Antiga cabeça do PSDB, José Arthur Giannotti diz que partido morreu

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Reprodução
 
Jornal GGN – Amigo de Fernando Henrique Cardoso e apontado por anos como uma das referências intelectuais do PSDB, o professor de filosofia na USP e pesquisador do Cebrap, José Arthur Giannotti, afirma que a atual crise política vivida no país é pior do que o golpe do regime militar de 1964, e que o PSDB morreu.
 
“Quer que eu fale de defuntos? O PSDB não é mais um partido. Funcionava como um partido quando as decisões eram tomadas em bons restaurantes e todos estavam de acordo. Agora isso não há mais”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo.
 
Apesar de criticar duramente a oposição, defende que não existe mais “alguém como Lula para aglutinar todos” e lembrou que a divulgação do áudio de Aécio Neves com Joesley Batista “foi escandaloso”. Tampouco poupou críticas ao atual prefeito de São Paulo, João Doria, que corre por um posto em 2018: “Ele é um bom comunicador, que se veste de gari e assim por diante. Até agora não vi ele provar ser um grande gestor”, reduziu.
 
Leia a entrevista completa publicada pela Folha de S. Paulo:
 

Folha – Há um trecho do novo livro em que o senhor diz: “Os cidadãos começam a exercer a cidadania pelo consumo. A política contemporânea tem que se ocupar dessa tragédia”. Como a política poderia levar para um outro caminho?
Giannotti – Não digo que exista outro caminho. Digo no livro como a política pode ou deve pensar nesse conflito e como conviver com ele. Se não há uma solução no nosso horizonte, como vamos conviver com o capital?
A primeira obrigação da esquerda deveria ser a compreensão do que é o capital moderno. Ela entende? Não. No Brasil e nos demais países da América Latina, o que nós tivemos foi populismo, isto é, pensar num capital que existia há 50 anos e querer distribuir aquilo que não poderia. Outro dia vi o programa do PSOL e pensei que estivesse no século 19.

Por quê?
Porque eles pensam a revolução e o capital nos termos do século 19. A esquerda precisa pensar o que é o capital, e o capital moderno é o do conhecimento, é o que produz a base para uma diferença de tecnologia. É assim que os EUA estão saindo da crise.

No caso do Brasil, a situação é apavorante porque o populismo destruiu as condições para que tivéssemos grandes avanços nas pesquisas. O populismo foi, sob esse ponto de vista, altamente nocivo. Nós saímos da crise, mas não saímos do século 20.

O que quer dizer com “não saímos do século 20”?
Não temos estrutura para produzir a tecnologia necessária para o capitalismo moderno.

Quando fala em populismo no Brasil, refere-se a quem?
Ao caso da Dilma, que é extraordinário. Ela pensou que podia, por meio do BNDES, criar um novo capitalismo, com novos atores, com jurinhos bonitinhos… Só que ela gastou muito mais com isso do que com o Bolsa-Família. E ela mesmo se impichou porque não tinha mais condições de operar.

Ela terminou o primeiro mandato, promoveu-se como continuadora de um processo e, em seguida, negou esse processo ao nomear o Joaquim Levy para o ministério da Fazenda. Não me esqueço que, logo depois, uma das vozes do PT, o André Singer, falou em “estelionato eleitoral” na Folha.

Como o senhor avalia o governo Temer?
Apareceu como um governo querendo resolver impasses do capitalismo brasileiro. Não esqueça que a equipe econômica do Temer é a aquela que o Lula queria impor à Dilma, e ela que não quis. Era o Henrique Meirelles [ministro da Fazenda]. Só que esse projeto econômico não está sendo realizado, por isso não sei o que vai acontecer.

Além disso, temos no Brasil uma crise de Estado. Lembre-se da definição do [alemão Max] Weber, para quem o Estado tem o monopólio do poder. Nós não temos o monopólio do poder hoje, veja o Rio. É, portanto, uma profunda crise de Estado.

O governo Temer está tentando resolver isso? Por enquanto, não conseguiu. E também não resolveremos o problema com esse Congresso, que foi atravessado pela corrupção.

No Brasil, a corrupção passou a ter, em alguns momentos da história, como o atual, uma função política. Se não fosse assim, não teria nascido a Lava Jato, que é um processo jurídico-político.

