INDEPENDÊNCIA E VIDA

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Luiz Antonio Simas – https://www.facebook.com/luizantonio.simas/posts/1098221206934046

Não há patriotismo de ocasião que me faça ver graça, engenho, epopéia e arte em uma independência que preservou a escravidão, o latifúndio e a monarquia. Não paga a minha cerveja. Costumo, no meu calendário particular, louvar o 23 de abril, dia de saravar Ogunhê em Jorge, santo do povo, e nascimento de Pixinguinha, como data maior da pátria. É que distante das margens plácidas, o São Pizindim se tornou, no fuzuê entre batuques africanos e sopros das europas e outras américas (devidamente temperados com a pimenta daqui), um dos inventores do país em que acredito.

Como escrevi dia desses, quem sacou este Brasil que estamos vendo hoje, o oficial, o do 7 de setembro, sem saber que estava sacando, foi Tancredi, o princípe de Falconeri, na frase mais famosa do Leopardo: é preciso que tudo mude para que as coisas permaneçam iguais.

Por aqui, afinal, um português proclamou a independência, um marechal monarquista proclamou a República, oligarquias fizeram uma revolução para derrubar as oligarquias, um ministro do Estado Novo virou o presidente da redemocratização no final do Estado Novo e Sarney foi o primeiro presidente civil, em nome da democracia, após o ciclo militar que ele mesmo apoiou. Não surpreende que o PMDB tenha deixado de ser governo, na trairagem, exatamente para continuar sendo governo. Como sempre.

Ao mesmo tempo, nas fendas da História Oficial, há o Brasil que mora no ponto de boiadeiro das umbandas encantadas: Boiadeiro laça o vento / Na linha do laçador/ Se não tem vento eu invento/ o vento que me laçou. Um Brasil que inventou vida no vazio, que pode ser o do desânimo mas pode ser também o da criação do sincopado.

Um Brasil de discursos não verbalizados, burladores das cultas gramáticas, manifestado em corpos que transitaram o tempo todo na desafiadora negação da morte, como corpos-cavalos das canjiras de santo e giras de lei.

Há quem tenha ouvido o grito do Ipiranga às margens plácidas.

Há quem escute o grito de aguerés, cabulas, muzenzas, barraventos, avamunhas, satós, ijexás, ibins e adarruns.

Há quem tenha anunciado o Império do Brasil e aclamado o Principe Dom Pedro.

Há quem tenha anunciado o mestre condutor de Arôni, o Katendê dos bantos, e o juremá quilombola nas praias de Alhandra.

A luta é nas ruas, nas rimas, nas escolas, nas artes, mas também nos corpos: precisamos de corpos libertos do projeto domesticador, normatizador e disciplinador que se inscreve no domínio colonial dos corpos adequados para o consumo e para a morte em vida. Precisamos de outras vozes, musicadas, atravessadas. E precisamos da sabedoria dos “cumbas” e de suas artimanhas de viver produzindo encantarias libertadoras no precário.

O resto é pouco e podem, como ontem aconteceu docemente, me chamar de maluco porque eu ouço vozes, discursos e histórias em cada tambor que toca para acordar o mundo. Navizala cavalga o vento, o agueré é o meu manifesto, o cabula é a minha escritura e o alujá é a minha reflexão teórica sobre a liberdade, às margens do rio imundo que corre perto de casa: Maracanã de merda.

Sem espadas ao alto, sem o “já raiou a liberdade”, ainda insisto em colocar na água suja da aldeia, todos os dias, meu barquinho imaginado em que escrevo apenas independência e vida!

l.a.s

Redação

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