À procura do crescimento perdido

Projetos componentes de um Programa Territorial

À procura do crescimento perdido: a proposta dos programas territoriais

 

Caro Nassif, pretendo esclarecer alguns aspectos que não puderam ser detalhados no último post sobre o crescimento, por falta de espaço. Recuperando o conteúdo dessa contribuição, tentei nela, através de uma representação do crescimento econômico sob forma de um processo circular-espiralar multifásico, apontar os diversos espaços de ação propulsoras desse crescimento que não estão sendo considerados na política econômica central, e sim quando muito, de forma desagregada, pelas políticas setoriais, com substancial perda de sinergia.

Gostei muito das respostas e reações dos frequentadores do seu blog, especialmente daquelas que continham alguma crítica a minha representação e diretrizes. A crítica principal referia-se ao aspecto amplo demais do meu esquema, portanto pouco prático para as decisões urgentes, por exemplo, do Ministério da Fazenda. Concordo em parte com essa crítica, pois meu modelo visa antes de mais nada fornecer diretrizes não para o Ministério da Fazenda, e sim para o desenho de programas territoriais. Entretanto, algumas conclusões podem ser tiradas para essa política mais geral, a partir dessa representação.

Aí  é que está:  a função desses programas territoriais seria justamente implantar “máquinas de crescimento” no espaço, utilizando ao máximo os potenciais que se encontram espalhados pelo nosso vasto território nacional. E uma das críticas que faço aos instrumentos convencionais da política econômica é justamente sua relativa cegueira espacial, social e até mesmo setorial. O crescimento desenhado a partir dos programas territoriais aproximaria as políticas da escala territorial mais apropriada para as respectivas decisões, tanto do ponto de vista do objeto de incentivo, quanto do ponto dos atores a serem efetivamente mobilizados. 

Portanto, se reclamam da falta de concretude da minha proposta para atender as necessidades urgentes da política, respondo que ela se encontra precisamente no conceito do programa territorial, sobre o qual gostaria de tecer algumas explicações mais detalhadas nesse post. 

Programas Territoriais: o que são?

O programa territorial por nós proposto se comporia de um conjunto integrado de projetos de iniciativas pública e privada em um determinado território que envolveriam investimentos em plantas produtivas e em infra-estruturas e ações complementares integrativas. Como ilustrado na figura abaixo, esses projetos componentes podem ser classificados da seguinte maneira:

1- Projetos produtivos motores – esses são diretamente responsáveis pela agregação de valor econômico, portanto suportando a sustentabilidade fiscal em função dos diversos impactos econômicos que geram não apenas diretamente, mas também ao longo de toda a cadeia produtiva em que se inserem.

2- Projetos produtivos complementares:  são uma série de projetos de produção de bens ou serviços relacionados com os primeiros, portanto pertencentes à respectiva cadeia protudiva, seja no seu lado montante, seja no lado justante, e que são inseridos já diretamente no programa, de forma a reforçar a agregação de valor do território do mesmo. 

3- Projetos integrativos: esses não pertencem diretamente às cadeias produtivas dos mesmos, mas catalisam sua agregação de valor e o processo de crescimento geral. Abrangem o incentivo ao empreendedorismo,  a educação e capacitação, a saúde, a habitação, a vida cultural e desportiva e lazer, a segurança, a promoção social e a gestão ambiental. Embora sejam eles objeto clássico de políticas públicas, sua provisão pela iniciativa privada deve ser incentivada na medida do possível.

4- Projetos de infra-estrutura; esses abrangem não apenas o transporte e a logística, mas também  demais infra-estruturas técnicas. Eles são tratados aqui de forma separada dos projetos integrativos pois a) representam grandes investimentos concentrados que impactam a sustentabilidade fiscal; b) possuem forte efeito na estruturação espacial do território do programa.

5- A esses projetos se junta o projeto paisagístico do programa, que abrange todos os projetos aqui listados, determinando o arranjo espacial de todos eles de forma a explorar economias espaciais, mas também cumprir requisitos ambientais, sociais e outros objetivos estratégicos políticos e espaciais.

Como seria construído o Programa Territorial? 

A construção e implantação de programas territoriais serão guiadas por um método que estamos desenvolvendo sob a denominação de Engenharia Territorial. Em uma descrição preliminar, seguintes passos são previstos: 

 1. reconhecimento de atores da sociedade e construção de aliança entre os mesmos, estimulados pelo Estado;

2. definição de conjunto de empreendimentos (públicos e privados) e de sua territorialidade;

3. definição dos objetivos e requisitos do programa, em parte prescritos pelos planos estratégicos e setoriais governamentais pré-existentes e pela legislação, em parte também pelos projetos pautados pelo governo, empresários e pela sociedade mais geral;

4. construção de ferramentas para a análise e concepção do programa (modelos de simulação e avaliação);

5. concepção, detalhamento e teste do programa e de seu desenho espacial (projeto paisagístico);

6. determinação final do programa e sua implantação, mediante a adoção de métodos de gestão de programas, Engenharia Financeira, gestão política e jurídica. 

 

Comando gerencial por uma Entidade Promotora

O processo seria coordenado e estimulado por uma entidade promotora, que pode assumir diferentes estatutos jurídicos. Cabe à entidade promotora:

1. reconhecer e organizar os atores públicos e privados, fazendo confluir ao programa as respectivas propostas de atuação no território; 

2. realizar os levantamentos de dados necessários à elaboração e implantação do programa, mas também dos projetos e programas já em pauta,

3. conceber, de forma participativa com os atores, o programa, após estabelecer sistematicamente mas de forma igualmente coletiva os respectivos princípios e requisitos;

4. providenciar as ferramentas técnicas necessárias para o desenho e a análise do programa;

5. providenciar estudos necessários e/ou previstos na legislação e o licenciamento das ações constituintes do programa;

6. gerenciar a implantação do programa;

7. proceder  a avaliação do programa no que tange o atendimento dos requisitos estabelecidos, especialmente com relação à sustentabilidade fiscal;

8. articular os protagonistas dos projetos com as fontes de financiamento, tanto do mercado financeiro quanto do erário público;

9. assistir os atores no estabelecimento de relações jurídicas entre si e no cumprimento das condições legais para a efetivação das ações constituintes do programa;

10. gerenciar a produção, o armazenamento, o tratamento e a disponibilização das informações indispensáveis para a concepção e realização do programa.

A entidade promotora deve usufruir de ampla autonomia operacional e dispor de um quadro mínimo de grande capacidade técnica e de negociação política, subcontratando os estudos e trabalhos técnicos mais especializados. Ela terá um papel central na agilização e na garantia de efetividade de todos os procedimentos, na articulação dos atores envolvidos e na mobilização da sociedade em prol do programa.


A lógica fiscal-financeira do programa territorial

 

Um programa territorial concebido e implantado segundo o conceito proposto caracteriza-se pela seguinte lógica financeira: 

• os diversos canais possíveis públicos e privados de financiamento são considerados e integrados;

• os investimentos bancáveis pela iniciativa privada são financiados pelos caminhos convencionais do financiamento de projeto ou corporativo, podendo contar com eventual apoio ou participação do Poder Público;

• são rigorosa e exaustivamente contabilizados tanto os investimentos públicos quanto os apoios de diversos tipos conferidos ao setor privado (subvenções, participação, garantia, empréstimos, entre outros), e também os gastos públicos ordinários envolvidos na concepção e implantação do programa territorial;

• mediante o emprego da análise de insumo-produto, o programa é submetido a uma análise de impacto econômico e fiscal, com vistas a assegurar sua sustentabilidade fiscal para os diversos níveis envolvidos da Administração Pública;

• não assegurada ainda a sustentabilidade fiscal, o programa é adicionado de outros projetos públicos ou privados que incrementam o crescimento econômico e volta a ser analisado com relação à viabilidade financeira dos novos projetos e à sustentabilidade fiscal dos encargos totais para as finanças públicas resultantes desse programa adicionado;

• lançando mão à estrutura analítica sobre o crescimento econômico que descrevemos no post anterior, tal complementação é prosseguida até à obtenção final da sustentabilidade fiscal  do programa.

No que tange as receitas fiscais, há de se realçar que o programa territorial evita a criação de novos tributos, envidando esforços para que as fontes já existentes jorrem mais abundantemente.

 

O que a abordagem de Programas Territoriais pode ajudar na política de crescimento?

A objetivo principal subjacente à ideia do Programa Territorial é a) promover de forma mais consistente o crescimento econômico; b) propiciar ganhos de eficiência no investimento privado e público; c) garantir a sustentabilidade fiscal  dos diversos empenhos públicos envolvidos; mas ao mesmo tempo d) alcançar metas de políticas públicas mais gerais (sociais, ambientais, estratégicos, etc.).

