liberdade”. Só então se tornará possível e será realizada uma democracia verdadeiramente completa e cuja regra não sofrerá exceção alguma. Só então a democracia começará a definhar – pela simples circunstância de que, desembaraçados da escravidão capitalista, dos horrores, da selvajeria, da insânia, da ignomínia sem-nome da exploração capitalista, os indivíduos se habituarão pouco a pouco a observar as regras elementares da vida social, de todos conhecidas e repetidas, desde milênios, em todos os mandamentos, a observá-las sem violência, sem constrangimento, sem subordinação, sem esse aparelho especial de coação que se chama o Estado.”

         

  2. Pequeno problema

    “o golpismo teve a sua chance. Logo após o impeachment, abriu-se a possibilidade de um choque de juros, i. e., de uma redução drástica dos juros nominais e reais, que abrisse espaço para um aumento do investimento público e, consequentemente, da demanda agregada”

    Mas isso ai não era a agenda golpista. Eles não acreditam em desenvolvimento, eles acreditam em vender e receber a comissão logo. Portanto *nunca* o golpismo teve chance. Está ai o caso da Grécia para provar…

      1. Delenda FIESP

        Mas em 2016 gastou rios de dinheiro para financiar o GOLPE. Eu ví na Avenida paulista um filho da puta em cada esquina, pago pela FIESP gritando xingamentos e calúnias contra Dilma e Lula. Ví caros e mais carros de som espalhados pela cidade gritando mentiras e xingamentos e isso nem arranha a superfície da ação da FIESP nesse GOLPE.

        Antes eu tinha prevenção contra a FIESP, hoje eu tenho ódio mortal. Quero que aquela merda exploda, pegue fogo e queime aqueles malditos todos. Eles conseguiram mais um inimigo mortal e eu garanto que não sou o único.

        1. Desmembrar SP em 4 só dará

          Desmembrar SP em 4 só dará força para o estado. A quantidade de deputados desses 4 estados somada será maior que os 70 deputados somados, eo que é o atual estado de SP passará de 3 para 12 senadores. Conhecendo o paulista cokmo conhecemos, é assegurar 9 senadores eternos para o PSDB.

  3. Na minha modesta opinião, a

    Na minha modesta opinião, a culpa por tudo que vem ocorrendo é do STF. Em particular, do Teori Zavascki, por não ter afastado o Cunha permitindo que ele fizesse o que fez.

    Se não quisesse tomar uma decisão solitária poderia jogar para o pleno.

    Diziam que um poder não poderia interferir no outro. Mas deixar uma presidenta eleita com 54 milh de votos ser sacrificada ,foi muito pior como vemos hoje.

    O STF deveria ser o guardião da Constituição e não foi. Eles já conheciam muito bem todos esse atores que estão sendo expostos hoje.

     

     

      1. Olhar para frente não significa esquecer o passado

        Olhar para frente não significa esquecer o passado. O passado ensina e orienta. A presidenta não volta, mas sua destituição espúria em um golpe corrupto e ilegal é uma lição que ficará para sempre. Não vamos esquecer, não vamos perdoar. desta vez não vão conseguir passar uma borracha como se nada tivesse acontecido. Agora estamos no meio da tempestade, mas uma hora esses fatos serão passados a limpo

  4. As contradições do golpismo e a brecha para restaurar a democrac

    as rachaduras na muralha do golpe

    – o golpe fracassou porque seu programa não foi capaz de reverter a crise econômica, e nem poderia já que o austericídio apenas aprofunda a recessão;

    – com a PEC do teto dos gastos o golpismo “queimou as caravelas”, fechando o caminho para uma política fiscal anti-cíclica;

    – o austericídio não é compatível com a Democracia;

    – a Esquerda fracassou ao não politizar as eleições municipais sob o eixo das contra-reformas, cuja revogação são ponto central;

    – a contradição principal do golpismo reside no conflito entre  a facção Jurídica (facistóide) e a Política (corrupta);

    – Lula cresce por encarnar a resistência às contra-reformas;

    – o vigor da resistência ao golpe traça um intransponível limite para um acordo de gabinete. frente às contra-reformas, a estratégia da conciliação já não é viável. ou a Ditadura do Mercado garantido pelo Judiciário ou a Democracia: eis a questão.

    o golpismo é como uma muralha. parecia impenetrável, inexpugnável. mas eis que surgiram rachaduras, várias delas. agora elas se proliferam e se expandem. só com a articulação de todas estas rachaduras é possível fazer o muro desabar. nós somos estas rachaduras.

    vídeo: Yanis Varoufakis, ex ministro da Grécia, denuncia golpe no Brasil

    [video: https://www.youtube.com/watch?v=HS1Ua925Pcs%5D

    .

  5. O nome do jogo da Globo é

    O nome do jogo da Globo é Henrique Meirelles. É impressionante a ligação de Globo, JBS e Henrique Meirelles.

    E ficam os petistas tontos brigando com aecios e pretensos golpistas, são cegos e burros, enquanto avança o

    trator autoritario. Parecem os socialistas e comunistas brigando na Republica de Weimar enquanto Hitler chegava.

  6. Fugindo do Script

    Meus parabens ao Andre Araujo pelas intervenções. Concordo com a maioria de suas opiniões que na maioria das vezes não são gestadas no baço e sim no cérebro de um pensador e historiador!!

  7. Quem planta vento colhe tempestade

    Se eu tivesse o poder de ler mentes, gostaria de entrar na cabeça dos articuladores do golpe para ver como eles avaliam a aventura em que se meteram. Todos os empresários ganharam muito dinheiro nos governos petistas, mais no Lula e menos na Dilma. Os governos petistas deram total liberdade de imprensa e nunca perseguiram opositores. Mas havia muita gente de bolso cheio e descontente, então bancaram uma pauta-bomba para desestabilizar o Governo Dilma e a economia, terminando por derrubá-la e promover um terrorismo judiciário. Muitos políticos e empresários que promoveram este golpe terminaram atrás das grades, como Emílo Odebrecht, os donos da OAS, eduardo Cunha e, com grande chance desta onda alcançar Aécio e Temer. Fora isso, a economia anda para trás, as empresas acumulam prejuízos, as gravações da Lava Jato já alcançaram Gilmar Mendes e Zezé Perrela e ainda estão longe de terminar. Será que ainda vale a pena para eles manter este terrorismo para tentar prender o Lula? E ainda não apareceu nenhuma prova contra ele, talvez seja preso só por convicções.

  8. Principio basico

    Nenhuma agenda golpista dá certo, pois não tem base democratica.

    Tem de ser enfiada goela abaixo como está se tentando. Ninguém toma remédio ruim contra a vontade.

    Estamos num impasse, sem solução. Ou devolve-se a Democracia ou seguimos caminho ao Obscurantismo.

    Não há meio termo, por mais que tentem nos vender esta solução, não há.

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