A tentativa de Usurpação do Direito à Escola das Crianças com Deficiência no Brasil, por Lindbergh Farias

A tentativa de Usurpação do Direito à Escola das Crianças com Deficiência no Brasil

Por Lindbergh Farias*

As escolas privadas brasileiras perderam qualquer contato com a realidade e, em pleno século XXI, foram ao Supremo Tribunal Federal para defender tratamento desigual entre crianças na escola.  A Confenen (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino) está movendo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra artigo da recém sancionada Lei Brasileira da Inclusão (LBI) para defender suposta prerrogativa de excluir crianças com deficiência do ensino comum. Para a entidade, as escolas privadas não estão “preparadas” para incluir alunos com deficiência, os quais deveriam ser dirigidos a escolas ditas “especiais” ou escolas públicas (“isso é responsabilidade do Estado”).

A tese da Confenen é completamente descabida tanto do ponto de vista jurídico, quanto pedagógico. Na seara legal, a LBI apenas reforçou o direito das crianças e jovens com deficiência à educação inclusiva (em escola comum), que já havia sido incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro desde a ratificação, pelo Brasil, em 2008, da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. O Acordo, incorporado com status constitucional pelos Decretos 186/2008 e 6.949/2009, explicita em seu Artigo 24 que “os Estados Partes assegurarão às pessoas com deficiência sistema educacional inclusivo em todos os níveis”. Negar matrícula a aluno com deficiência é crime desde 1989: “Qualquer escola, pública ou particular, que negar matrícula a um aluno com deficiência comete crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos”. (Art. 8º da Lei nº 7.853/89).

É preciso repensar o óbvio. O direito à escola é direito humano fundamental. Crianças com deficiência são seres humanos, logo têm direito à escola comum, inclusive a privada, aberta ao público em geral e obediente às regras de educação nacionais. Em “Origens do Totalitarismo”, a cientista política alemã de origem judia, Hannah Arendt, explicita que o direito fundamental de cada indivíduo é o direito a ter direitos, isto é, o direito de pertencer a uma comunidade disposta e capaz de garantir-lhe os direitos fundamentais. Assim, durante muito tempo, somente homens brancos tinham direito de frequentar a escola. Mulheres e negros foram excluídos da escola por séculos, inclusive com base em artigos “científicos” que justificavam ser o investimento desnecessário com esses indivíduos de “capacidade inferior”. A batalha dos direitos humanos foi a de incluir mulheres, depois negros, e agora, a “última fronteira” parece ser as crianças com deficiência, consideradas ainda por muitos aqueles “anjos”, figuras “não-humanas” portanto, desprovidas do direito humano fundamental de frequentar uma escola comum, como todas as demais crianças, meninas, negras, LGBT, entre outras minorias.

O anacronismo da posição da COFENEM é tão gritante que foram incapazes de utilizar o termo consagrado pela Convenção da ONU: “crianças com deficiência”. Valeram-se na inicial ao STF do ultrapassado “portador de necessidade especial”, termo cheio de preconceito (usado para quem “porta um vírus ou doença contagiosa”) e rechaçado pelo movimento de defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Deficiência não é doença. Ninguém porta deficiência física ou intelectual e deixa-a em cima da mesa, ou no carro ou a esquece em casa. Deficiência não é um guarda-chuva a ser “portado”. Vive-se, em sociedade, com a deficiência. Ela é apenas uma parte, uma característica de um indivíduo e sua humanidade não se resume a ter ou não deficiência.

Do ponto de vista pedagógico, pesquisas no Brasil e no Exterior comprovam que crianças com deficiência apendem mais e melhor em escolas comuns, preparando-as para o mercado de trabalho e para vida autônoma. As próprias crianças sem deficiência, quando expostas ao convívio com colegas com deficiência desenvolvem maior naturalidade para lidar com as diferenças e oportunidade de consolidar a aprendizagem por meio dos recursos alternativos de ensino, disponíveis em salas de aula inclusivas.

Vamos a um exemplo concreto. Ensinar a fotossíntese em aula expositiva certamente deixará alguns alunos ditos “convencionais” de fora.  Ao utilizar recursos visuais para incluir alunos com deficiência intelectual/auditiva, os colegas comuns “distraídos”, com problemas de relacionamento em casa ou na escola, também terão maior propensão a prestar atenção e aprender o conteúdo que está sendo ensinado de maneira mais rica e diversa para todos os alunos. Ao possibilitar que crianças com e sem deficiência convivam lado a lado, a escola prepara uma nova geração de cidadãos: mais tolerantes e inteligentes emocionalmente.