Os programas visam mobilizar a economia do território de sua aplicação a partir de um conjunto articulado de projetos que seriam gerados segundo a lógica da representação do crescimento como processo circular-espiralar multifásico da acumulação de capital. Como argumentamos no post antecendente, a mobilização dos atores e sua capacitação para conceber e implantar projetos é estabelecida como ponta-pé inicial da roda de acumulação.

Consequentemente, os programas devem mobilizar a sociedade no seu território, produzindo não apenas ganhos econômicos, mas fortalecendo também a construção da sociedade civil e sua democratização. Eles focam, pois, prioritariamente o desenvolvimento do potencial humano no território como principal mola propulsora para crescimento econômico. 

Nesse âmbito, o apoio central ao empreendedorismo de base é um requisito que assegurará tal desenvolvimento, além de promover a igualdade de oportunidades. Outra característica que promoverá o desenvolvimento mais conseqüente do capital humano é a construção democraticamente dialogada e amplamente participativa dos programas.

Outros requisitos da estratégia de crescimento, que derivam da aplicação da nossa representação circular-espiralar, é que os projetos busquem a) a inserção competitiva no mercado nacional e internacional de bens e capital, b) a atração de capital, c) a aquisição dos insumos estratégicos, d) a competição na exportação, e) o equilíbrio no balanço de pagamentos e f) a blindagem contra crises internacionais.

 

Papel do Estado e a preocupação com a sustentabiliade fiscal

No que tange a participação do Estado, um princípio essencial é que ele incentive essa mobilização, complemente as iniciativas da sociedade mas de forma a garantir a sustentabilidade fiscal interna dos programas. Tal sustentabilidade fiscal seria obtida assegurando a solvência fiscal, a liquidez assim como a robustez a diversos eventos de vulnerabilidade. Para isso, os diversos tipos de desembolsos financeiros assim como as receitas fiscais e extra-fiscais do Estado haverão de ser rigorosamente contabilizados. 

A articulação consequente de diversos projetos assim como a alocação preferencial de sua provisão ao setor não-estatal – desde que o atendimento dos requisitos centrais do programa seja assegurado – são princípios estratégicos indispensáveis para assegurar a sustentabilidade. 

Vale ressaltar que os investimentos públicos em infra-estrutura e ações governamentais dificilmente provocam por si só os impactos econômicos que irão auferir as receitas que garantam as condições de solvência, liquidez e robustez. Assim, é fundamental que,  além da redução dos desembolsos públicos ao mínimo necessário, que se incorporem na contabilidade fiscal seus efeitos catalíticos públicos no conjunto da economia. A realização efetiva desses efeitos deve ser assegurada preferencialmente mediante contratos de investimento mútuo, indo além da simples regulação tributária específica como no exemplo das operações consorciadas urbanas previstas pelo Estatuto da Cidade.

 Essa vinculação mais estreita e abrangente entre projetos públicos e privados produziria ademais ganhos de eficiência para ambos os lados, assegurando que os investimentos públicos tenham maior efetividade econômica e que os investimentos privados usufruam de maior produtividade e estabilidade de mercado. 

 

Limites do tecnocracismo e a adequação da escala espacial nas políticas públicas 

Entretanto, mais do que um produto tecnocrático, o programa constituiria um processo de construção do espaço e da sua sociedade, onde a concepção e implantação de um programa territorial passaria por uma negociação política complexa em nível nacional, regional e local por envolver um jogo de poder entre os vários setores de interesse representados pelos seus atores. 

Assim sendo, a adoção sistemática de programas territoriais como instrumento de política pública deve propiciar uma maior efetividade às respectivas ações, que passam a ser desenhadas em função de condições e potenciais concretos do território do programa, adequando a escala espacial do planejamento público. Em especial, o espaço enquanto território de potencial econômico é reconhecido e integrado na política pública como fator autônomo de crescimento, incentivando e exigindo definitivamente a implantação do planejamento territorial em nível nacional, estadual e municipal.

 

Algumas palavras finais

As considerações sobre o crescimento econômico e os programas territoriais oferecidas aqui resultam dos esforços de um grupo de pesquisa no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília, integrado, além de mim, pela Prof. Dr. Yaeko Yamashita e pela MSc. Juliana Gularte.

Pretendemos nas próximas contribuições tornar nossas propostas mais claras através da exposição de exemplos concretos de programas territoriais.

Redação

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