As 6 falácias que a imprensa usa para defender a redução da maioridade penal

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Natalie Garcia

No Justificando

Nos últimos meses, o debate penal apropriado pela mídia tem sido focado na redução da maioridade penal. Em votação no Legislativo mais conservador desde 1964, tudo aponta para a aprovação da medida, seguindo a tradição brasileira em apostar no aumento do vigor da lei penal como remédio para os problemas sociais.

Diferente de outras pautas encarceradoras, a redução da maioridade penal ecoa em certos meios de comunicação. Alguns são facilmente detectáveis e comuns em nosso cotidiano, como os famosos programas vespertinos, de apresentadores que esbravejam enquanto denunciam o crime de algum adolescente. Outros, sob a máscara da imparcialidade, exibem reportagens com alto cunho ideológico.

Na semana em que a Comissão Especial da Câmara tomaria a decisão de enviar a proposta para votação ou não em Plenário, a Revista Veja estampou em sua capa a foto de quatro jovens acusados de um crime terrível no norte do país; na manchete: “Vão ficar impunes?”, intensificando o coro pelo encarceramento de jovens.

De outro lado, o jornal Estado de S. Paulo também estampou em seu periódico uma matéria cuja manchete era “7 em cada 10 atos infracionais em SP envolvem adolescentes de 16 a 18 anos”. Entre as proposições, a matéria indicava que, com a redução da idade penal em 16 anos, cerca de 70% dos problemas envolvendo infrações seriam resolvidos. Bastava encarcerá-los como adultos.

Entretanto, segundo especialistas e estudiosos da área, essas matérias panfletárias, além de causar grande influência no debate, o fazem com base em premissas falsas.

#1. “7 em cada 10 atos infracionais em SP envolvem adolescentes de 16 a 18 anos”

Quantas vidas podem ser destruídas por uma manchete duvidosa? Em um primeiro momento, a estatística utilizada no título é vendida como esclarecedora. A manchete induz o leitor a depreender, em poucos segundos, que os adolescentes entre 16 e 18 anos são os grandes criminosos da sociedade, ainda que não se fale sobre os atos infracionais cometidos. E faz sentido a inibição desses dados, dado que uma série de estatísticas divulgadas nos últimos meses revelam os números reais, os quais revelam que a maior parte dos adolescentes cometem crimes ao patrimônio, muitas vezes ligados ao contexto sócio-histórico deles.

A questão, afirma Roberto Tardelli, ex-Promotor de Justiça, Advogado e Colunista no Justificando, é que se torna aquilo que “é absolutamente pontual em algo comum”. “E nós abominamos a violência, mas a forma como ela atinge a sociedade adulta cria um sentimento muito mais forte, porque dá impressão, a essas pessoas, que essas ‘crianças sem limites’ devem ser castigadas para que aprendam”, tal como fazem em suas próprias casas. “O castigo, a violência, são ainda usados como forma de educação.” Dessa maneira, todas as exceções são “artificializadas nas capas de jornais, de modo que a situação pareça generalizada”, e o desejo de punição entre em cena.

Marcelo Semer, Juiz de Direito, membro da Associação Juízes para a Democracia e colunista no Justificando, também acredita que a “questão nem é estatística”, mas “se trabalha com o sensacionalismo mesmo”. Usados como bodes expiatórios, os jovens passam a representar a classe criminal inteira. “Fosse assim,” revela o especialista, “não haveria crimes praticados por adultos e essa é a grande e expressiva maioria. É um debate, sobretudo, simbólico e populista, onde a verdade tende a ser a primeira vítima”, conclui.

#2. Número de crimes hediondos x jovens que cometem esses crimes

O jovem criminoso exposto pela mídia é sempre aquele que comete os crimes mais odiados pela sociedade. Latrocínio, homicídio qualificado, estupro. “Bandido bom é morto”, “bandido já nasce bandido”, entre outros tantos clichês, são despejados pelos noticiários sangrentos e as capas de revistas. A exceção vira regra, e todos “pagam o pato”. A lógica utilizada em matérias “jornalísticas” não é diferente.