Qual é a sua opinião sobre a Lava Jato?
Às vezes, vejo exageros, às vezes, algumas loucurinhas, mas, de modo geral, é formidável. É um processo de renovação da política brasileira. Agora, pode dar certo ou não.

A Operação Mãos Limpas, na Itália, não deu certo porque os parlamentares se uniram e liquidaram o movimento. No Brasil, eles conheciam o caso italiano e têm sido mais inteligentes. Em vez de metralhar todo o sistema político, metralharam quem estava no governo ou próximo dele.

Caso o ex-presidente Lula seja absolvido no tribunal de segunda instância, ele tem chance de voltar a ser eleito?
Não sei. Conheço bem o Lula, não esqueça que fui um dos fundadores do PT. E saí logo (risos). O Lula é um gênio político, é absolutamente extraordinário. Até que ponto ele foi tomado pela corrupção a Justiça vai dizer. As pesquisas mostram que o Lula tem chance, mas, se entrar, vai haver muito protesto.

Além disso, Lula não tem ecos dentro do próprio PT. Ele só consegue botar no lugar dele postes, e postes que são pouco iluminadores.

Um dos nomes que despontam é o do deputado federal Jair Bolsonaro (PEN). O que o senhor pensa sobre ele?
Eu não penso, eu me jogo da ponte [risos]. No Brasil, costumava haver o seguinte: o país caía em uma crise, e os militares entravam [no poder]. Isso, felizmente, não aconteceu desta vez. Por outro lado, sempre existem os substitutos dos militares, e um deles é o Bolsonaro. Seria um desastre.

Se ele vencer a eleição, nós, que já não saímos do século 20, daríamos um passo atrás na democracia.

Há essa movimentação no Congresso para uma reforma política. Qual o modelo funcionaria melhor?
O que mais se aproxima dos meus ideais é o distrital misto. Só que ele pode se tornar uma sacanagem na maneira como se desenham os distritos.

Aliás, fiquei puto com o editorial da Folha sobre o teto do funcionalismo público. De modo geral, é mesmo um escândalo. Mas há certas situações em que o teto não pode ficar como está.

Falo das universidades paulistas. Se for mantido o teto dos professores universitários no limite do salário do governador, que é um político e ganha R$ 21 mil, criam-se situações como a de São Carlos, onde se faz pesquisa.

Você sai da USP, atravessa a ponte e chega à Ufscar [Federal de São Carlos], onde o teto é de um ministro do STF [R$ 33 mil]. Como deixar que o pesquisador da USP ganhe menos que o da federal? Aí ele acaba trocando uma pela outra. Ou acaba indo embora, deixa o país.

Essa é uma situação séria. Se quisermos ser um país moderno, precisamos ter uma pesquisa forte e abundante.

O senhor nasceu em 1930 e entrou na filosofia da USP em 1950…
Oficialmente, sim. Mas eu fiz um curso de letras clássicas como ouvinte registrado antes, em 1948.

Por tudo o que o senhor já viveu, há algum momento da história recente do Brasil que possa comparar com os dias de hoje?
Não. A nossa crise é pior que a de 1964.

Por quê?
Lá tinha a merda dos militares. Eles mataram gente etc., mas botaram ordem. Agora nem isso nós temos. Não quero a volta dos milicos não [enfático]. Mas hoje não temos processos de resolução da crise. Isso é um problema muito sério. Quem diz ter a solução para a crise? Ninguém.

O senhor acredita que nossa situação hoje é pior que a de 1964 mesmo considerando o fato de vivermos numa democracia, em que temos a opção de mudar o governo?
Veja bem, tudo no Brasil é formal. Vivemos numa democracia formal. A população se manifesta hoje? Não, isso só aconteceu em 2013, quando foi para as ruas. As eleições são falsificadas pelos rios de dinheiro, pela propaganda nas TVs. Isso é melhor do que o populismo na Venezuela, mas é uma boa democracia? Não é.

O senhor foi considerado por muitos anos uma referência intelectual dentro do PSDB…
[ele interrompe] Esse é um problema deles, não meu.

Sou muito amigo do Fernando Henrique, mas no governo dele, fui eleito [ele enfatiza a palavra ‘eleito’] para o Conselho Nacional de Educação. E fiquei pouco tempo. Briguei e fui embora.

Não quero participar de governo, não é minha função. Ao integrá-lo, eu deixo de ser o crítico que quero ser.

Como avalia esse impasse do PSDB de ficar ou não no governo Temer?
O PSDB morreu. Quer que eu fale de defuntos? O PSDB não é mais um partido. Funcionava como um partido quando as decisões eram tomadas em bons restaurantes e todos estavam de acordo. Agora isso não há mais. E não existe alguém como Lula para aglutinar todos.

Quanto a divulgação do áudio do Aécio Neves com o Joesley Batista prejudicou o partido?
Você me pede uma medida do desgaste? Não sei, a medida será o voto. Foi escandaloso, mas não sei qual será o efeito nas eleições.

Há um trecho do novo livro em que o senhor critica situações “quando a decisão política se transforma na gestão de uma empresa”. O senhor se referia ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB)?
Não, quando escrevi, o Doria não existia [escreveu antes da candidatura de Doria à prefeitura]. Além disso, eu não estaria falando dele de jeito nenhum porque gestor de empresa ele não é. Ele é um bom comunicador, que se veste de gari e assim por diante. Até agora não vi ele provar ser um grande gestor.

Qual é o seu próximo projeto?
Estou planejando um livro sobre o que aconteceu na filosofia do século 20. Houve dois pontos de ruptura, Heidegger [1889-1976] e Wittgenstein [1889-1951], ambos mal compreendidos, que botaram em xeque a ideia de razão. A partir dos anos 60, houve um recuo na filosofia.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

13 Comentários

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  1. Há um tempo atrás não muito

    Há um tempo atrás não muito distante, quando os coxinhas não tinham culpa pois votaram seiláemquem, o Abominável Homem das Neves, sim, ele mesmo, o campeão mundial de delações e contas em paraísos fiscais, havia dito que o PT teria sido dizimado. Mas ele não disse quem teria dizimado o PT, porém eu posso afirmar que quem dizimou o pósdb foi ele mesmo.

  2. Gianotti e sua empafia.

    Seu problema é de soberba e embotamento intelectual.  Absorve com tranquilidade o chamamento de populismo para as políticas petistas. Isto é de um primarismo Global. Ele deve estar lendo WIllian Waack Merval e Catanhede.  Se revolta com os salários do funcionalismo publico federal, não com as benesses de seu adorado Moro, e outros juizes, mas sim com os salários dos professores das Federais por serem maiores dos que os da sua USP, se é que o são E se o forem, a culpa é dos governos do PSDB.  O estado mais rico da nação empobrece as Universidades.

    Não se pronunciou nem se pronuncia, contra todos os desmandos que seu partido fez com a Universidade de São Paulo. Não se pronunciou nem se pronuncia contra os desmandos com as políticas cientificas e educacionais defendidas pelo seu partido.

    Falar que a lava jato vai bem apesar de alguma loucurinhas, mostra sua leviandade intelectual, para com as consequencias para o país. 

    È desonesto ao falar de Dilma e Lula, e afirmar que Temer quer resolver os impasses do capitalismo no Brasil, é ou má fé ou pura ignorância intelectual. Afinal de contas PMDB  e toda curriola de Temer, sempre quiseram o controle do estado para deles usufruir, criando sua estrutura de poder. È apenas isto que está ocorrendo. O pmdb, não tem política, apenas defende a política dos outros, desde que se mantenha no poder. Foi assim com Lula e Dilma, e agora contraditóriamente, seguem a política de Serra, entregando o país e privatizando, e gerando o Estado mínimo. O estado mínimo é tão contraditório com o PMDB, que vemos agora sua total incapacidade de seguir a propria política fiscal Continua com as sucessivas manobras orçamentárias, para enriquecer amigos, e permanecer no poder. Qualquer analfabeto pode ver isto, e Gianotti é tudo menos um analfabeto.

    Gianotti, é absurdamente desonesto quando não fala em estelionato eleitoral para Temer. Afinal Temer nega tudo que o elegeu.

    Se não é desonestidade intelectual creio que Gianotti sempre foi ou então ficou vazio.

  3. Ele arranha a superfície, ma não tem coragem de aprofundar nos

    PROBLEMAS, mas pelo menos admite o PSDB morreu, foi um grande mentira, todos do PSDB são corruptos e bonecas deslumbradas com os EUA.

    Dizer que o problema do país é o populismo??? Com tantos golpes de estado?????

