Inclusão e CAIS, a ex-APAE de Contagem

Caro Luis Nassif,
 
Obrigada pelas considerações positivas com relação ao nosso trabalho. Gostaria de esclarecer alguns pontos: nossa fundação foi em 1971 e, portanto temos 42 anos (e não 47). De fato, sentimos muito em alterar nossa razão social, mas ao definir pelo Centro de Atendimento e Inclusão Social (CAIS) optamos por uma nomenclatura que melhor representasse nossos princípios, ética, a busca pela inclusão e autonomia das pessoas atendidas. CAIS significa um lugar de passagem, um ponto para se ancorar ao final de uma viagem em um porto seguro, ou a passagem para se embarcar em nova viagem e explorar novos horizontes. Este é um significante que melhor representa nossa missão. As crianças, jovens e adultos e seus familiares que estão em atendimento conosco têm este conhecimento e esta certeza de que aqui não é fim de linha ou a única opção de convívio social. Sou superintendente do CAIS, tenho formação em psicanálise e mestrado e doutorado em Ciências Sociais. Tanto meu mestrado, quanto o doutorado foram sobre a inclusão das pessoas com deficiência. O primeiro foi sobre a inclusão no trabalho e o segundo sobre o papel das organizações (escolas comuns e/ou especiais) no contexto inclusivo. Sou uma defensora da inclusão não só pelos estudos acadêmicos, mas principalmente por nossa prática institucional, pois quanto mais trabalhamos com a inclusão, mais percebemos seus resultados e mais a defendemos.
 
Com esta visão em relação à inclusão realizamos várias ações:
 
·         A inclusão escolar: desde 2003 as crianças em idade escolar vêm apenas para o atendimento educacional especializado, uma ação complementar e no contra-turno da escola comum.  Em função disso, fomos referência para o MEC, que ao implantar o AEE, em 2005 nos convidou a escrever um livro sobre este atendimento em conjunto com a professora da UNICAMP Maria Teresa Egler Mantoan. Desde 2006 fazemos a formação continuada de educadores da rede de Contagem, no modelo da discussão de caso e realizamos cursos de atualização para profissionais de diversos municípios e estados sobre a inclusão escolar e o AEE para a Deficiência Intelectual e Autismo. Em 2014 vamos realizar um curso de especialização no mesmo tema em conjunto com Universidade FUMEC de BH.
 
·         A inclusão no trabalho: desde 1998 empregamos trabalhadores com deficiência intelectual e já contamos com mais de 45 empresas parceiras na inclusão e temos 245 pessoas com deficiência intelectual empregadas na grande BH. Temos um trabalho de inclusão junto às empresas considerado modelo pelo Conselho Estadual de Trabalho e Geração de Renda (CETGER). Em 2009 recebemos o prêmio de melhor programa em Reabilitação Profissional na categoria Prestadores de Serviço. Segundo o Ministério do Trabalho fomos a 1ª instituição a inscrever o programa Jovem Aprendiz para jovens com deficiência e iniciamos neste ano de 2013 as primeiras turmas deste programa.
 
·         O trabalho clínico preventivo, bem como o embasamento na psicanálise para a deficiência intelectual e o autismo também são um exemplo de inovação para a área. Desde 2009 temos uma parceria com a maternidade municipal de Contagem para realizar o Acompanhamento de Bebês (AB) prematuros com risco para desenvolver uma deficiência ou o autismo. Este projeto foi referência para o programa PIPA lançado pela Secretaria de Estado de Saúde de MG neste ano. Mais recentemente fomos convidados a participar do Comitê da Deficiência Intelectual do Ministério da Saúde.
 
Mas, o fato de sermos pioneiros e até inovadores em alguns programas nos coloca a margem de processos e projetos já estabelecidos há muitos anos, esclareço:
 
A inclusão escolar: ao se contemplar o AEE, o MEC sustenta uma proposta inovadora (pesquisei em outros países a inclusão escolar e tem sido um desafio para todos os países membros da ONU), mas a implementação é lenta e prejudica aqueles que querem implantá-la. Havia o convênio com a Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG) que através da cessão de professores complementava esta ação na educação escolar. Mas, como você mesmo noticiou, este convênio foi cortado ao nos recusarmos a retroceder em nosso trabalho inclusivo. Ao solicitarmos à SEE- MG um convênio separado que beneficiasse a inclusão e nos reconhecendo como um Centro de Atendimento Educacional Especializado, esta Secretaria alegou que não poderia fazê-lo, pois precisaria da normatização e parecer do Conselho Estadual de Educação de MG para este fim. Este por sua vez nos informou que não sabia como fazê-lo, pois isto não existia para eles. Segundo eles, o nosso foi o primeiro pedido neste sentido e seria constituído um comitê técnico para fazer a deliberação, mas até hoje não temos o parecer ou nosso registro (tem mais de um ano que este pedido foi protocolado). Em consideração a projetos inovadores em prol da inclusão deveria haver uma acompanhamento na evolução das políticas públicas.
 
Com relação à inclusão no trabalho: existe a legislação específica que obriga as empresas a contratarem e define o emprego seletivo com a intermediação (que pode ser de uma organização social especializada). A pessoa que é mais comprometida, como no autismo ou na deficiência intelectual precisa dessa forma de colocação, um tipo de emprego apoiado no momento da contratação. Ou seja, colocamos as pessoas com deficiência e fazemos um trabalho intenso com as empresas para que estas pessoas não fiquem segregadas no próprio ambiente de trabalho, para que esta contratação lhe permita uma atividade laboral de fato e para que as famílias aceitem e percebam a importância desta colocação para a conquista da autonomia de seus filhos com deficiência. Tanto a educação profissional quanto a contratação exige uma equipe especializada, composta por educadores e profissionais da área clínica e social. Não existem recursos ou programas que permitam esta ação. Estas ações têm sido subsidiadas em parceria com as empresas e pessoas físicas que contribuem através de doações para a instituição. As empresas, por sua vez queixam custear uma ação que acham que deveria ser financiada pelo poder público.
 
Na área de saúde os entraves burocráticos são também semelhantes. O AB, um programa inovador na prevenção foi desenvolvido praticamente sem nenhum recurso público. Mais uma vez procuramos a sociedade civil e empresas para nos ajudar a pagar nossas contas. O projeto foi apresentado à SES de MG que implantou o programam PIPA em MG, a partir de nossa experiência e estudos teóricos. Após 4 anos, estamos na fase de credenciamento e habilitação deste programa no município de Contagem.
 
Ficamos apreensivos com tudo que vivenciamos, estamos em uma sociedade contemporânea sem referências na qual o processo de vitimização é escandaloso e se procura culpados para tudo. Nesta confusão, existem aqueles que se aproveitam e outros que caem em um maniqueísmo doentio. Presenciamos lutas fervorosas e recusas doentias à inclusão, criando lados opostos entre os advogados (defensores) e os promotores (acusadores) da inclusão, como se fossem inimigos e travassem uma guerra inútil. Nesta dicotomia existem aqueles que atacam as ONGs como sendo perversas à ação do Estado e infelizmente algumas atitudes demonstram esta possibilidade. Mas diante disto, vivenciamos um verdadeiro policiamento, são inúmeros registros em dezenas de órgãos, documentos comprobatórios de nossa lisura, fiscalizações, regulações, controles e auditorias cada vez mais rigorosos. Ressalto que toda verba pública que recebemos, precisa de uma prestação de contas detalhada.
 
Percebo que estamos aprendendo a fazer a inclusão, assim como o próprio exercício da democracia. Para se construir uma sociedade inclusiva é preciso permitir a participação de todos; precisamos realizar as transformações necessárias, desde nossas relações com a diferença, na forma das instituições se organizarem, sejam escolas comuns, especiais ou empresas e em nossas concepções de ensino e até mesmo de gestão. Desta maneira, o Estado deve apoiar a inclusão com políticas públicas verdadeiramente inclusivas, buscar o diálogo com a sociedade civil e garantir a sustentabilidade de organizações inclusivas e parceiras na implementação destas políticas.
 
 
 
Cristina Abranches Mota Batista,
 
Superintendente do CAIS,
 
WWW.CAIS.net.br
Luis Nassif

1 Comentário

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  1. O meu ex-colega tinha sindrome de down

    Aos 5 anos, um dos meus melhores colegas de classe, com quem mais convivia, tinha síndrome de down. Com o passar dos anos, me lembrava muito dele e pensava: por que ele estava ali com a gente, tendo síndrome de down? E sempre o tenho em mente. Eis que hoje vejo que tive o privilégio de poder haver estudado com ele, ter vivido e sido parte do processo de inclusão social di meu colega, situação que hoje ainda significa uma luta de direitos. Um abraço.

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