Da série Biografias Requentadas: Presidentes do Brasil (1889-1909)

DEODORO DA FONSECA

            Marechal (1827-1892). Olhos em bugalhos. Por cima, grossas sobrancelhas. Mais em cima, cabelos ralos, grisalhos e um tanto encaracolados. Embaixo, nariz pontudo, bigodes fazendo voltinhas à moda de Salvador Dali, barba densa e escandalosamente eriçada. Devia passar anos sem beijar a mulher. Orelhas de abano. Condecoração era o que não faltava. Foi chefe do Governo Provisório que proclamou a República e presidente eleito pelo Congresso Constituinte, entre 1889 e 1891.

            Lá fora o povo aplaudia, não sei por quê. 2

FLORIANO PEIXOTO

            Marechal (1839-1895). Medalhas, só as de altíssima relevância. Expressão dúbia, embora séria, na qual se poderia captar cinismo ou ironia, sendo que pessoalmente voto na primeira hipótese. Topetinho à moda de Elvis Presley, porém um pouco mais baixo, bem penteado, exibindo curvinhas na ampla testa – e o mais exigido pelo bom gosto. Olheiras profundas. Nariz fino e bastante bonito, como ele todo, naturalmente para os padrões da época. Certamente vaidoso, 1 cultivava um bigode espesso (então na moda), muito bem aparado. No canto da boca, vistosa verruga. Eleito vice-presidente, dispensou o vice, por incompatível com sua dignidade, governando o país em primeiro plano de 1891 a 1894.

            Lá fora o povo aplaudia, não sei por quê. 2

PRUDENTE DE MORAIS

            Advogado (1841-1902). Primeiro presidente civil, tinha cara de quem comeu e não gostou. Belos cabelos, muito bem aparados e penteados, certamente pelo mesmo cabeleireiro que atendia o marechal Floriano. Bastas sobrancelhas, combinando com olhos profundos e olheiras empoçadas, se é que me faço entender. Barbas quase totalmente brancas e um tanto quadradas nas pontas. Usava colarinho duro, muito parecido com os dos clérigos. Deve ter cultivado, na infância, gosto por missas, terços e ladainhas, havendo decerto brincado de padre confessor com as priminhas mais bonitas e serelepes. Lábios indefinidos, para não dizer inexistentes. Foi presidente no período entre 1894 e 1898.

            Lá fora o povo aplaudia, não sei por quê. 2

 

CAMPOS SALES

            Advogado (1841-1913). Primeiro presidente mais ou menos gordinho. Olhar severo de quem está por cima e gosta de mandar. Olhos um tanto sombreados, como se usasse dessas sombras femininas de aprofundar olhares e torná-los, digamos, soturnos. Tem gente que gosta. Bigodes espessos, devia ter a maior dificuldade em comer costeletas. Sopa, então, só se fosse de canudinho. Em compensação, as barbas arredondadas deviam ser ótimas para conter os pingos dos suculentos caldos que certamente ingeria, antes que lhe sujassem a camisa imaculadamente branca. Terno preto, de excelente tecido importado. Governou entre os anos de 1898 e 1902. 2

            Lá fora o povo aplaudia, não sei por quê.

 

RODRIGUES ALVES

            Advogado (1848-1919). Tinha poucos cabelos e cara de poucos amigos. Parece ter sido o lançador das gravatas borboletas listradinhas. Também lançou a moda de se retratar de óculos, fato incomum na época entre os figurões. Por falar nisso, usava óculos redondinhos (à maneira de John Lennon), embora com variantes: a ponte pênsil entre as lentes era alta e elegante, existindo ainda um maternal fio do lado direito do rosto, prendendo os óculos à casaca, como se estivessem sempre a ponto de despencar do nariz e a cuidadosa mãe etc. Barbas, cabelo e bigodes tipo cidadão normal, orelhas de abano etc. Entre suas façanhas, foi o primeiro chefe de estado brasileiro a inaugurar um novo século o que, convenhamos, é bastante raro. Foi presidente entre 1902 e 1906.

            Lá fora o povo aplaudia, não sei por quê. 2

 

AFONSO PENA

            Advogado (1847-1909). Velho porreta e enfezadinho, continuou a moda de se retratar de óculos. Aliás, bem parecidos com os de seu ilustre antecessor. Cabecinha branca e raros cabelos, parecia um Papai Noel desnutrido. Retomou a sóbria moda das gravatas borboletas pretas, que lhe pareciam mais solenes e condizentes com o elevado cargo. Foi o primeiro presidente a morrer no Palácio do Catete, lançando mais uma moda presidencial. Foi infeliz, contudo, como se sabe: a moda custou a pegar. Governou entre 1906 e 1909, quando voltou aos braços do Criador, sendo recebido, suponho, com as honras devidas aos chefes de estado.