O currículo a que uma criança com deficiência cognitiva é exposta em uma escola comum é muito mais rico que na escola dita “especial”. A pesquisa contemporânea é unânime em identificar avanços em termos de cognição, fala, linguagem, conhecimento acadêmico e interação social em pessoas com deficiência que cursaram o ensino regular ao invés de escolas especiais. O desafio da deficiência pode ser superado com ferramentas de acessibilidade de conteúdo e adaptação do currículo. Além disso, a escola comum oferece maior oportunidade de absorção de comportamento social adequado.

A Confenen rema contra a maré. Os dados de matrículas de alunos com deficiência em escolas comuns crescem todo ano. Em 1998, eram apenas 200 mil alunos com deficiência na educação básica, sendo apenas 13% em classes comuns. Em 2014, eram quase 900 mil matrículas e 79% delas em turmas comuns. Ver quadro evolutivo abaixo.

 

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Os custos adicionais com material didático, aplicativos ou moderador servirão para todos e devem ser repartidos entre todos os alunos, com ou sem deficiência. Escolas inclusivas promovem ganhos para todos os alunos porque costumam planejar conteúdo e estratégia didática de ensino, usam recurso pedagógicos diferenciados, dispõem de número menor de alunos por sala e profissionais com flexibilidade para ensinar alunos com perfis diferentes, com porta de entrada específica para o aprendizado (o aprendedor visual, o auditivo, o sensorial, etc). 

A Confenem deveria celebrar e abraçar a escola inclusiva, que contribui para o avanço da qualidade de ensino das escolas brasileiras, faz o professor pensar fora da caixa, usar sua criatividade, ter à disposição recursos pedagógicos diferenciados/atrativos para todos os alunos.Estamos certos de contar com a sensibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF), diante de uma lei que trouxe ferramentas concretas para melhorar a qualidade de vida das crianças com deficiência, ampliando suas oportunidades de crescer, produzir e conquistar autonomia.

* Lindbergh Farias é senador pelo PT/RJ e foi um dos relatores no Senado da Lei Brasileira de Inclusão (LBI)

Redação

3 Comentários

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  1. Como qualquer tema que

    Como qualquer tema que envolva educação, principalmente de crianças com deficiência, este artigo deve gerar alguma discussão e polêmica. Sempre fui e sou defensor da escola inclusiva; concordo, portanto, com a argumentação apresentada. Vou destacar um trecho:

    O anacronismo da posição da COFENEM é tão gritante que foram incapazes de utilizar o termo consagrado pela Convenção da ONU: “crianças com deficiência”. Valeram-se na inicial ao STF do ultrapassado “portador de necessidade especial”, termo cheio de preconceito (usado para quem “porta um vírus ou doença contagiosa”) e rechaçado pelo movimento de defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Deficiência não é doença. Ninguém porta deficiência física ou intelectual e deixa-a em cima da mesa, ou no carro ou a esquece em casa. Deficiência não é um guarda-chuva a ser “portado”. Vive-se, em sociedade, com a deficiência. Ela é apenas uma parte, uma característica de um indivíduo e sua humanidade não se resume a ter ou não deficiência.

    Jamais usei ou aceitei como adequado o uso da expressão “portador de necessidade especial”. Há alguns anos cheguei a discutir com minha irmã – que na época era professora do ensino fundamental e médio – sobre a inadequação da expressão. Ela rebateu, alegando que aquela expresão visava não estereotipar, estigmatizar ou discriminar as pessoas. Contra-argumentei usando a mesma linha de raciocínio exposta neste artigo; como exemplo eu citei o humorista Geraldo Magela, que sempre abominou o eufemismo eivado de preconceito. Geraldo Magela, o “ceguinho”, não aceita nem mesmo que o chamem eufemìsticamente de “deficiente visual”; ele prefere que o chamem de cego mesmo, já que ele é totalmente desprovido do sentido da visão. Deficiente visual é qualquer pessoa que possua acuidade visual aquém dos níveis considerados ‘normais’.

    Por fim devo dizer que o texto, certamente, não foi redigido por Lindbergh Farias. Conheci esse cara, quando ele presidia a UNE. Num evento em Ouro Preto, ele começou a falar bobagens; as vaias que dirigimos a ele o fizeram deixar o palanque em menos de dois minutos. Isso foi em 1999; ali pude perceber que esse cara estava fazendo a UNE de escada, para depois seguir carreitra política. Acertei na mosca. O tucano José Serra se valeu da mesma entidade estudantil, para ficar conhecido no estado paulista e depois no Brasil. JS é ainda mais mau-carácter. Mas Lindbergh jamais teve ou tem minha confiança e nunca receberá meu voto.

     

  2. E’ uma vergonha inamissivel

    E’ uma vergonha inamissivel em pleno seculo XXI .

    As escolas privadas nao estao preparadas ???

    Que se preparem entao !!!!

    As escolas devem esistir para ensinar a todos e nao para se enriquecer !!!

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