Viajar de ônibus: serviço irregular e caro, veículos inadequados e viagem desconfortável e insegura

Viajar de ônibus: serviço irregular e caro, veículos inadequados e viagem desconfortável e insegura.
Joaquim José Guilherme de Aragão
Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental
da Universidade de Brasília
Doutor em Políticas de Transporte

A qualidade da direção no transporte coletivo urbano é um problema sério, aliando-se a diversos outros aspectos negativos que afetam a imagem do transporte coletivo e expulsa os usuários para outros modos, notadamente o individual, tão logo o cidadão se encontre em condições econômicas adequadas para adquirir um veículo.

Além de enfrentar a irregularidade dos serviços, a falta de informação, a má qualidade do veículo, impróprio para portadores de necessidades espaciais, e por cima de tudo um preço alto, o usuário, finalmente no interior do veículo, tem antes de tudo uma viagem desagradável e insegura. Ao barulho no interior, aos solavancos que tornam perigosa a circulação no veiculo, até mesmo a posição em pé, se soma a sensação de desconforto e insegurança, isso quando o passageiro não enfrenta grosseria e mau-humor do pessoal.

A que se deve esse estado de coisa? Evidentemente, o profissional motorista tem sua dose de responsabilidade, afinal ele é um cidadão, gosta de ser tratado como tal, e teria de respeitar o direito dos co-cidadãos usuários e de outros transeuntes, especialmente os pedestres. 

Mas também não é possível passar por cima de uma série de fatores que provocam stress no profissional, que ele transmite aos usuários e à sua forma de dirigir:

a) Via de regra, o comportamento do profissional reflete aquele que recebe do seu patrão. Pode-se observar que em empresas que maltratam o empregado, esses repassam o mau tratamento aos clientes. Assim sendo, a qualidade da direção é reflexo direto da qualidade da empresa e da sua liderança.

b) Como corolário, as más empresas, além de maltratá-lo, não investem na qualidade do seu profissional, na sua capacitação, mesmo em atividades de altos riscos comunitários e até para a própria empresa, na medida em que os danos provocados pelos funcionários são debitados na conta da empresa. Podemos, sim, verificar um muito escasso investimento das operadoras nos seus funcionários.

c) As condições de tráfego contribuem sabidamente para o stress de todos os circulantes, e o motorista de ônibus, dado o caráter rotineiro e constante de sua atuação no trânsito, sofre sobremaneira nessa “guerra”. O carro particular se comporta, freqüentemente, como um verdadeiro inimigo do ônibus, perturbando sua re-entrada na circulação na saída do ponto e a realização de manobras difíceis de conversão, entre outras “trocas de amabilidades”.

d) Em parte, a própria “engenharia de trânsito” é responsável pelo stress na condução de um ônibus: as curvas são fechadas demais, enquanto que as esquinas com previsão de entrada de ônibus deveriam ser dotadas de raios maiores; as alças de trevo são muito mal desenhadas (a inclinação na via não é suficiente para compensar a força centrífuga); e os pontos de parada notoriamente subdimensionados.

e) Aliás vale um comentário especial sobre as paradas de ônibus: ainda é comum, entre os administradores responsáveis, achar que a baia de ônibus é um benefício para o transporte coletivo. Na verdade, essa baia, que obriga o ônibus sair da circulação e lutar ferozmente para re-entrar, é um benefício antes de tudo para o transporte individual, que fica assim como a pista livre na altura da parada de ônibus. Como resultado, para evitar o desgaste na re-entrada na circulação, os motoristas dos ônibus ficam longe da calçada de embarque, para poderem prosseguir em uma “posição de força” menos desfavorável contra os automóveis.

Vale dizer que o stress provocado nos motoristas pelas baias é um dos fatores para a redução de sua atenção para com os pedestres em torno da parada, provocando o número grande de atropelamentos: ele está mais preocupado com sua re-entrada na circulação do que com a segurança dos transeuntes e passageiros! Afinal, há uma programação horária a ser cumprida à risca…. 

Hoje em dia, a construção de baias de paradas está sendo abandonada no mundo inteiro, por ter sido reconhecida a injustiça que elas provocam contra o transporte coletivo e seus passageiros e os pedestres: a baia, além de tirar o ônibus da circulação e obrigar a lutar por sua entrada, retira o espaço do pedestre, estreitando a calçada.

Essa calçada, já estreita, é um espaço disputado ferozmente entre os pedestres e os usuários que esperam a condução e os que estão embarcando.  Adicionam-se a essas partes em disputa as barracas do comércio informal…..

Na hora do pico, com os ônibus chegando sem parar e disputando mutuamente algum lugar para parar, já que as paradas são subdimensionadas, a confusão é geral: os passageiros correndo atrás dos ônibus, atropelando em desespero usuários das outras linhas e os pedestres em passagem, contornando barracas e invadindo inevitavelmente a via. Os motoristas, preocupados com a “sua“ guerra, têm  dificuldade de reparar neles…

Portanto, qual é a moda hoje: é, ao invés de estreitar a calçada nas paradas, ALARGAR as mesmas, para que os pedestres não sejam perturbados pelos usuários em espera pela condução; e para evitar que o ônibus saia da faixa de circulação, que é considerada como “sua” e não do carro particular. A conta, claro, vai para o automóvel, que tem de engolir uma lição de cidadania. Se o ônibus tem de parar na parada, porque o automóvel não terá também? Priorizar transporte coletivo é isso aí!

Infelizmente, falta muito aos nossos administradores do transporte coletivo e do trânsito, mas também aos donos da empresa de transporte coletivo, entender as necessidades concretas dos passageiros e dos motoristas. Afinal, aqueles costumam viajar de carro, e transporte coletivo ainda tem tratamento de coisa de pobre, portanto sem direito à cidadania….

Redação

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