Juristas explicam as correntes e as pirâmides financeiras

Por Ricardo

Comentário ao post “TelexFree: o golpe do século

Abaixo, dois links de dois juristas com explicações mais técnicas sobre as correntes e pirâmides financeiras, para quem estiver curioso.

Tem gente defendendo a empresa dizendo que até o momento ninguém foi lesado. O trecho destacado abaixo indica que “alguém ser lesado” é mero exaurimento, caso estejamos diante de um crime. Traduzindo do juridiquês, basta começar a conduta armando o esquema da pirâmide insustentável, e que não seja marketing multinível. O resto é conseqüência.

E eu não sou daqueles fissurados em reforma legislativa. Lei boa tem que durar o suficiente para receber interpretação uniforme dos tribunais e boas discussões doutrinárias, feito o BGB alemão, de 1900 e influente até hoje.

Mas a legislação brasileira que cuida de pirâmides financeiras é tão velha e mal redigida, que a redação da Lei lembra aqueles anúncios de tônico da década de 30. A Lei de crimes contra a economia popular é de 1951. Vejam nos links.

““Cadeias” ou “correntes da felicidade” ou ainda “pirâmide” são modalidades de uma organização engenhosa, beneficiando apenas os primeiros organizadores, pois num determinado momento ela se rompe, trazendo prejuízos aos participantes. “

http://www.leliobragacalhau.com.br/comentarios-sobre-os-crimes-contra-a-economia-popular-lei-n-o-152151/#more-1831

E em outro blog, o pichardismo, que é parecido, e está misturado no mesmo tipo penal dessa lei confusa:

http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2011/08/05/o-que-se-entende-por-pichardismo/

Aliás, o Brasil deve ser um dos países com a legislação mais extensa do mundo. Quase todos os atos da vida possíveis tem uma previsão legal, cheia de detalhes. 

Mas o primeiro problema é que o legislador-tiririca (e nesse esclarecimento o grande artista Tiririca contribuiu muito, definitivamente, desde a sua ótima campanha) não tem a mínima técnica, redige mal, e bagunça conceitos. Em Direito Penal isso significa paralisar qualquer ânimo de atuação das instituições, porque na dúvida, absolve-se.

O segundo problema é a falta do que os gringos chamam de “enforcement”, aqueles mecanismos para fazer cumprir a lei (aqui a gente não tem nenhum bom nome, até porque não praticamos. Algum técnico mais moderno vai chamar de efetividade/efetivação).

Um bom “enforcement” tem que ser equivalente a um tiro de canhão, se o bem defendido for toda a coletividade de consumidores no Brasil. Tome-se como exemplo a multa de mais de 1 BILHÃO aplicada à Microsoft, por algo aparentemente supérfluo como não oferecer opção de navegadores:

(http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/03/ue-multa-microsoft-em-us-731-milhoes-por-quebra-de-acordo.html).

Mas no Brasil o nosso sistema institucional de “enforcement” para o Direito do Consumidor é uma biribinha com pólvora molhada, pois mesmo quando você consegue ativar, falha.

São as famosas agências reguladoras como a ANATEL, ou instituições como os Procons, o Ministério Público e a polícia.

Na polícia quase ninguém vai, porque até um mero BO é difícil de convencê-los a lavrar em algumas ocasiões.

No MP, aparentemente só casos grandes, pois pouca gente tem essa noção de que eles podem ser procurados.

Quem vai no Procon, que deveria ser o grande órgão de “enforcement”, já tem que se rechear de documentos, e esperar para perder um dia de trabalho comparecendo a uma audiência onde vai haver…. solução? Talvez. Muito provavelmente, uma proposta de acordo. Senão, a empresa vai para o temível… cadastro (de reclamações fundamentadas).

Cadastro de reclamações fundamentadas, que é o lugar que registra uma empresa depois que ela praticou a irregularidade comprovadamente, irritou o consumidor furiosamente, a ponto de ele ter disposição de perder um dia de trabalho indo a uma audiência e talvez outro dia protocolando a reclamação, e mesmo assim não resolveu. Sem contar o tempo ao telefone e nas agências para conseguir juntar provas. Se eu minha mãe fosse benevolente assim nas apurações das minhas traquinagens, eu teria sido um moleque muito levado.

O resultado é uma base em que o campeão de reclamações tem algo em torno de 5.000 ou 10.000 reclamações fundamentadas. Em um país com 100 milhões de consumidores, ou ao menos 20 milhões em São Paulo. É quase nada. E é tão evidente que o problema são as travas colocadas pelo órgão para a efetivação de reclamações, que surgiram concorrentes de sucesso na iniciativa privada, como o site Reclame Aqui e outros semelhantes.

Se pensarmos que o judiciário tem alguns milhões de ações abertas, mesmo sendo extremamente lento e desacreditado, fica claro que algo está errado com esse cadastro com poucos milhares de reclamações.

Por que preciso comparecer ao local, se isso é economicamente desfavorável ao consumidor? Por que o consumidor tem que comprovar os fatos, se os bancos conseguiram até criar uma lei que proibe uso de celular (que filma e faz fotos), e as operadoras de celular substituiram o papel pelo call center nas relações comerciais, eliminando os documentos favoráveis ao consumidor?

Isto a ponto de a OI ser condenada a criar atendimento presencial:

http://telesintese.com.br/index.php/plantao/22222-justica-manda-oi-criar…

Para não ser injusto, eles aplicam multas. Mas apesar do impacto midiático da notícia de um multa grande, não sabemos quanto é executado.

Dia desses soubemos que a ANATEL não consegue executar quase nada, 6%. Menos do que a taxa SELIC, desempenho ridículo:

http://info.abril.com.br/noticias/mercado/anatel-recebe-menos-de-6-do-va…

Em Maringá, o Procon consegue executar metade do que aplica, o que já é mais digno, mas ainda é pífio:

http://maringa.odiario.com/maringa/noticia/334120/lider-do-prefeito-cobr…

E ainda por cima tem gente querendo firmar TAC, que é dar uma nova chance para as empresas realizarem aquilo que hoje já não é cobrado pelos órgãos de fiscalização:

http://www.correiodoestado.com.br/noticias/anatel-propoe-substituir-mult…

Em ambiente de oligopólio, como o das 4 operadoras de telefonia celular, e das 2 operadoras de internet a cabo em SP, ninguém vai se mexer antes de um TAC.

Em resumo, nosso sistema de “enforcement” para o Direito do Consumidor é retrato do brasileiro cordial, do Sergio Buarque de Holanda. Um coração de mãe. Um eterno amor com os rebentos.

Li aqui que a Dilma pretende reformá-lo. Tomara que comece a reforma pensando em ampliar a base de dados disponíveis, incentivando os consumidores a reclamarem, com menos burocracia. E também, pensando na velocidade da resposta, pois nem salário demora um mês pra sair. Mas na resposta dos órgãos de proteção à legislação do consumidor, um mês é pouco.

Digo isso porque estou há 36 dias sem um serviço essencial da atualidade, que é a internet banda larga, por uma falha da Vivo, que deixou de me enviar faturas de 2012, causando o cancelamento da linha. Isso, depois de brigar por quase 6 meses para que a fatura fosse enviada. Mesmo depois de um total de pelo menos umas 5 horas ao telefone (desde que comecei a contabilizar), repetindo meu CPF e dados da linha para uma infinidade de atendentes entediados. E depois de um mês reabrindo chamados na ANATEL, onde registravam a reclamação como resolvida, mesmo eu continuando sem o serviço.

Mesmo sabendo dos dados acima, e de muito mais, qual o meu ânimo de procurar os órgãos de proteção ao consumidor? Nenhum. Infelizmente não tenho como perder tempo. Não é não querer. É não poder. E mesmo que pudesse, não estaria satisfeito sendo mais um número em um pequeno cadastro.

Luis Nassif

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