Ex-secretário de segurança acusa Alckmin de buscar ‘dividendos políticos’ com ameaças do PCC

Do Valor

“Alckmin busca dividendo político com ameaça do PCC”
 
Por Vandson Lima e Fernando Taquari 

Em sua primeira grande entrevista desde que deixou o cargo de secretário estadual da Segurança Pública de São Paulo, há um ano, Antônio Ferreira Pinto diz que o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), busca lucrar politicamente com supostas ameaças de morte feitas por integrantes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), captadas em escutas policiais. “Ele está aproveitando para colher dividendos políticos”.

O ex-secretário, demitido quando da subida dos índices de violência, no ano passado, diz que essas escutas, nas quais um integrante da facção fala em “decretar” o governador, são conhecidas da cúpula da segurança pública desde 2011 e não tem credibilidade alguma. “A informação é importante desde que você analise e veja se ela tem ou não consistência. Essas gravações não tinham”. Entre os que estavam sabendo disso há pelo menos dois anos, diz Ferreira Pinto, está o atual secretário de Segurança, Fernando Grella, então procurador-geral.

“Lamentável. [O governador] deve ter suas razões. Eu acho que é mais pelo viés político. Porque na hora que diz ‘Não vou me intimidar’, ele está também dando um ‘upgrade’ para a facção”. Questionados, o secretário e o governador não quiseram se manifestar sobre as declarações.

O ex-secretário, que trabalhou em cargos diversos com todos os governadores de São Paulo nas últimas duas décadas – Luiz Antônio Fleury Filho, Mário Covas, Geraldo Alckmin, Alberto Goldman, Cláudio Lembo e José Serra – vê neste último o melhor gestor com quem trabalhou. Nas entrelinhas, dá a entender que Alckmin nunca lhe deu a autonomia necessária ao cargo.

Sobre a atual gestão da segurança, diz que faltou uma ação mais coerente da PM nos protestos, o que ocorre, em sua visão, por falha no alto comando. Diz também que seu legado está sendo desfeito pelo atual secretário.

Ferreira Pinto acabou de completar 70 anos. Recém-filiado ao PMDB por influência de Fleury, que conhece desde os tempos de academia militar, e Skaf, já que está prestando consultoria em segurança pública para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ele deve concorrer a uma cadeira de deputado federal em 2014. A seguir, alguns trechos da conversa exclusiva com o Valor:

Valor: O Ministério Público Estadual concluiu um mapeamento do crime organizado no país que mostrou o tamanho e poder do PCC. Quando secretário, o senhor disse que a organização não tinha mais que 30 integrantes. Errou?

Antônio Ferreira Pinto: Essa apuração evidenciou exatamente aquilo que venho afirmando sempre. A facção se compõe de uma liderança de 30 a 35 elementos. Tanto é assim que o MP pediu a internação de 32 presos no Regime Disciplinar Diferenciado. Os demais, que eles arregimentam na rua, apenas cumprem ordens e têm papéis absolutamente subalternos.

Valor: Por que a investigação apareceu agora?

Ferreira Pinto: As escutas começaram em 2006. Ao longo dos anos resultaram em 86 volumes de documentos e mais 800 apensos só de escutas.

Valor: Então o senhor tinha domínio dessas escutas?

Ferreira Pinto: Depois que eu saí, um jornal de grande circulação publicou que o secretário [Fernando Grella] desativava uma central clandestina de telefones. É uma inverdade tão grande que eu lamento que o secretário não tenha colocado as coisas no devido lugar. Ele era o procurador-geral de Justiça. Ele foi três vezes lá cumprimentar o pessoal que fazia as escutas. E ele não veio a público dizer, inclusive, que essa escuta tinha como principal protagonista o próprio Ministério Público. Porque era ele que fazia.

Valor: Grella conhecia essa investigação a fundo?

Ferreira Pinto: Por uma ironia do destino, aquele que era o responsável maior, como procurador-geral, acabava de assumir o cargo de secretário de Segurança Pública. Ele tinha obrigação de vir a público e dizer que a escuta não era ilegal e que ele tinha plena ciência, tanto que foi lá três vezes cumprimentar o pessoal pelo trabalho desenvolvido. Como eu, o procurador também tinha conhecimento desses fatos.

Valor: Como viu a ameaça de morte ao governador?

Ferreira Pinto: Veja, um deles, que é proeminente da facção [refere-se a Marcola, líder do PCC], disse que a facção diminuiu a taxa de homicídios. Isso é fanfarronice. Foi assim que o governo classificou, e está certo. Agora, quando um outro preso disse que ia “decretar”, que na gíria significa que vai matar o governador, não é fanfarronice? Foi no mesmo contexto, em 2011. Aí vem o governo e diz “Não vou me intimidar”. Ele está aproveitando para colher dividendos políticos.

Valor: O governador tinha ciência dessa escuta?

Ferreira Pinto: Não. Esse fato não tinha credibilidade nenhuma. A informação é importante desde que você analise e veja se ela tem ou não consistência. Essas gravações não tinham. Tanto que o promotor passou ao largo delas. Eu não vejo uma coerência aí de alguém que exerce um cargo público da relevância que é a segurança de São Paulo.

Valor: O senhor sabia que esse tipo de coisa tinha sido gravada?

Ferreira Pinto: Eu tinha plena ciência disso. Não tem credibilidade alguma. Lamentável. [O governador] deve ter suas razões. Eu acho que é mais pelo viés político. Porque na hora que diz “Não vou me intimidar”, ele está também dando um “upgrade” para a facção. Está admitindo que há credibilidade numa conversa isolada. Seria um argumento de ouro se o MP tivesse uma interceptação ou gravação em que realmente o governador estivesse sendo ameaçado de morte. Seria o principal argumento que ele usaria para pedir o RDD para os 32. O MP não usou porque analisou e viu que era uma declaração irresponsável. É como alguém dizer aqui, “Ah, vou matar o Obama”.

Valor: Então em 2011 o senhor sabia das escutas, o Grella sabia e ninguém levou a sério?

Ferreira Pinto: Comecei a trabalhar com o sistema penitenciário em 1993. Conheço muito bem o sistema, a postura do preso e o que deve ou não ter credibilidade. Não há como levar a sério uma alegação de um indivíduo que está dentro da cela, que fala o que bem entende e até, muitas vezes, sabe que está sendo escutado.

Valor: Qual a sua avaliação do PCC hoje?

Ferreira Pinto: Tudo se atribui ao PCC. Basta ter um pouco mais de audácia ou violência que se fala que é o PCC. Um indivíduo, quando quer se impor na periferia fala que é do PCC. O PCC é uma grande franquia. Se essa facção precisasse de uma empresa de marketing, não gastaria um tostão.

Valor: Alguns cientistas políticos acreditam haver uma espécie de “pax mafiosa”, com o PCC dominando certas atividades criminosas. Como não há disputa por territórios, o número de homicídios cai.

Ferreira Pinto: Isso não tem sentido nenhum. Aliás, eles não tem comprometimento de diminuir a criminalidade, ao contrário.

Valor: O episódio com o PCC pode beneficiar o governador eleitoralmente?

Ferreira Pinto: Eu nunca fui político, qualquer manifestação nesse sentido vai parecer um ressentimento porque deixei de trabalhar com ele. O que não é. Me recolhi durante um ano. Mês que vem vai fazer um ano que eu saí. Eu não dei entrevista até agora.

Valor: É a primeira vez que o senhor fala da sua saída da secretaria. Como avalia o que ocorreu?

Ferreira Pinto: Evidentemente fui um secretário que fui muito contundente com a corrupção. Transferi a corregedoria da Polícia Civil para o meu gabinete. Vários policiais civis e militares foram demitidos. Contrariei interesses ao longo desse período. Durante o tempo em que fui secretário ninguém loteou distrito policial, seccional de polícia ou uma diretoria. Sempre foi escolha minha segundo os meus critérios, expurgando qualquer critério político, qualquer pedido.

Valor: O senhor recebeu esse tipo de pedido, de indicação?

