A democratização da mídia como um dos maiores desafios do nosso tempo: pensando o tema a partir da questão da água

Não vou escrever sobre água dessa vez. A reportagem – abaixo, apresentada no programa CQC, da Bandeirantes, na última segunda-feira – é clara o bastante. Na verdade, vou utilizar o tema para refletir um pouco a respeito da pobreza dos meios de comunicação em cobrir questões relevantes para a sociedade. O ponto é pensarmos o que seria se nós tivéssemos uma mídia plural (essa é a utopia do nosso tempo, e não uma “imprensa neutra”, já que essa é uma impossibilidade lógica), representativa das diferentes forças sociais, e não dos monopolísticos.

Quão mais bem informada estaria a população se dispusesse de meios de comunicação republicanos, voltados ao interesse público, à discussão dos problemas sociais, e não ao lucro e à proteção política dos seus (que ocupam o poder até mesmo via golpe, quando a parcialidade é insuficiente para elegê-los)?

Quão mais democrática seria nossa sociedade se ela pudesse contar com a possibilidade de exercer controle social sobre a TV, o rádio, os impressos, a internet, para reivindicar o contraditório e exercer o direito de resposta, como ocorre em qualquer país sério do mundo?

Nada disso entrará na agenda sem mobilização popular, que depende da consciência social a respeito dos delitos diários cometidos pelas redações por aí por sonegarem informações e cometerem toda sorte de falácias. Isso dificilmente virá da classe política, que possui tantos representantes que receberam concessões de uso de frequências, especialmente durante a ditadura.

A regulação dos meios de comunicação seria uma das grandes revoluções do nosso tempo, e talvez seja uma das grandes lutas da nossa geração. O difícil é destravar o nó da reivindicação que isso significa, consubstanciada basicamente na demanda por um outro regime informacional em um contexto em que a negação da informação em seus termos produz necessariamente um efeito antipedagógico e desmobilizador, já que é a própria informação – e a transparência – o combustível da democracia, como tanto se sabe.

E isso tudo diante do poder econômico mais poderoso do país, o midiático, que transforma qualquer desígnio de transformação de sua estrutura em uma denúncia tempestuosa o bastante de censura ao ponto de interditar todo o debate.

É um dos grandes desafios de nossa época, e teremos que pensar as melhores ideias e as melhores estratégias (políticas) para enfrentá-lo no seu nível, como se fez, de forma bem sucedida, com a questão da pobreza ao longo do último decênio.

E redijo tudo isso apenas em razão do fato de a reportagem do CQC ter sido provavelmente a primeira na TV aberta, desde o início da percepção sobre a crise da água (em Janeiro, sabendo-se que o problema existe há mais tempo, mas não havia sido enunciado até então), a ser crítica a respeito da gestão Alckmin.

De fato, a matéria está longe de ser uma crítica espetacular à falta de planejamento contido em um projeto de governo instalado há 20 anos, mas também não é nem um pouco ruim. Pelo contrário, é um clarão de sensibilidade diante de tantas matérias laudatórias que foram produzidas pelo mainstream até mesmo para discorrer sobre a tragédia que é a retirada do volume morto do Sistema Cantareira, que provavelmente significará o decreto de morte de toda a principal fonte de água da região metropolitana da cidade – uma novidade sem precedentes na história brasileira.

Ao menos, a matéria lança a esperança e dá o gostinho de se pensar quão inspiradora poderia ser a existência de uma mídia mais republicana no Brasil. Por isso este texto. E o mais curioso: foi feita por um programa que, na realidade, tem o foco na produção de humor, ainda que com tons políticos. Diz muito, mais uma vez, sobre a seriedade da grande imprensa brasileira.

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=jhS-XClFla4&feature=gp-n-y

 

Redação

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