Supremo aponta parcialidade de Moro e anula sentença do Banestado

Moro "exerceu funções típicas dos órgãos competentes para investigação e acusação", diz ministro do STF

Por Fernanda Valente

No Conjur

O magistrado que homologa acordo de delação não deve participar das negociações feitas entre as partes, muito menos tomar depoimento de um dos envolvidos. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a sentença condenatória proferida pelo então juiz Sergio Moro no caso Banestado, a operação que o deixou famoso, em 2003.

Empatado, o julgamento desta terça-feira (25/8) foi resolvido com aplicação do in dubio pro reo. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que Moro pulou o balcão para se tornar acusador por ter colhido depoimento da delação premiada de Alberto Youssef e por ter juntado documentos aos autos depois das alegações finais da defesa.

Já o relator, ministro Luiz Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia, entenderam que o então juiz não estava impedido. De acordo com Fachin, ainda que fosse o caso de questionar os limites dos poderes instrutórios do juiz, não seria o caso de declarar a imparcialidade judicial e afastá-lo do processo.

Não faltaram críticas ao método de trabalho de Moro. O ministro Gilmar Mendes foi enfático e disse que o então juiz “atuou verdadeiramente como um parceiro do órgão de acusação na produção de provas que seriam posteriormente utilizadas nos autos da ação”.

Mesmo que essa essa atuação não fosse suficiente para configurar a quebra de imparcialidade de Moro, Gilmar Mendes considerou que a atuação foi alinhada com a estratégia da acusação sobre as alegações finais da defesa.

“Os documentos juntados não poderiam ter sido utilizados para a formação do juízo de autoria e materialidade das imputações, uma vez encerrada a instrução processual”, explicou o ministro.

Agora à superfície
“Coisas muitas estranhas aconteceram em Curitiba, naquela Vara Federal”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, sem citar diretamente a série de reportagens do site The Intercept Brasil, conhecida como “vaza jato”.

De acordo com o ministro, somente agora o Supremo tem condições de “lançar um olhar mais verticalizado do que ocorreu efetivamente em determinados processos, apartando-se daquela interpretação mais ortodoxa e literal das hipóteses de impedimento e suspeição”.

O ministro defendeu que o caso trata estritamente de analisar se houve ou não parcialidade de Moro. Segundo ele, “pouco importa que os atos processuais tenham sido praticados antes da lei que disciplinou a colaboração premiada”, já que é sabido entre os magistrados da impossibilidade de atuar junto dos órgãos de acusação.

A atuação de Moro, disse, não se limitou à homologação dos acordos e a supervisão da colheita de prova. “Muito pelo contrário, o juiz exerceu funções típicas dos órgãos competentes para investigação e acusação. (…) Atuou concretamente para produção da prova de acusação em sede de investigação preliminar”.

Politização prejudicial
Foi no caso Banestado que Alberto Youssef tornou-se parceiro dos investigadores do Paraná: o doleiro fez acordo de delação premiada e entregou diversos concorrentes do mercado de venda ilegal de dólares. A partir das declarações e documentos apresentados por Youssef, os investigadores — procuradores da República e agentes da Polícia Federal reunidos na chamada força-tarefa CC-5 — acusaram diversas pessoas de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

O caso que a 2ª Turma julgou é de um dos alvos da força-tarefa, o doleiro Paulo Roberto Krug. O caso foi levado ao STF pelo advogado Cal Garcia, com base em parecer feito pelo professor da UFRJ Geraldo Prado.  O julgamento havia sido iniciado em setembro de 2019, no Plenário virtual. No entanto, foi levado ao Plenário físico após o ministro Gilmar Mendes pedir vista.

A corrente de entendimento do relator, ministro Luiz Edson Fachin, foi que a participação de autoridade judicial na homologação do acordo de delação “não possui identidade com a hipótese de impedimento prevista aos casos de atuação prévia no processo como membro do Ministério Público ou autoridade policial”.

A oitiva dos colaboradores no juízo, disse Fachin, é uma tarefa “ínsita à própria homologação do acordo”, de forma que não pode configurar impedimento ou ser “equiparável às funções desempenhadas pelo Ministério Público ou pela autoridade policial, cujas atividades encontram-se intrinsecamente relacionadas à própria entabulação do acordo e à iniciativa probatória”.

O ministro votou para negar o recurso do doleiro, mantendo a compreensão de seu voto anterior, no qual ele critica a “politização por que têm passado os esforços por mais eficiência na justiça”.

“A polarização impõe um falso dilema à sociedade: ou se combate o ‘punitivismo’, ou retomaremos o arbítrio, como se o estado de coisas anterior, no qual grassou por anos a ineficiência e deitou raízes o cupim da República, fosse o único apanágio da democracia”, afirmou o ministro, que ressaltou a importância de não se afastar os precedentes da corte.

Não participou do julgamento o ministro Celso de Mello, afastado por licença médica.

Além de Cal Garcia, atuaram no processo os advogados Daniel Müller Martins, Eduardo Toledo e Maurício Dieter.

“A decisão do STF não inova. Ela reafirma a jurisprudência da Corte iniciada no julgamento da ADI 1.570, que declarou a vigência do sistema acusatório no país e, portanto, a separação entre as funções de acusar e julgar. No caso particular, foi reconhecida a violação de direitos fundamentais do acusado. O direito a ser julgado por juiz imparcial, como exigem a Constituição e o Pacto de San José da Costa Rica. O STF reconheceu que o juiz atuou como investigador e acusador — houve quebra da imparcialidade objetiva que determina o impedimento. Fez-se justiça e garantiu-se o devido processo ao Senhor Paulo Krug”, afirma Cal Garcia.

Para Maurício Dieter, foi “uma vitória importante e histórica do devido processo legal contra delações temerárias e injustas, convalidadas de modo abusivo por magistrados que não sabem se distanciar da acusação”.

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RHC 144.615

 

Redação

2 Comentários

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  1. E no interrogatório do Gilberto Gil, o $érgio Moro pulou, ou não, o balcão?

    Zanin – É fato notório que o senhor (Gilberto Gil) participou do governo do ex-presidente Lula, participava de reuniões, audiências, despachos. Nesta função ou ao participar destas reuniões, alguma vez o senhor presenciou ou teve notícia de algum ato do ex-presidente Lula que pudesse sugerir que ele havia solicitado ou recebido alguma vantagem indevida em troca de atos que ele teria praticado como presidente da República?

    Gilberto Gil – Não, nunca.

    Zanin – Alguma vez o senhor presenciou ou teve conhecimento de alguma situação em que o ex-presidente Lula tivesse concedido benefícios às empresas Odebrecht e OAS em troca de supostas reformas em um sítio em Atibaia?

    Gilberto Gil – Não, de maneira nenhuma.

    $érgio Moro – O senhor conheceu o ex-ministro José Dirceu?

    Gilberto Gil – Sim, claro.

    $érgio Moro – Ele foi ministro ao mesmo tempo que o senhor?

    Gilberto Gil – Sim

    $érgio Moro – O senhor teve conhecimento de quando ocupava o Ministério do senhor Dirceu em algum esquema de corrupção?

    Gilberto Gil – Não

    – $érgio Moro – O senhor conheceu durante o seu cargo no Ministério o senhor Antonio Palocci?

    Gilberto Gil – Sim

    $érgio Moro – O senhor teve conhecimento durante o exercício do seu cargo como ministro do envolvimento do senhor ministro Antonio Palocci em algum esquema de corrupção?

    Gilberto Gil – Não

    $érgio Moro – O senhor chegou a conhecer o senhor João Santana?

    Gilberto Gil – Sim

    $érgio Moro – O senhor teve contato com ele durante o período que o senhor ocupou esse cargo como ministro da Cultura?

    Gilberto Gil – Sim

    $érgio Moro – O senhor teve conhecimento de envolvimento dele em algum esquema de corrupção ou de lavagem de dinheiro, na época que o senhor ocupava esse cargo de ministro?

    Gilberto Gil – Não. Não tive conhecimento de nada desse tipo

    $érgio Moro – O senhor teve conhecimento que tanto o senhor Antonio Palocci quanto o senhor João Santana são confessos em relação à prática de corrupção e lavagem de dinheiro?

    Gilberto Gil – Tenho ouvido notícias a respeito dessa possibilidade.

    $érgio Moro – Mas na época o senhor não tinha conhecimento?
    Gilberto Gil – Não.

    Pois bem. A generalização que perturbava Manuel Bandeira não perturba o $érgio Moro:

    “A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta. Ignoro onde o vi, e se uma parte do caso remoto não desaguasse noutro posterior, julgá-lo-ia sonho. Talvez nem me recorde bem do vaso: é possível que a imagem, brilhante e esguia, permaneça por eu ter comunicado a pessoas que a confirmaram. Assim, não conservo a lembrança de uma alfaia esquisita, mas a reprodução dela, corroborada por indivíduos que lhe fixaram o conteúdo e a forma. De qualquer modo, a aparição deve ter sido real. Inculcaram-me nesse tempo a noção de pitombas ­– e as pitombas me serviram para designar todos os objetos esféricos. Depois me explicaram que a generalização era um erro, e isto me perturbou”.

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