Ferreira Pinto: Comigo não houve porque eu tinha uma postura bem clara desde o início. Mas a gente sabe que historicamente há muita influência política na nomeação de cargos.

Valor: Se sentiu injustiçado?

Ferreira Pinto: Não, eu sempre trabalhei como se fosse o último dia desde que assumi a secretaria. É um cargo instável, ao sabor dos acontecimentos e das crises. Além disso, nessa quadra da vida não tinha nenhuma ilusão de que iria ficar lá muito tempo. Tinha plena ciência de que havia pressões. Isso a gente notava.

Valor: De onde?

Ferreira Pinto: As pressões existiam, mas não eram em cima de mim. Em outros segmentos devem ter ocorrido pressões e alguns interesses eram contrariados.

Valor: Mas por que o senhor não foi bancado pelo governo?

Ferreira Pinto: Nessa função a tabela é de ponto perdido, não de ponto ganho. O que você fizer de bom é obrigação. Os desafios na segurança são muito grandes. Você nunca consegue o seu objetivo. Agora, o governador entendeu que tinha que mudar, eu respeito. O cargo é dele, mas eu também não me iludo. Ele me manteve pela minha performance anterior. Não foi por lobby. Ele entendeu que politicamente deveria me convidar para permanecer. Não era uma escolha pessoal.

Valor: Como o senhor avalia as ações atuais na área de segurança?

Ferreira Pinto: A gente vê que a crise é muito grande. Fica difícil eu fazer uma crítica à política de segurança de São Paulo. Só constato com tristeza que muita coisa que foi feita em três anos e nove meses acabou sendo desfeita em quatro ou cinco meses.

Valor: Como o quê?

Ferreira Pinto: Veja bem, a Polícia Civil de São Paulo tinha um modelo de atendimento ao público de 40 anos. Era um balcão de atendimento. Ela não tinha estrutura para fazer a parte de investigação e de atendimento. Esse modelo foi modificado após um estudo. Nós criamos 11 centrais de flagrantes. Elas faziam com que os demais distritos pudessem dar tratamento mais célere para quem vai comunicar um roubo de um celular, por exemplo. Economizava duas horas. Foi um grande avanço. Em uma entrevista, o atual secretário disse que foi uma medida ruim feita por mim, pois teria aumentado os latrocínios. Ele disse que já havia corrigido isso aumentando as centrais de 11 para 28. Ora, se era ruim por que aumentou? É uma incoerência grande. Essas colocações mostram que não houve continuidade administrativa na secretaria. Não estou criticando. É uma constatação.

Valor: Alckmin concordou com esse modelo?

Ferreira Pinto: O governador foi às 11 inaugurações. Foi feito atendendo a um pedido dele. Na primeira semana de governo, falou que queria um outro modelo de atendimento. E estava coberto de razão. Se você é maltratado e toma um chá de banco para fazer uma ocorrência, você não volta. Aí, criminalidade diminui. Quando instituímos essas centrais sabíamos que as notificações iam aumentar, logo, que os índices criminais também. Mas a minha administração não trabalhou ao sabor de índices criminais.

Valor: A atual secretaria trabalha ao sabor dos índices?

Ferreira Pinto: Há uma série de incoerências que lamentamos.

Valor: Qual a sua avaliação sobre a condução da polícia durante as manifestações?

Ferreira Pinto: Fica difícil fazer uma avaliação do meu sucessor por questão de ética. É uma coisa nova. Portanto, é natural que a secretaria estivesse desarmada para enfrentar situações como essa. Mas se ora a polícia age com muita violência, ora deixa os manifestantes queimarem coisas e depredar o patrimônio, há um problema de comando.

Valor: O senhor parece ter algum rancor com a demissão.

Ferreira Pinto: Tenho uma honra muito grande em ter trabalhado com os governadores com que eu trabalhei. Dentre eles eu destaco sem sombra de dúvida o professor Lembo, o Goldman e o José Serra. São três governadores que me deram todo ao apoio. Sou suspeito para falar do Fleury. E com o Covas eu trabalhei muito pouco. É por isso que dou ênfase ao trabalho do Serra. Como seu secretário, foi um período muito bom, com total apoio. É muito confortável trabalhar com ele.

Valor: E com Alckmin?

Ferreira Pinto: Com o governador Alckmin nossa relação sempre foi absolutamente formal.

Valor: Como a polícia vê o governador Alckmin?

Ferreira Pinto: Essa é uma questão polêmica. Não vou falar porque acho que minhas palavras podem ser distorcidas. Peço para não emitir meu juízo de valor a respeito disso. Mas a segurança é uma área técnica e difícil. Seu titular está sempre a título precário. Mas não pode ser utilizada como instrumento de política partidária. Tem que ser um órgão eminentemente técnico.

Valor: Sua saída foi traumática?

Ferreira Pinto: A minha saída não foi traumática. Já sentia que iria sair.

Valor: Como um secretário sente que vai sair?

Ferreira Pinto: Ele [Alckmin] pediu que o chefe da Casa Civil conversasse comigo. Era o Sidney Beraldo [hoje conselheiro do Estado]. Quando o Beraldo veio, me ligou, “Olha, dá para conversar com você…” Ele sempre dizia o assunto antes. Quando pediu para passar no fim da tarde no gabinete, eu fui, ele coçou a cabeça, aí falei, “Beraldo, vou facilitar para você, meu cargo está à disposição”. Fomos lá conversar com o governador. Não coloquei nenhum empecilho. A conversa não demorou dez minutos.

Valor: O senhor havia levado um protegido seu, o Coronel Telhada, hoje vereador, para o PSDB.

Ferreira Pinto: Entendi que ele era um nome forte eleitoralmente. Quem levou o Telhada para a Rota também fui eu, a despeito de uns problemas que existiam dentro da própria Polícia Militar.

Valor: Que tipo de problema?

Ferreira Pinto: Ele tinha várias ocorrências de resistências [seguidas de morte]. Mas todas elas no estrito cumprimento do dever legal. Ele fez um trabalho muito bom. A Rota apreendeu nos meus dois últimos anos mais de R$ 2 milhões em dinheiro vivo. Isso deu muita visibilidade ao Telhada. Na ocasião, achava que ele deveria se filiar ao PSDB. O Serra era candidato [a prefeito]. Telhada foi eleito com 89 mil votos. Não teve ajuda nenhuma do partido. Nem na parte financeira e nem em horário gratuito na televisão. O Telhada pensou seriamente em sair do PSDB, porque ele fica sem discurso pela forma que está sendo tratada, na visão dele, a secretaria de Segurança Pública. Depois houve uma recomposição e ele permaneceu.

Valor: O senhor recebeu convites para se filiar?

Ferreira Pinto: Vários convites, do próprio PSDB, do PSD e do PMDB. E por uma questão de coerência, já que estou trabalhando na Fiesp, me filiei ao partido no qual Paulo Skaf será candidato.

Valor: O senhor está ajudando o Paulo Skaf a montar um programa de governo na área de segurança?

Ferreira Pinto: Estou ali assessorando na Fiesp na área de segurança. Não tem especificamente uma atividade de elaborar plano de segurança para candidato. Pode ser que eventualmente no futuro possamos conversar a respeito.

Valor: Seria candidato a quê?

Ferreira Pinto: Deputado federal. Apesar de ter 70 anos, tenho muita garra. A única coisa que me motiva um pouco é voltar a ter voz. Tenho bom relacionamento nas polícias militar e civil. É evidente que aqueles a quem eu desagradei são meus desafetos. Isso é normal. Eu, como secretário, não passei vontade. Não comi pelas mãos de ninguém. Não fiz média com ninguém e ainda durei três anos e nove meses.

Valor: Com que plataforma se candidataria?

Ferreira Pinto: Tenho várias bandeiras de combate à corrupção. Reformular algumas lacunas da lei. No caso das manifestações, por exemplo, se a conduta é potencialmente ofensiva e você vai criminalizar essa conduta, dá três meses a um ano de pena. Crimes cometidos em multidão realmente são difíceis de individualizar e ter condições de manter a prisão com embasamento legal. Formação de quadrilha, por exemplo, precisa caracterizar a habitualidade dessa atividade. Corrigir essas distorções legislativas com relação ao exame criminológico, tipificar melhor o crime de introdução de celulares em presídios, ter uma corregedoria mais forte, um órgão de nível nacional para coordenar o combate à corrupção institucional.

Valor: Não há possibilidade de o senhor voltar para secretaria de Segurança em uma gestão Skaf?

Ferreira Pinto: Isso eu assino embaixo. Jamais voltarei a ser secretário da Segurança. [Irônico] Isso causa muita atribulação aos meus desafetos. Até para tranquilizá-los, não tenho a mínima pretensão em ser secretário.

 

Redação

7 Comentários

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  1. PCC é puxador de votos do PSDB em São Paulo

    As ações/ameaças do PCC ajudam tremendamente o PSDB nas eleições para governador em São Paulo. Sempre que se aproxima a eleição para governador, desde 2006 quando o PCC criou aquele mês do terror e o impacto na urna foi positivo para os atuais governantes, que o PSDB usa essa facção para acender a chama conservadora dos eleitores e esvazia a oposição.

     

  2. Pela terceira vez digo aqui

    Pela terceira vez digo aqui no blog, a única chance do alckmin é ser tachado de vítima.

    Observe o movimento da imprensa…

     

    Daqui a pouco vai ter alguma explosão perto dele…

  3. …. ate posso acreditar em

    …. ate posso acreditar em suas colocaçoes , mas garanto q o governador nao abriu mao de sua segurança pessoal, e de sua familia, ou ate a tenha dobrado .

  4. Não só PCC, black blocs também…

    Do Diário do Centro do Mundo

    Quem bateu no coronel Rossi?

     

    A política de segurança pública brasileira foi cercada pela polícia.

    Para romper o cerco, há dois dentre milhares de crimes cujo esclarecimento é indispensável.

    Onde está Amarildo?

    Quem agrediu o coronel Rossi?

    A violência policial em São Paulo atingiu níveis inadmissíveis numa suposta democracia e estado de direito há muito tempo.

    Os atuais conflitos com black blocs – nunca é demais lembrar – foram precedidos por crimes gratuitos em sucessão, desde omissão durante a Virada Cultural paulistana até tiros no olho de fotógrafos e senhoras de idade.

    A história de crimes violentos cometidos pela polícia é antiga. Pode-se recordar facilmente justiceiros como o cabo Bruno e as reações aos ataques do PCC em 2006 que marcam o início da escalada que estamos vivendo até hoje.

    A tragédia da família Pesseghini foi a gota d’água. Ela revelou a perda do controle da violência dentro de casa. Mais, que ela já se tornou uma cultura. Ninguém quis admitir a hipótese de uma violência contra a polícia que não viesse de fora, que não fosse obra de black blocs e PCCs.

    A violência já estava transbordando pelo ladrão. A Polícia Militar percebeu que todo mundo percebeu, e entrou em pânico.

    O que deveria ser a solução tornou-se um problema. Apesar de ter percebido, ela foi incapaz de admitir e mudar de atitude. Pior, entrou em crise existencial e, como uma criança mimada, passou a se eximir de culpa e a acusar todo mundo, só ou com apoio dos amigos.

    Foi assim que chegou a haver um protesto na avenida Paulista contra a violência. Da polícia carioca, é claro.

    E é assim que ela agora elege os “black blocs” como a grande ameaça à paz social. Exatamente nos dias seguintes aos protestos contra a morte do jovem estudante e trabalhador da periferia que pararam a via Fernão Dias. Essa foi uma manifestação considerada legítima e não foi reprimida. Afinal, a repressão maior já estava feita.

    “Por que o senhor atirou em mim?”, foi a última dúvida da vida de Douglas Rodrigues, aos 17 anos.

    “Por que vocês bateram em mim?” é a pergunta que o coronel Rossi – agredido por manifestantes no centro de São Paulo na última manifestação legitima do Movimento Passe Livre – deveria fazer a si mesmo e a seus companheiros de farda.

    Porque, se os black blocs são uma novidade a ser ainda compreendida, a polícia paulista não é novidade alguma. É o que sempre foi.