De maneira a demonstrar a “periculosidade” desses jovens, o número de crimes hediondos é colocado lado a lado a porcentagens altas, crimes condenáveis e ainda a faixa etária daqueles que os cometem. Ou seja, se mostra uma porcentagem de 64% de jovens “assassinos”, sendo que estes fazem parte de 3% de um universo de jovens que cometem crimes hediondos. Tática suja e desleal para seduzir o leitor, o qual acredita que, quanto maior o recrudescimento penal, maior o exemplo àqueles que “desejam” cometer um crime.

Ledo engano. Tardelli indica que o “castigo, para o criminoso, é uma consequência já admitida”. Crimes não deixam de ser cometidos por causa de exemplos. É o que mostra a lógica: “O recrudescimento penal não é cientificamente comprovado como fator de diminuição da criminalidade. Se fosse assim, a criminalidade seria zero e os poucos crimes cometidos seriam punidos com pena de morte”.

E o que fazer se a proposta de fato passar pelo Judiciário?  Segundo Semer, “quando houver um cometimento de um crime grave por um adolescente de 15 anos, ele será repetido incessantemente na TV e nas capas de revista com a pergunta ‘vai ficar impune?’”, para que se reduza ainda mais a idade penal. O ciclo é infinito, e a alimentação dele não atinge números, mas vidas.

#3. “Há consenso no Congresso”

Há mesmo consenso no Congresso? E, se há, este Congresso representa, verdadeiramente, aquilo que pensa a sociedade brasileira? “Nenhum Congresso é representativo da sociedade”, afirma Semer, “mas esse, especialmente, representa fortemente a necessidade de uma reforma política”.

Tardelli concorda com Semer, e acrescenta que não há consenso em quaisquer dos grupos. “Esse consenso não existe nem entre os conservadores e nem entre essa nova modalidade chamada ‘esquerda punitivista’, que entrou em cena. Estamos andando para trás, todos estão ficando histéricos, cada um em sua modalidade de histeria.”

Além disso, quando se diz, em matérias de tal peso, que existe consenso entre as opiniões diversas de um Congresso, o debate perde força. “O consenso é enfraquecedor da discussão, porque mostra que não há lide, não há debate, não há foco de divergência.”

A questão, mostra Semer, é que este Congresso está aproveitando o momento propício, já que há “um governo fraco, uma oposição irresponsável e ele é comandado pelo reacionarismo”. Logo, mais do que se espera que este parlamento defenda as demandas mais violadoras de direitos humanos, bem como outras que se relacionam a seu interesse.

#4. Perfil dos jovens e reincidência

O Brasil possui hoje a terceira maior população carcerária no mundo. Mesmo assim, continua encarcerando, sem precedentes e sem considerar que aqueles que – algum dia – saem das prisões, não são ressocializados. Todos sabem disso. Com isso, a exclusão do egresso pela sociedade é uma rotina. Sem empresa que o empregue ou confiança daqueles que convive, muitas vezes sua solução é reincidir no crime.

Por que se acredita, então, que com a redução da maioridade penal os crimes diminuirão? Ou que, assim, outros jovens pensarão “três vezes” antes de cometerem um crime? Quanto mais prisões, mais crimes. “A Lei dos Crimes Hediondos mostrou isso claramente: aumentaram os casos de extorsão mediante sequestro e os de tráfico de entorpecentes, na mesma medida que aumentaram as penas. Isso sem contar o alto fator criminógeno da prisão, a contaminação e a submissão dos detentos a facções criminosas”, mostra o juiz da capital.

#5. Sentimento de impunidade

A conclusão de um texto é a resposta dele. os casos pela redução, em especial, se pressupõe não só que as medidas socioeducativas funcionam, como também  que existe um sentimento de impunidade que deve ser combatido.

Semer e Tardelli enxergam esse sentimento de impunidade de maneiras diferentes. Para o primeiro, ele é “fortemente estimulado pela mídia”, enquanto para o segundo esse sentimento é nada mais que um “medo, não propriamente da violência, mas do desconhecido”. Fato é que, para os dois juristas, esse sentimento “não termina nunca”. “Sempre haverá uma ‘pena frouxa’ que pode ser combatida em nome da defesa social, hoje é redução da maioridade, amanhã, a prisão perpétua, e assim vai”, conclui Semer. E, nesse jogo entre bem e mal, reina a violência.

