Crise fiscal é um problema independente da Selic, diz Everardo Maciel

Jornal GGN – A polêmica em torno da manifestação do Banco Central antes da decisão da taxa Selic parece uma “manobra diversionista” para tirar atenção do desequilíbrio das contas públicas. A opinião é de Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal do governo FHC, que também diz achar “controverso” dizer que o aumento da Selic conseguiria controlar a inflação. 

Em entrevista para a Folha, Maciel fala que a crise fiscal é um problema autônomo, independente da taxa de juros, e também crê que não há relação entre a decisão do Copom e o relatório do FMI.

Da Folha

Precisamos de “comissão da verdade fiscal”, diz ex-secretário da Receita

Para o especialista em tributação Everardo Maciel, é duvidosa a chance de o governo controlar a inflação, e a polêmica criada pela manifestação do BC à véspera da decisão parece até “uma manobra diversionista” para tirar a atenção do desequilíbrio das contas públicas.
 
O ex-secretário da Receita Federal por oito anos (nos governos FHC) diz que o Brasil precisa de uma “comissão da verdade fiscal”.
 
“Não há verdade fiscal, tudo foi mascarado e embaralhado, se fez de tudo para esconder o problema, que nasceu da imperícia, da arrogância, da negligência e tudo o mais.”
Folha – A trajetória da dívida pública é crescente e houve enorme polêmica sobre se o BC deveria ou não subir os juros. O sr. acha que o país está em dominância fiscal [quando a piora nas finanças públicas limita o uso de juros para controlar a inflação]?
 
Everardo Maciel – Estamos nos limites da dominância fiscal. E para superar isso só há um remédio, que é deplorável: a inflação, que já está num patamar lamentável. Ou seja, o estrago fiscal foi grande.
 
Como viu a polêmica sobre a comunicação do BC em relação à taxa de juros?
 
A crise fiscal é um problema autônomo, que existe independentemente da taxa de juros. E acho controverso, nessas circunstâncias, dizer que um aumento da taxa teria efeito contra a inflação.

 
Mas repito, qualquer que fosse a decisão, não há muita possibilidade de dar certo. Esse aumento não lida com o verdadeiro problema da crise fiscal -e a polêmica criada até parece uma manobra diversionista.
 
Vivemos um conflito de expectativas desnecessário nesse anúncio da Selic, pois, qualquer que fosse a decisão, haveria expectativas frustradas. Criou-se um quadro de expectativas perigosas, delicadas, cujo desfecho será sempre ruim. Há uma incredulidade em relação ao ajuste fiscal e não haverá nada possível sem firmeza e determinação para enfrentar esse assunto.
 
O sr. vê nexo entre a decisão do Copom e o relatório do FMI?
 
Não. Esses relatórios do FMI sempre têm um grau defasagem grande. E a simples alusão, parece muito mais um pretexto do que uma explicação. Veja o grau de confusão em que estão as coisas: no limite, não aumentar, porque o FMI não gostou, o que parece uma coisa risível, quase anedótica.
 
Na última semana de 2015, o PT apresentou na Câmara a propostas de nova tabela do Imposto de Renda que tributaria em 40% aqueles que ganham mais de R$ 108 mil mensais e que isentaria salários de até R$ 3.390. Segundo dizem, isso geraria R$ 80 bilhões em aumento da arrecadação. Como o sr. vê tal proposta?
 
Essa proposta é completamente inviável -e possivelmente diminuiria a arrecadação, ao elevar o nível de isenção. E a nova alíquota não alcança ninguém. R$ 80 bilhões é uma fantasia absoluta!
 
Nós temos uma grande crise fiscal que não surgiu por geração espontânea. Foi produto de uma sucessão de erros, erros inacreditáveis, que em boa parte começam com o aumento extraordinário das despesas.
 
Não se pode cobrar da sociedade um aumento de impostos, em virtude dos erros cometidos, sobretudo porque não está claro para ninguém que foram esgotadas as possibilidades de cortes de gastos.
 
Boa parte do nosso orçamento está associado a despesas obrigatórias. Decorre por sua vez de uma norma constitucional ou infraconstitucional.
 
A primeira questão é: que tal mudar a norma? Despesas obrigatórias deveriam de deixar de ser obrigatórias. Não há uma cláusula pétrea -e isso pode ser alterado.
 
Sobretudo, não existe nem sequer uma clareza de que foram esgotadas as possibilidades. A solução começa pela transparência, dizendo que os problemas foram tais, os erros tais foram cometidos.
 
Não adianta dizer que não tem como alterar. Aumentar tributos em situação de recessão nunca foi remédio para nada, ao contrário: você vai amplificar os problemas que hoje existem.
 
E a questão das pedaladas fiscais?
 
Quitar as pedaladas foi uma boa medida. Aponta na direção da transparência, o que é positivo, especialmente em relação às instituições financeiras oficiais. Tudo isso é bom, mas é preciso agora claramente abrir o orçamento, identificar problemas e compartilhar claramente as questões com a sociedade.
 
E o governo tem condições de protagonizar uma discussão nesse sentido?
 
Não há outro caminho. Quem não tem alternativa, não tem problema: precisa agir. Senão vamos ficar patinando. Eu não chego a refutar de pronto que, numa situação emergencial, num momento crítico, não se possa fazer uso de um aumento de tributação, por um tempo determinado, para cobrir os estragos que foram cometidos. Mas essa demanda deve ser precedida de uma maior clareza, de uma maior transparência quanto à natureza do problema. Isso pode ser feito por lei ou por emenda constitucional, o governo não pode fazer isso por decreto. Ou seja, com relação ao orçamento, estamos precisando de uma “comissão da verdade fiscal”.
Não há verdade fiscal, tudo foi mascarado e embaralhado, se fez de tudo para esconder o problema. Um problema que nasceu da imperícia, da arrogância, da negligência e tudo o mais…
 
Como o Brasil pode sair dessa crise fiscal?
 
Estamos vivendo turbulências. O Brasil perdeu a aura de querido do mercado internacional, lamentavelmente estamos numa posição secundária. Nessa circunstância vai ser difícil atrair investimentos estrangeiros.
Mas sempre há o que fazer, não adianta ficar se lamentado. E não há uma solução única! Como disse, apreciei as medidas relativas à solução das pedaladas fiscais, ainda que alguns atribuam essas providências a uma certa cautela com relação ao que poderia avir em termos de um processo de impeachment. Concretamente, a providência foi boa, mas falta credibilidade ao governo.
Foram rompidos os laços de confiança com a sociedade. É preciso cuidar de gestão, ter uma agenda positiva. Todo o tempo gasto em 2015 foi usado para deter o impeachment ou para se defender das ações associadas à Lava Jato, não houve uma agenda positiva.
 
E a chamada complexidade tributária no Brasil?
 
Há tanto o que fazer em termos de simplificação! Vamos separar a complexidade em duas vertentes. Uma é a da própria matéria tributária. A outra é a complexidade decorrente dos procedimentos.
Em matéria de Imposto de Renda, nossa legislação é extremamente moderna, mas alguns querem complicá-la. Na área da tributação do consumo, especialmente a PIS, Cofins e ICMS, é muito próxima do caos.
Mas dá para resolver, apontando e enfrentando problemas específicos. Simplificar a questão das certidões negativas. Essa questão da repatriação de recursos também foi caótica.
Claro que sou a favor, mas não se pode estabelecer vantagens a quem cumpriu a lei, porque isso é um estímulo ao descumprimento. Inventam regras relacionados ao ganho de capital. Ganho de capital de quê? É difícil ser pior.
 
Politicamente, o sr. vê chance de melhorar?
 
Quando usamos uma linguagem clara para apontar os problemas e debater as possibilidades, começamos a criar as condições para a solução. Sem isso, sem uma proposta bem urdida e bem encaminhada, não vamos avançar. Estou fazendo um esforço para superar esse inevitável ceticismo, o desalento com relação ao Brasil, que lamento profundamente. Mas eu respiro e penso, não, ainda é possível!
 
Já na Argentina, parece que o pessimismo virou otimismo. Trocamos de posição?
 
Na Argentina entrou um governo que disse: nossos problemas são esses, vamos resolvê-los. O presidente Macri está recrutando a confiança da sociedade, dos investidores estrangeiros, por sua postura adequada, com uma formulação adequada, com um encaminhamento adequado -e tudo isso cria as próprias condições de viabilidade. Macri chegou recentemente, mas já se vê com outros olhos, houve uma mudança aquela Argentina que era prisioneira do fantasma do atraso do peronismo. Mas ninguém se iluda, essas forças vão se mover. A vida do Macri não deverá ser fácil. Essas pessoas têm poder e vão se reaglutinar, ninguém renuncia ao poder. 
Redação

12 Comentários

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  1. De novo!?

    De novo, a história de desequilíbrio das contas públicas, antessala da famigerada austeridade que arrasou a Europa, o Brasil de FHC e o Brasil de Levy. Haja saco! 

    Outra estupidez, ou presunção implícita de que as pessoas são estúpidas, é a declaração de que desequilíbrio fiscal não tem relação com Selic. Como não tem? Ao aumentar a Selic, a dívida do governo aumenta, e não qualquer dívida, mas uma dívida monstruosa, provocando desequilíbrio das contas, o que agrava, ou implica por si só, a crise fiscal.

    Como diria Romário, Everardo Maciel calado é um Bocage.

  2.  “A crise fiscal é um

     “A crise fiscal é um problema autônomo, que existe independentemente da taxa de juros”

    Me explica de novo pois não entendi.

    Praticamente 50% do orçamento é para pagamentos de juros da divida publica. A maior parte desta divida esta atrelada a Selic. Então como é possivel a crise fiscal não estar relacionada a taxa de juros?!

    1. A crise fiscal é um problema

      A crise fiscal é um problema autônomo, que existe independentemente da taxa de juros, e eu sou o coelhinho da Páscoa. 

  3. O que esperar de quem dá tribuna a Kataguiris?

    Amigos do Blog,

    Sinceramente, nada mais se poderia esperar de um veículo que nos brinda com colunas de Kataguiris da vida.

    A velha e batida retórica de que é preciso cortar nos programas de políticas públicas para fazer bonito a banqueiros internacionais e atrair os “fabulosos investimentos estrangeiros”, que mais me parecem “capital especulativo estrangeiro”, uma vez que esses recursos jamais são aplicados em nada que desenvolva o país…

    Quando, eu pergunto, vai cessar a “síndrome de vira-lata”  dessa classe dominante brasileira (elite me parece ser outra coisa que não meramente elite financeira e econômica…) que sempre quer viver de dinherio emprestado da metrópole? Acordem, otários, países soberanos são aqueles que menos dependem de especuladores e piratas internacionais.

    Eu me pergunto: para onde vai a economia real se entregarmos de novo o leme do barco aos insanos tucanos? O que restará além de terra arrasada? 

    Ao ouvir esses lamentos típicos de tucanos de alta-plumagem que perderam a boquinha, fico pensando o que falta para o Governo Federal resolver mostrar autoridade e definir de vez que “Não mais mamarão!!!”

    Por outro lado, que perdoe o espetacular Mestre Luís Nassif, mas não sei o que a propaganda do PSDB está fazendo nesse nosso adorado espaço.

    Forte abraço,

    Gilberto.

  4. o everardo até pode acertar

    o everardo até pode acertar em alguns pontos,

    mas esse posiciionamento a favor do direitista macri mostra de que lado está…

    nem precisa levantar os dados biográficos neonliberiais dele.

  5. O Gustavo Franco da Receita Federal.

    Gestor da Receita Federal quando o Governo Federal criava a CPMF.

    “Despesas obrigatórias deveriam deixar de ser obrigatórias”. Um primor de declaração vaga. Ou não, pois naquela época em que as pedalas eram permitidas, e os desvios de valores de Contribuições arrecadadas para fins do orçamento da Seguridade Social (sáude, previdência social e assistência social) iam para o pagar o FMI, isso era bem possível.

    As despesas com com educação e saúde deveriam deixar de ser obrigatórias? A conta de juros, serviço da dívida, estaria fora dessa? Poderíamos dar um calote social, mas o financeiro, nem pensar. Seria isso. Diga claramente.

    E a SELIC não impacta no fiscal? Como assim? Despesa com juros em 2015 é maior que 15 anos de Bolsa Família, segundo o cantas abertas (http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/11858)

    E o Doutor Everardo Maciel poderia ter falado em sonegação, né? Segundo o Sindicato dos PGFN seria estimada em R$ 500 bi em 2015, sete vezes maior que a corrupção estimada, conforme matéria da Carta Capital (http://www.cartacapital.com.br/economia/sonegacao-de-impostos-e-sete-vezes-maior-que-a-corrupcao-9109.html

    E a evasão fiscal, mais de R$ 400 bi em 2010, segundo consta em reportagem da BBC sobre o tema, em que se estima que os brasileiros “ricos” sejam a 4ª fortuna mundial guardada em paraísos fiscais. (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150415_brasil_zelotes_evade_fd)

    Lembre-mo-nos que foi durante o Governo que o Senhor fez parte que os sonegadores tiveram o benefício da extinção da culpabilidade quando pagam o tributo e multa cobrados antes da ação penal, ou mesmo quando entram num parcelamento, como o pessoal da TV Globo fez. Nada contra isso, mas soa estranho o Senhor não falar de sonegação e de evasão de divisas nesse instante. Com problemas fiscais, da monta de cerca de R$ 100 bi, em 2015, pra fechar a conta, seria algo a considerar, ou não?

    E quando o senhor administrou a Receita Federal cobrando a CPMF, antigo IPMF, o Senhor era a favor ou contra? Olha que interessante, o Senhor era a favor. (http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,AA1628721-9356,00-EVERARDO+MACIEL+DEFENDE+CPMF+DIZENDO+QUE+TRIBUTO+E+EFICIENTE+SIMPLES+E+DE+B.html)

    E o PT era contra, naquela época. Pois dizia que o dinheiro ia para o FMI, como foi. As coisas mudam, Senhor Everardo.

    Agora, majorar a alíquota do IR de quem ganha mais de R$ 100 mil mensais, e isentar quem ganha R$ 3,4 mil, o Senhor é contra a proposta?

    Sei, entendi.

  6. “A crise fiscal é um problema

    “A crise fiscal é um problema autônomo, que existe independentemente da taxa de juros.”

    A declaração agride o bom senso e a aritmética.

  7. A solução criticada foi adotada pelos governadores do PSDB

    “Aumentar tributos em situação de recessão nunca foi remédio para nada, ao contrário: você vai amplificar os problemas que hoje existem”, diz o texto acima. Engraçado é a Folha não dizer aos seus leitores que Alckmin e, principalmente, Beto Richa fizeram justamente o que o entrevistado condena, aumentaram ICMS, IPVA, água, taxa de cartório, etc.

  8. Outro mentiroso!!!

    A Selic é a base do sistema de juros e inflação no país.

    Toda TIR é baseada na Selic. Se a Selic for 0% aa a Tir será baseada em outro sistema de juros, qual sistema é mais seguro que ela? 

  9.  
    Diz a sumidade Everardo

     

    Diz a sumidade Everardo Maciel: em defesa do play boy Macri. O Aécio portenho, lá dos argentinos

    “A vida do Macri não deverá ser fácil. Essas pessoas têm poder e vão se reaglutinar, ninguém renuncia ao poder.”

     Porrêta essa! Então uns gajos que jamais se dispuseram a largar o osso. Embora estejam mamando no poder desde que os Donatários receberam de mão-beijada as Capitânias Hereditárias. Êita conservadorismo da pega, puta-merda! A turma da tucanolândia só tem mudado de nome: ora é donatário, noutra é “luizia” ou “saquarema” no que redunda absolutamente no mesmo. Depois, lá vem UDN, ARENA, PSDB, e vamo quê vamo. Tudo a mesma merda. Alternância no poder? Ah! Vai.  Exceto em curtos hiatos que se conta com poucos dedos de uma mão: tivemos o Getúlio Vargas, suicidado pelos democratas de então; depois o Jango, deposto pelos mesmos; atualmente o Lula e a Dilma, e os mesmos na velha toada golpista. Árre Égua! Pra esses cabras da peste, estas ocorrências são fendas, brechas que devem ser imediatamente golpeadas e tamponadas.

    Ora é choque de gestão, noutra, é conhecimento e competência técnica, que apenas eles detém. Quando no governo, os merdas sabem muito bem de produzir desemprego, inflação, impostos altos no lombo das maiorias assalariadas, e criar isenções e alíquotas reduzidas para os “brancos da tucanolândia” E, tome-lhe a cortar gastos nas despesas com a senzala. E assim, sobrar mais pra dar um gráu no avarandado da Casa-Grande, e, incrementar a concentração da renda dos cheirosos 1% mais ricos.

    Ah! Everardo, vai amaciar a cabeleira do zezé. Aproveita, e vê se estou na esquina. Vai!

     

    Orlando

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