    O ataque de supostos black blocs ao coronel Rossi ainda não foi esclarecido. Durante as manifestações anteriores do mesmo Passe Livre o responsável pelo ataque à sede da Prefeitura Municipal – fartamente documentado por repórteres e cinegrafistas – foi rapidamente identificado.

    O esclarecimento da morte de Amarildo se arrastou durante meses no Rio de Janeiro, e só começou a ser desvendado a partir da confissão dos policiais envolvidos.

    Sem confissão não há perdão, nem salvação.

    A promiscuidade entre a polícia e os meios de comunicação cresceu e se intensificou com os programas de reportagem policial na TV, uma mistura perigosa de entretenimento e jornalismo. Perigosa porque entretenimento é ilusão e jornalismo deve ser verdadeiro.

    Os programas fizeram sucesso, tanto para a polícia quanto para as emissoras de TV, que puderam melhorar suas combalidas audiências. Das perseguições hollywoodianas – ou bolywoodianas? – de bandidos em favelas, chegaram, enfim, aos protestos no Parque Dom Pedro. Em ambos os casos a ilusão impera sobre o jornalismo.

    Dezenas de fotógrafos e milhares de fotogramas foram incapazes de apontar quem bateu no coronel Rossi, e por quê. Não foram identificados sequer os repórteres e o autor da única gravação disponível.

    Sem imagens televisivas, a polícia não teve ainda capacidade para apontar um culpado indiscutível. As versões são contraditórias. As primeiras diziam que o coronel teve a clavícula quebrada. Como a agressão foi pelas costas, ele declarou que os omoplatas foram quebrados.

    A imagem mais importante nessa investigação é a do raio X do coronel, não o vídeo do YouTube.

    Por enquanto, só há um suspeito. Seu advogado alega que a agressão ao coronel não pode ser classificada como tentativa de homicídio, que ele não aparece agredindo ninguém em nenhuma imagem gravada e que só poderia ser preso em caso de flagrante. Se a Justiça der razão à defesa, temos aí mais uma vítima da violência policial.

    A violência dos outros, a da polícia carioca contra Amarildo, está cada vez mais próxima de uma solução. Talvez pela certeza de que seu desfecho será tão familiar, a milícia policial paulista está tão empenhada em encontrar um álibi. E os black blocs servem com uma luva negra.

    O depoimento do coronel Reinaldo Rossi à TV Globo não deixa dúvida. Ao se tornar um herói nacional defendido até pela presidente Dilma, Rossi tornou-se porta voz não só da polícia, mas do Estado. Depois de estrelar a maior videocassetada da TV brasileira, o coronel Rossi voltou à tela da Globo para afirmar e reafirmar seis vezes, do princípio ao fim, por 21 minutos, a necessidade de endurecer a legislação para a polícia poder amolecer a pancadaria nos inocentes das manifestações legítimas.

    Mais uma vez a polícia percebe a própria violência e mais uma vez indica que não consegue parar.

    É um vício e precisa ser tratado antes que o paciente continue reincidindo.

    Como no caso Amarildo, a confissão é indispensável para a cura.

    O doente que não percebe a própria doença não pode ser curado.

  5. Well… todo mundo sabe que

    Well… todo mundo sabe que Alckimin não tem política de inclusão para a periferia pobre assim como não quer ter o mesmo tipo de policiamento nos bairros nobres. E isto explica satisfatoriamente o sistemático assassinato de negros e pardos suspeitos (eufemismo para inocentes) cometidos por PMs nas favelas e a inexistência de acidentes e ‘balas perdidas que acertam transeuntes’ no Morumbi, Alto de Pinheiros, City Lapa e etc… Criminalizar a pobreza é algo que a tucanalha tem feito muito bem e com apoio da mídia paulistana, que nada deixa a desejar para aquela que foi construída e alimentada pelo Partido Nazista nos anos 1930 na Alemanha.

    1. verdade

      Falar a verdade não e falar mal.é a verdade. precisa coragem. (Secretario é cargo de confiança do Governador. Falar mal de quem confiou nele é no minimo falta de classe.)

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