            Lá fora o povo aplaudia, não sei por quê. 2

 

**********

 

            1. Rente adiante e cortado pela linha das orelhas usavam os homens o corredio, sedoso e negro cabelo, que atrás lhes caía em ângulos retos sobre os ombros, cortado também a fio direito. Os cocares eram de aprumadas penas do mais brilhante colorido que, reviradas na parte posterior, caíam semelhando um colar. O achatamento artificial do nariz, bem como o cuidado com que arrancavam as sobrancelhas e pestanas (bem como as barbas e quanto pelo tinham no corpo) hediondamente os desfigurava; vindo ainda o modo selvagem porque supondo aformoseá-los, tornavam disformes as faces, agravar essa procurada fealdade. Pendentes das orelhas penduravam ossos brancos; furadas as faces, nela engastavam outros ossos; e abrindo uma fenda longitudinal debaixo do lábio inferior, faziam-se segunda boca, pela qual, quando punham de parte o apêndice pétreo, ósseo ou lígneo, soíam passar de tempos a tempos a língua.

            (SOUTHEY, Robert. Historia do Brasil. Tradução de Luiz Joaquim de Oliveira e Castro. Salvador: Livraria Progresso Editora, 5 vols., 1948/1954)

 

            2. E, mãdando logo trazer o Pendaõ Real da Camara sairaõ do Collegio em Procissaõ, e unidos foraõ à Sê Matriz, donde feito hum Altar no Cruzeiro della sobre hum Missal, fez o Governador, e a seu exemplo todos os mais solene juramento preito e menagem de ter, manter, reconhecer, e obedecer ao Senhor Rey Dom Ioão o IV. Duque que avia sido de Bragança, por verdadeiro Rey, e Senhor de Portugal, repetindo muitas vezes o viva que o Povo pluralizava com notavel aplauso sem saber porque, como nem a quem se victoriava tanto.

            (RODRIGUES, Jorge. Relaçam da Aclamação ao Senhor Rey Dom Ioão o IV…, reimpressão fac-similar. Rio de Janeiro: Tipografia da Atlântica, 1641/1940.

Sebastiao Nunes

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. interessante

    o floriano é um dos mais “mal-amados” presidentes da república, seja pela direita, seja pelo  seu braço midiático

    por que  será?

    talvez porque, nacionalista, tratou com respeito merecido, a elite canalha e apátrida que tentou a secessão de sul a norte: fuzilou-os, depois de defenestrar da cadeira de chefe supremo da república o monarquista e oportunista que o antecedeu.

    ou era floriano, ou o esfacelamento do estado patrocinado pelos imperios do outro hemisfério.

    hoje, um discutível revisionismo histórico, tenta resgatar tais malandros cujo interesse, de fato único, era (é!) faturar as migalhas do sempre lucrativo negócio da expropriação das riquezas da nação.

    floriano, lula e getúlio foram os três grandes presidentes brasileiros, enquanto dutra, campos sales e fernando henrique disputam o, a eles merecido, título de campeão da mediocridade.

    1. Cara vc fez uma síntese

      Cara vc fez uma síntese magnífica os três melhores. Floriano o único que não compactuou com as elites, não permitiu a restaurção da monarquia e fuzilou alguns ex-nobres, o Barão de Serro Azul que o diga, acredito que jamais sonhou que morreria na frente de um pelotão de fuzilamento. Vargas criou o moderno estado brasileiro. Lula o homem que retirou milhões de brasileiro da miséria e projetou o BRASIL como POTÊNCIA ALTIVA E INDEPENDENTE.

    2. Bobagem

      Floriano foi um ditador, que ocupou ilegalmente a presidência pois a constituição determinava a realização de novas eleições. Facínora, comandou brutal repressão política no País. Permitiu, entre outros horrores, a prática das bárbaras degolas no sul.

      Junto com o Deodoro, inaugurou o hábito dos golpes militares no Brasil. Eles, e outros da mesma estirpe, ensandecidos pela ideologia positivista e sua ridícula religião da humanidade, lançaram o Brasil na areia movediça do caudilhismo da qual ainda não saímos totalmente.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador