O anúncio da Constituinte Exclusiva para a reforma política: é constitucional?

A mídia noticiou que a Presidência da República havia cogitado  a  possibilidade de viabilizar a reforma política, tão desejada por todos, pela via de uma Constituinte Exclusiva. Ou seja, após a autorização plebiscitária, a Constituinte seria eleita, se instalaria e promoveria, como única tarefa, a reforma política. O argumento, ao que parece, seria o de que os Deputados Federais e os Senadores não teriam interesse em promover tal reforma. Esses constituintes não teriam tarefas regulares e se dedicariam apenas à reforma política. Terminada essa, a Assembleia seria dissolvida.

Primeiramente, tal procedimento feriria a Constituição. Quando promulgada, em 1988, seu texto deixou claro quais eram  as hipóteses de sua alteração. A Constituição não se pretendia imutável. E, por isso, trouxe regras para a sua mudança. Foram regras de dos tipos: regras excepcionais e regras permanentes. As excepcionais foram alocadas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ou seja, eram transitórias, excepcionais e seriam aplicadas uma só vez); as permanentes, no corpo do texto, em seu artigo 60, como rotina, como regularidade. Foram duas formas excepcionais trazidas: o plebiscito e a revisão. O plebiscito, previsto no artigo segundo, da ADCT, iria discutir se queríamos uma República ou uma Monarquia; se queríamos um Parlamentarismo ou um Presidencialismo. A revisão do artigo terceiro permitiria a mudança do texto de uma forma mais facilitada, com quórum mais baixo, desde que passados cinco anos de sua promulgação.

Ambas as hipóteses excepcionais já aconteceram. Tivemos o plebiscito, com a rejeição de qualquer mudança (permanecendo, portanto, a República e o Presidencialismo) e tivemos a revisão, também convocada pelo Congresso Nacional, com a promulgação de algumas mudanças pontuais.  Estamos falando de História do Direito Constitucional, portanto. Já passou e, por excepcionais, tais formas não podem voltar. Terminada a excepcionalidade, nada mais nos resta do que seguir a regra constitucional, ou seja, se quisermos fazer uma mudança na Constituição, deve ser feita por emenda constitucional, nos termos do artigo 60 da Constituição. Desta forma, atualmente, depois da revisão e depois do plebiscito, não há outra forma de mudar a Constituição.

Mas o que estaria movendo a Presidência da República para sugerir esta forma não prevista no sistema? A falta de interesse dos parlamentares em uma reforma política? Um eventual corporativismo poderia ser obstáculo  à vontade popular? Se os argumentos são deste jaez, é porque o Congresso Nacional, formado pelos representantes do povo, não deseja tal mudança. E não podemos fazer nada, além de tentar alterar a composição do Congresso Nacional nas próximas eleições, tentar fazer manifestações, deixando claro o interesse da população brasileira, pressionando os parlamentares.

A ideia da Constituinte exclusiva esbarra no texto da Constituição. Se queremos mudança, o caminho democrático e constitucional é o da emenda à Constituição, com um processo mais solene e mais difícil do que o da lei ordinária, previsto no artigo 60 da Constituição Federal. A solução da Constituinte Exclusiva parece ser mais prática, mais rápida e mais fácil. Podemos, sempre que entendermos correto, buscar essas soluções fáceis? A resposta só pode ser negativa. Temos que demonstrar que o povo brasileiro quer mudanças e quer reforma política. Mas sem alterar esse Poder encarregado da mudança. Do contrário, sempre que encontrarmos um obstáculo, poderemos pensar em substituir a vontade  do povo (que, bem ou mal, escolheu nossos representantes) por uma Constituinte Exclusiva para tal ou qual ponto. Isso fere a Constituição. Se a reforma política não sai, o caminho não é a Constituinte, que desobedece à Constituição. Esperemos que a base governista, que é maioria, e a oposição se conscientizem da necessidade de tal mudança. Mas pela Emenda, não pela Constituinte.

* O autor é Professor Titular Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre, Doutor e Livre Docente em Direito Constitucional.

Redação

5 Comentários

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  1. Plebiscito

    Houve um esforço em vão da CUT, da CNBB dentre outras instituições na década de 80 do século passado para que a Constituinte fosse exclusiva. Um dos argumentos era justamente o fato do controle politico do Estado ficar refém de políticos carreiristas. Colhemos assinaturas, fizemos abaixo-assinado, mas como sempre no Brasil prevalece a vontade dos que estão no poder. Houve avanços indiscutiveis. Entretanto colocaram muitos obstáculos para mudanças.

  2. Constituinte Livre e Soberana

    As salvaguardas colocadas na Constituição de 88 privilegiava a classe política que, em parte, ainda está ai.

    Lembrem-se que, feita junto com a eleição, perdeu-se a idéia de que, além de votar em um deputado, estava-se votando, igualmente, num constituinte. A grande maioria da população não sabia disso. Por interesse dos políticos.

    Assim, como foi espúria a eleição dos constituintes, creio que um bom advogado encontrará um vício de origem, permitindo que uma Constituinte Livre e Soberana possa ser criada.

    E que os constituintes, dessa vez, não possam ter ocupado cargos eletivos nos 8 anos anteriores e estejam proibidos de se candidatarem a cargos eletivos nos 8 anos seguintes. Incluidos parentes até 5° grau.

  3. O ilustre professor não

    O ilustre professor não parece perceber que estamos diante de um raciocínio Tostines… A reforma política é necessário para sair do impasse, do contrário, qualquer renovação que venha do congresso já nasce viciada em sua origem.

  4. A solução é muito simples, é

    A solução é muito simples, é só fazer uma emenda alterando o art.60.

    Não creio que o art. 60 seja cláusula pétrea.

     

     

     

  5. A solução é muito simples, é

    A solução é muito simples, é só fazer uma emenda alterando o art.60.

    Não creio que o art. 60 seja cláusula pétrea.

     

     

     

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