Criação de animais ocupa 75% das terras aráveis do planeta

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Instituto Humanitas Unisinos
 
 
Criação e consumo de animais ocupam 75% de todas as terras aráveis do planeta. Entrevista especial com Cynthia Schuck
 

O efeito devastador da pecuária sobre o meio ambiente está relacionado à “ineficiência energética associada à produção de alimentos de origem animal”, diz Cynthia Schuck, uma das autoras do dossiê “Comendo o Planeta: Impactos Ambientais da Criação e do Consumo de Animais”, IHU On-Line, na entrevista

Por Patricia Fachin

Segundo a pesquisadora, entre os principais impactos causados ao meio ambiente por conta da produção de carne para alimentação está o fato de que, “para alimentar os animais criados para consumo, são necessários muito mais calorias do que as disponíveis na carne – ou seja, há um grande desperdício das calorias e proteínas provenientes dos cultivos vegetais usados para a alimentação destes animais. Também há, consequentemente, um grande desperdício de água e outros recursos naturais. Por exemplo, grandes extensões de terra são necessárias para pastagem, ou para produção de ração”.

Cynthiadestaca ainda que as áreas destinadas à pecuária correspondem atualmente a “75% de todas as terras aráveis do planeta. Perda de habitats, de espécies e desmatamento são consequências naturais deste processo”. Ela frisa ainda que apesar de o consumo de alimentos de origem animal não ser o “único responsável pelas crises ambientais”, sua contribuição é “inequívoca e resulta da demanda gerada por nossas escolhas alimentares”. Assim, sugere, “a substituição de alimentos de origem animal por alimentos vegetais equivalentes, ou superiores, é a forma mais eficiente de permitir que nossa jornada neste planeta seja a melhor possível do ponto de vista ecológico, ético e social”.

Cynthia Schuck é mestra em Ecologia pela Universidade de São Paulo e doutora pela Universidade de Oxford (Reino Unido), tendo se especializado também em análise de dados nas áreas de ciências ambientais, biológicas e biomédicas. Atualmente leciona no curso de Metodologia Científica para a pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (São Paulo) e é Coordenadora do Departamento de Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – De que maneira o dossiê Comendo o Planeta: Impactos Ambientais da Criação e do Consumo de Animais compreende a atual crise ambiental?

Cynthia Schuck – O Dossiê “Comendo o Planeta” discorre sobre as principais crises ambientais atuais, incluindo a escassez hídrica, as mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos e expansão das zonas oceânicas mortas, a perda de habitats, a extinção em massa de espécies que já estamos vivenciando, dentre outras. No dossiê, explicamos como, e por que, a pecuária contribui de forma decisiva para todas estas crises.

Quais são as evidências de que as crises ambientais que nos ameaçam são profundamente ampliadas pelo consumo de carnes e derivados? Quais são os impactos ambientais do consumo de animais?

Cynthia Schuck – O principal fator que faz com que a pecuária tenha um efeito tão devastador sobre o ambiente é aineficiência energética associada à produção de alimentos de origem animal. Para alimentar os animais criados para consumo, são necessários muito mais calorias do que as disponíveis na carne – ou seja, há um grande desperdício das calorias e proteínas provenientes dos cultivos vegetais usados para a alimentação destes animais. Também há, consequentemente, um grande desperdício de água e outros recursos naturais. Por exemplo, grandes extensões de terra são necessárias para pastagem, ou para produção de ração. As áreas destinadas a estas atividades ocupam atualmente 75% de todas as terras aráveis do planeta. Perda de habitats, de espécies e desmatamento são consequências naturais deste processo. Os 70 bilhões de animais terrestres criados e abatidos todos os anos também geram uma quantidade de resíduos sólidos, líquidos e gasosos imensa, responsável pela poluição das águas, do solo e da atmosfera. As evidências que mostram esses efeitos são diversas, em escala local, nacional e global. No dossiê, os dados apresentados são embasados em pesquisas científicas e técnicas publicadas em meios reconhecidos internacionalmente pela sua qualidade e idoneidade.

Qual é o custo da criação de animais para o consumo?

Cynthia Schuck – Os custos da criação de animais para consumo são diversos. Há o custo ético e moral, já que a atividade implica na morte e sofrimento crônico de bilhões de seres sencientes (ou seja, capazes de sofrer, sentir dor, prazer, felicidade e outras emoções como medo, ansiedade e tristeza) todos os anos. Há também o custo para a saúde dos consumidores, já que o maior consumo de carnes, ovos e leite está associado a maior incidência de problemas cardiovasculares, diabete e alguns tipos de câncer. O custo para a saúde também se aplica à segurança alimentardas gerações atuais e futuras: se não criássemos animais para consumo, a produção de cultivos vegetais em terras agrícolas já existentes permitiria alimentar 3,5 bilhões de pessoas a mais no planeta. Há também o custo ambiental, já que a criação de animais tem papel decisivo na maioria das crises ambientais que enfrentamos atualmente. Finalmente, há também um custo financeiro que não está embutido no preço de venda da carne. Um estudo recente, apresentado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS e pela AgênciaAlemã para a Cooperação Internacional – GIZ, mostra que para cada R$ 1 milhão de receita da pecuária bovina são gerados R$ 22 milhões de impactos ambientais, principalmente em desmatamento e emissão de gases estufa. Mas ao invés de pagar pelos danos e uso de recursos ambientais, o setor pecuário no Brasil é amplamente subsidiado pela receita pública.

É possível reverter esse quadro de crise através de alternativas ao consumo de carnes e derivados? Em que consistiria essa alternativa?

Cynthia Schuck – Sim, é possível reverter este quadro mudando os padrões de consumo alimentar. Os macro e micronutrientes presentes nas carnes e derivados estão amplamente disponíveis nos cultivos vegetais. Por exemplo, o grupo dos feijões e outras leguminosas (como lentilhas, grão de bico, soja e ervilhas) são ricos em proteínas, ferro, zinco e outros nutrientes. As folhas escuras são ricas em cálcio e ferro. E assim por diante com diversos outros cultivos. Como declarado pelos conselhos de nutrição e descrito nos Guias Alimentares da População de vários países, incluindo o Brasil, uma alimentação vegetariana é adequada em qualquer fase da vida. Além disso, hoje em dia há diversos substitutos para os alimentos de origem animal feitos exclusivamente com proteínas vegetais, como hambúrgueres, salsichas, sorvetes e até queijos vegetais.

O que seria um padrão de consumo alimentar adequado para os dias de hoje? Quais as condições de colocá-lo em prática?

Cynthia Schuck – O consumo alimentar adequado deve contemplar uma alimentação saudável, sustentável e ética. Aos que querem colocá-lo em prática, sugiro conhecer e se inscrever na Campanha 21 Dias sem Carne, lançada recentemente através de uma parceira da Sociedade Vegetariana Brasileira, Instituto Luisa Mell, Instituto Ampara e VegGo. Durante 21 dias, quem se inscrever recebe por email toda informação necessária, suporte de especialistas e nutricionistas e uma grande variedade de receitas fáceis e acessíveis.

Quais são as principais conclusões do dossiê Comendo o Planeta: Impactos Ambientais da Criação e do Consumo de Animais?

Cynthia Schuck – As informações apresentadas no Dossiê revelam alterações ambientais em escala global cujas consequências podem afetar a forma como viveremos em futuro próximo. Mas como discutido no Dossiê, a possibilidade de testemunharmos colapsos ambientais não é irreversível se formos capazes de mudar nossos padrões de consumo alimentar. Embora o consumo de alimentos de origem animal não seja o único responsável pelas crises ambientais atuais, sua contribuição para a maioria delas é inequívoca e resulta da demanda gerada por nossasescolhas alimentares. Assim, a substituição de alimentos de origem animal por alimentos vegetais equivalentes, ou superiores, é a forma mais eficiente de permitir que nossa jornada neste planeta seja a melhor possível do ponto de vista ecológico, ético e social.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. certamente uma cientista

    certamente uma cientista vegetaria convence

    muito mais do que uma vegetariana leiga…

    ou daquele que disse que o bafo ou o peido do boi

    ou coisa semelhante poliui o planeta.

  2. “Assim, a substituição de

    “Assim, a substituição de alimentos de origem animal por alimentos vegetais equivalentes., ou superiores, é a forma mais eficiente de permitir que nossa jornada neste planeta seja a melhor possível do ponto de vista ecológico, ético e social.”

    Inibir o consumo de carne é algo impossível. Nos restaurantes “grill” espalhados pelo centro da cidade a carne do grill geralmente é servida por um preço mais caro, mas mesmo com tantas opções mais baratas e saudáveis disponíveis no self-service poucos abrem mão da carne. Rodízio então, quem resiste? Pode ser caro como for, pode não ser saudável, não faltam clientes. Na verdade é meio que o “crime” de domingo – consome-se muita carne, carvão, alimenta-se o corpo de gordura para o cérebro depois reclamar do governo que não investe em saúde, não sem antes infringir um pouquinho a Lei pegando o carro no estacionamento depois de umas cervejas que tão bem acompanharam a linguiça. Isso tudo na frente dos filhos que saberão seguir o exemplo no futuro.

    Acho que a forma mais eficiente seria mesmo o controle populacional. Não só da espécie humana, mas de qualquer espécie cuja população tenha crescido além da conta. Se encontrássemos um meio aceitável do ponto de vista ético e moral de impedir o crescimento populacional seria a coisa melhor que poderíamos fazer pelo nosso planeta.

  3. Existem sistemas racionais de produção de proteína animal

    A avicultura tem um desempenho eficiente de consumo. Uma taxa de conversão de 1,7 kg de ração para 1 kg de peso vivo. Seu  impacto ambiental é mínimo. Suas fezes são excelentes feertilizantes. Também a piscicultura é o sistema de produção de proteína animal do futuro. O desempenho da tilápia chega a 1,5 de ração para 1 kg de peso vivo. Infelizmente a carne mais consumida no mundo é a suína. Ineficiente aproveitador de alimentos, seu sistema digestório absorve apenas 30% do que consome. Com sto 70% do que consome vira fezes e o transforma na produção mais poluidora do mundo. Também a bovinoculturta de corte está fadada a virar artigo de consumo apenas da classe alta. 

  4. Cátedra vegana

    Hoje o blog está se superando.

    Depois do Nostradamus tupiniquim Gustavo Gollo, vem essa da Cynthia Schuk.

    Tomo conhecimento e em especial estupefato, que “existe” a cátedra vegana.

    Ironias a parte vamos analisar algumas “verdades” vegana.

    Os extremismos nunca foram amigos da razão.

    De acordo com a lógica vegana (daqui por diante só vou tratar dessa maneira o texto), eles estão em processo de criação de um novo ser humano, diferente daquele que surgiu a mais ou menos 200 mil anos.

    Eles querem transformar esse novo ser num vegetariano exclusivo, em contraste ao natural, que sempre foi ominívoro.

    A adaptação do homem na terra veio num processo evolutivo num meio ambiente do qual ele surgiu.

    Ele se tornou ominívoro como necessecidade intrínseca de sobrevivência.

    Mas os veganos querem mudar a história da evolução do homem na terrra por decreto.

    Alguns mitos já contestados, mas que a Sociedade Vegana insiste em difundir, torna clara a sua intenção.

    Vamos proteger todos os animais vertebrados e invertebrados da face da terra, contrariando as leis da natureza.

    Da mesma forma que eles vão ao extremo para defender uma teoria absurda em contra posição ao que o homem já fez de errado até agora, não percebem que estão trilhando o mesmo caminho em sentido oposto.

    Com todo o respeito que a doutora Cynthia deve merecer, para mim soa estranho ela indicar consultar entre outros sites, o Instituto Luisa Mell, uma notória desiquilibrada defensora dos direitos dos animais. A proteção dos animais e o meio ambiente são tarefas nobres que não cabe excessos e extremismos de ambos os lados.

    As informações sobre o consumo do leite e ovos é de uma estupidez inaceitável.

    Com relação ao maior consumo de carnes, faltou ela explicar o que significa esse maior consumo de carnes. Se é per capta, ou de um notório consumidor de carnes? É lógico que tudo em excesso, não é bom. Até água potável.

    Quer dizer que a doutora Cynthia tem doutorado em Oxford?

    Para conceder uma entrevista dessa?

