Falta coragem para politizar a tragédia
por Luis Felipe Miguel
É difícil ter qualquer fé no ser humano nos dias que correm. Um dos elementos para sustentar essa descrença é a proliferação fake news destinadas a alimentar o pânico e prejudicar o socorro às vítimas das cheias no Rio Grande do Sul.
Uma colunista bolsonarista (envergonhada, mas bolsonarista mesmo assim) da Folha de S. Paulo veio a público criticar o governo por combater essas mentiras.
Escreveu ela que não cabe ao governo federal “investigar o que o povo anda falando”.
Ela se faz de ingênua e, na verdade, propaga também a desinformação. Não é “o que o povo anda falando”, o que sugere uma cacofonia de comentários pontuais de pessoas comuns. O que nós temos é uma campanha orquestrada pelos empresários e políticos sem caráter de sempre, a fim de aproveitar a calamidade e tentar desgastar ou governo federal.
A partir daí, muitos vão alimentar essa cadeia, reproduzindo as mentiras por estupidez ou espírito de porco, frequentemente uma combinação de ambos. Como falei, é difícil sustentar a esperança no ser humano. Mas a gente sabe que nada disso é espontâneo ou inocente.
O que me incomoda na ação do governo é o contrário do que diz a escriba ultraconservadora do jornal paulistano.
O governo desperdiça uma oportunidade de se colocar na ofensiva do debate público sobre o tema, com uma postura excessivamente tímida.
A indústria da desinformação politicamente motivada a sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul choca qualquer pessoa que mantenha um mínimo de humanidade. Cruza várias linhas.
Afinal, mesmo os políticos e empresários canalhas que brincam levianamente com a proteção ambiental e são os responsáveis últimos pelo que está acontecendo, mesmo eles concordam com a necessidade de prestar socorro a vítimas. O que o bolsonarismo está fazendo neste momento, prejudicando esses esforços, é criminoso diante até mesmo do senso comum mais elementar.
Era o momento do governo partir para a ofensiva, denunciando as fontes das fake news e recolocando em pauta a necessidade de regulação das plataformas sociodigitais. Era o momento do presidente da República convocar uma rede nacional de rádio e televisão e dar nome aos bois
A sabedoria convencional diz que, diante da tragédia, é hora de “união”, não é hora de politizar.
“União” com quem sabota os esforços?
E “politizar” não precisa ser entendido no sentido mesquinho de tirar proveitos eleitorais. Politizar significa ir além do imediato, entender quem ganha e quem perde, discutir o que devemos fazer como sociedade.
As chuvas no Rio Grande do Sul podem ser politizadas em pelo menos três dimensões:
• A necessidade de combater a indústria da desinformação e responsabilizar todos os que lucram com ela.
• A urgência em superar o negacionismo climático e interromper a opção pelo lucro imediato em lugar da preservação ambiental.
• Os efeitos nefastos do sequestro do orçamento público pelo Centrão, que compromete a definição de prioridades de gestão e tem prejudicado a já débil sustentação dos órgãos de resposta a desastres.
Infelizmente, a comunicação do governo federal – que poderia tomar a iniciativa no debate – está burocrática e, mais do que isso, viciada no apaziguamento e na defensiva.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Nenhuma dos dois objetos vale a pena:
Nem este governo de m*rda de Lula, nem os gaúchos.
Que afundem o covarde com os separatistas.