#6. Quem é beneficiado pelo recrudescimento penal?

Estimulado pela mídia ou pelo medo, fato é que esse sentimento punitivo cresce cada vez mais e as demandas por paliativos aumentam. Quem é que lucra com isso? “A indústria do medo”, explica Tardelli. “Você tem carros blindados, empresas de segurança privada, acessórios que contribuem na alimentação dela”, bem como os programas ou noticiários que vivem da violência. “Estão fazendo tudo isso ao longo de muitas décadas, o que gerou uma situação de impunidade. Mas, quanto mais se recrudesce a lei penal, maior será a necessidade de recrudescer. De jeito nenhum teremos condição de combater essa indústria”. Por isso, “a sociedade tem dificultar ou diminuir o mercado farto da violência”, finaliza Roberto Tardelli.

Em sua experiência como juiz de Direito, Semer afirma que o sentimento é inacabável. “Há trinta anos vejo tribunais pedindo para que juízes façam algo contra o crescimento da criminalidade”. No entanto, o aumento das penas em nada adianta e, ainda, “desagua no estado policial”.  “O endurecimento penal, a propósito, foi uma das formas de legitimação da ditadura nazista, contra o amolecimento e garantismo dos tribunais alemães. A gente sabe onde isso deságua. O modelo atual é norte-americano, com dois milhões de presos e muitas empresas faturando com o crime”, conclui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

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  1. Debate

    É estranho que nem debater o assunto o governo e os que o apoiam deseja. O resultado da mudança da lei, caso ocorra, ninguém pode prever, mas o governo garante conhecer, como se tivesse capacidade para tal! Já solicitei alguma pesquisa sobre a realidade brasileira da relação entre a infância carente e o menor infrator e nada recebi. De ambos os lado, tudo falácia!

  2. Debate

    É estranho que nem debater o assunto o governo e os que o apoiam deseja. O resultado da mudança da lei, caso ocorra, ninguém pode prever, mas o governo garante conhecer, como se tivesse capacidade para tal! Já solicitei alguma pesquisa sobre a realidade brasileira da relação entre a infância carente e o menor infrator e nada recebi. De ambos os lado, tudo falácia!

  3. Nunca tinha lido tantas

    Nunca tinha lido tantas falácias para combater supostas falácias…

     

    Seguindo a lógica de que “leis severas não adiantam nada”, o estupro não deveria mais ser considerado crime, já que mesmo sendo proibido ainda há estupros. Alias, se, segundo os esquerdistas, leis mais severas não “adiantam nada”, porque a esquerda luta tanto para que o congresso aprove a lei da homofobia? Não seria melhor tentar “ressocializar” um homofóbico?

    Não há argumentos lógicos contra a redução da maioridade penal, há apenas ideologia sem nenhuma conexão com a realidade.

  4. Nassa não desiste.
       Ele não


    Nassa não desiste.

       Ele não é bolinho,não.

            Ele elencou 6 argumentos.

             Dos 6 000 contrários , apenas Um deles eliminaria os 6 dele e ainda sobraria troco.

    1. Fiquei curioso nesses 6.000

      Fiquei curioso nesses 6.000 argumentos.

      Por gentileza, exponha ao menos uns 3, já que um só rebate todos os seis da matéria.

  5. “Muitas empresas faturando com o crime”

    É uma questão de interesses financeiros, basta ver quanto a indústria do medo e da segurança fatura anualmente.

    Quanto mais medo puserem, mais elas vão faturar.

    E a população engole o discurso sem entender que é manipulada…

  6. A falácia de não aceitar a vontade democrática

    87% da população é favor de mudança, pelo menos mudar essa rídicula internação máxima de 3 anos prevista pelo ECA. Respeitem a vontade democrática, certos crimes devem ter prevista uma internação, reclusão maior, isso não se pauta pela idade e sim peloo ato infracional praticado pelo “menor” ou não.

    Que se tenha um referendo, mas o ideal seria um plebiscito, inclusive com uma opção de deixar tudo como está, isso é democracia, nem a minha, nem a sua opinião e sim a vontade democrática.

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