  5. Como pouquíssima carne vermelha!!
    Muito boa informação, mas faltou a análise da sociedade de consumo. Sou omnívoro, mas não sou cheio de grana e por isso e não por opção vegana como pouquíssima carne vermelha!! Essa condição de exclusão se dá pela sociedade de consumo, o alimento não é para matar a fome e sim para consumo no sentido alienação.

  6. E ainda tem gente que dar

    E ainda tem gente que dar espaço para qualquer besteirol desse.

    É sempre essa velha estoria. Qualquer produto hoje causa danos irreparavesis à natureza.

    Daque a ppouco vão dizer que o unico modo de vida que não polui é o vagano.

    Pior é que tem gente que acredita nessas babozeiras.

     

    1. Seu comentário mostra bem

      Seu comentário mostra bem como tratamos o nosso planeta. Então consumimos o que queremos, produzimos lixo a torto e a direito, e ficamos aguardando alguém vir provar que estamos destruindo o planeta? Enquanto ninguém provar isso, e bem provado, vamos consumindo e produzindo lixo da forma que quisermos, e que ninguém venha com “babozeiras”? É assim?

  7. Alimentamos o mundo com carne barata

    Temos o maior rebanho bovino de corte do mundo. Gastamos água e espaço para a pecuária.

    A agropecuária consome 72% de água do Brasil, enquanto o uso doméstico é de 11%.

    Nossa população, 85%, vive em área urbana que representa menos de 1% da área total do país.

    Nas cidades vivemos hoje com falta de água e  os meios de comunicação dizem que desperdiçamos muita água.

    O consumo racional deve acontecer, mas com um debate com plena explanação dos dados.

    Esse consumo de carne animal desenfreado não durará muito.

    Daqui a alguns anos, certamente as pessoas se perguntarão como tudo isso acontecia.

  8. impactos ambientais da pecuária

    Causa espanto em primeiro lugar o desperdício e a matança de animais, com tanta pobreza no mundo.

    De logo, se percebe que a desigualdade social, causa, além de tudo, grande desperdício. Nas contas da Drª são 10 animais mortos por habitante/ano. Isto, de mamando a caducando.

    O Brasil, em que pese sua posição de exportador de commodities, tem hoje posição privilegiada na exportação mundical de carnes. É um fato economicamente relevante. Há erros, ineficiências que precisam ser corrigidos.

    Mas, a tecnologia e o melhoramento genético, por nós desenvilvidos, nos coloca em posição de grande vantegem econômica. E não sei se países europeus, norteamericanos, asiáticos estão fazendo seu trabalho ambiental, como nós jám fizemos, como o Código Florestal de 2012.

    Modificar o hábito alimentar seria no longo prazo, desejável, porém, querer criminalizar ambientalmente a pecuária, seria, como tentar aboliar o atomóvel de nossas vidas. 

    Não sei se a Drª estaria disposta a pegar um busão para ir à faculdade dar aulas?

  9. Foto de capa da reportagem

    A foto que ilustra a matéria mostra bovinos leiteiros em regime de confinamento, sistema com alto índice de conversão energética e eficiência na utilização de espaço. O que é bem diferente da tradicional pecuária extensiva de corte, esta sim ocupa grandes áreas com baixa eficiência.

    Aliás, não há, hoje, justificativa técnica nem econômica para a pecuária extensiva. Serve apenas para os rualistas udenistas manterem ocupadas as terras em níveis semi-produtivos.

  10. O problema dos veganos que querem transformar uma religião em ..

    O problema dos veganos que querem transformar uma religião em ciência. Simplesmente os motivos veganos são além de princípios religiosos são princípios anti-naturais.

    Eles colocam o homem como um ser a parte do resto da natureza que a partir de conceitos éticos, religiosos e filosóficos criminalizam todos os seres carnívoros, carniceiros e hominívoros, a primeira etapa é convencer os humanos que comer derivados de animais é um crime, após isto talvez os animais carnívoros serão considerados animais impuros e criminosos que não tem direito de viver numa sociedade ideal de vegetarianos.

    Começaram com os humanos, provavelmente os felinos estarão na próxima lista de animais a serem esterilizados para não contrariar a religião vegana.

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