  4. O PSDB morreu. Isso é fato

    O PSDB morreu. Isso é fato inquestionável.

    Mas tbm é fato inquestionável , que MUITO antes de morrer foi ao enterro do PT.

     

     

     

  5. PSDB morreu e não é de hoje

    Há muitos anos, uns quinze anos, que o PSDB teve morte cerebral. Só sobrevive por aparelhos, mantidos pela mídia. Só o levanta-bola da mídia explica que um sujeito estúpido como o Serra ou uma nulidade como Aécio tenham sido candidatos à presidência e apontados como salvadores da pátria. Só a mídia ainda dá sobrevida a um sociólogo meia-boca como FHC e ainda o pinta como cabeça-pensante do Brasil…

  6. KKK, o grande filósofo

    KKK, o grande filósofo municipal e suas frases de restaurante (ou de prostibulo). Pelo que ele diz, o programa do Psol fez milagre. “Vi o programa do PSOL e pensei que estava no século XIX”. Uai, ele pensou!! Mas essa papagaiada do filo-amigo não supera a magistral lição que extraiu da deseleicao de José Serra, quando proferiu a máxima: “Os pobres votam pensando no estômago, a classe média pensa no país”. É um pândego. 

  7. Quanto à Dilma, “…ela mesma

    Quanto à Dilma, “…ela mesma se impichou”, me parece uma simplificação de um processo que não se restringe à economia. Fosse assim poderíamos afirmar, eu penso, que o Termer também já teria se impichado, ou estou errado? Quanto à Lula “…mas se entrar vai ter muito protesto…” por quê? Por que não acreditamos mais na democracia liberal? Ela só serve quando o resultado eleitoral servir aos interesses de outros grupos influentes,  mas que não chegam ao poder pela via eleitoral? Se é fato que ” …os cidadãos começam a exercer a cidadania pelo consumo…” e, se um eventual governo Lula reinserisse amplas camadas da população no consumo, bem como setores empresariais e banqueiros, por que haveria muitos protestos? 

    1. quanto….

      Ratão Gordo, agora é que as esquerdas tupiniquins ruiram?`Precisou de 40 anos mamando para descobrir isto? Descobriu isto depois de 1 bilhão de repasse do Governio FHC ao clã Giannotti? Hipócrita, somente agora você afima que as Politicas Anticapitalistas da Social Democracia eram resolvidas em Restaurantes caríssimos regados a vinhos italianos e franceses? Agora que as esquerdas ruiram, encasteladas em bilhões de reais desviados na extorsão de Empresários Brasileiros, com a desculpa do combate ao Capital e fixada no Parasitismo do Estado, como fizeram nas Universidades Públicas, USP em especial, onde alunos não tem assistência, programas de incentivo foram extintos, faltam até creches para servidores e alunos, e todo Orçamento Bilionário destas Universidades são gastos em salários e benefícios estratosféricos de algumas dezenas de Protegidos Políticos dentro da Instituição. Agora que esta Elite Esquerdopata alcançou sua independência financeira milionária, testemunhada em Lisboa, Paris, NY ou Miami é que este sr. descobriu que foram quase meio de séulo de mediocridades? É esta a discussão posta na Imprensa Brasileira, grande parte que apoiou e muito se beneficiou de tamanho golpe cleptocrático?

      1. Coitadinhos dos emprecários

        Coitadinhos dos emprecários brasileiros sendo extorquidos! Que dó! Esta cambada de caipiras FDP. 

        Em que pais este zé sergio vive? Na macacolândia SP? Desafio este macaco a cruzar o Brás, e conseguir uma nota fiscal cheia! São “extorquidos” porque tem o rabo preso! Conheci predios com tapumes de obra com 5 andares entulhado de produtos nacionais que chegavam de madrugada, tudo também produzido por estes pobres coitados!

        Estranho estes macacos não irem empreender em Miami, lugar que eles adoram, lá terão que pagar salários de verdade e pagar imposto de renda! Eles fogem feito diabo da cruz!!! Emperdedores brasileiros! Caipirocracia e vassalagem, este é o lema!

         

  8. lixo puro..

    .. dessa entrevista só se salva o “psdb morreu”, de resto, lixo puro.. avaliações completamente equivocadas sobre tudo.. se essa é a elite intelectual do psdb, então tá tudo explicado..

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