O “brexit” e a ameaça de novas tormentas, por Jeferson Miola

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O “brexit” e a ameaça de novas tormentas

por Jeferson Miola

A saída da Grã Bretanha da União Européia suscita intensos debates acerca das possíveis implicações do fenômeno batizado, em inglês, de brexit.

A “secessão” política, institucional e econômica foi a opção de uma escassa maioria que venceu o referendo com 51,9% dos votos ante os 48,1% que se opunham à idéia. A decisão, por isso, em tese ainda não está totalmente estabelecida, uma vez que circula uma petição pública que angariou mais de 3 milhões pleiteando a realização de um novo referendo.

Segundo divulgado, a proposta de novo pleito observa os requisitos legais e formais, porque proposto por mais de 100 mil signatários para repetir a votação sobre decisão que não alcançou 60% dos votos no referendo de 24 de junho.

O noticiário e as análises prevalentes reproduzem o histrionismo instável do deus-mercado, que se beneficia da surpreendente decisão para realizar fabulosos lucros especulativos.

É evidente que, se consumada a separação, o Reino Unido e a União Européia poderão enfrentar importantes desafios econômicos. Ainda assim, contudo, essas duas unidades econômicas – a britânica e a européia – dificilmente deixarão de exercer, no futuro, a influência na dinâmica do capitalismo mundial em dimensão similar à que exercem hoje.

Uma garantia disso é que a Inglaterra preservou sua própria moeda, a Libra. A saída da UE, portanto, não deverá causar fissura no sistema financeiro da gravidade que uma minúscula economia como a grega causaria caso se retirasse da zona do Euro. A Grã Bretanha sai da UE mas, do ponto de vista monetário, segue onde sempre esteve, ou seja, fora do sistema Euro.

Do ponto de vista geopolítico, é difícil predizer quais os efeitos da decisão. É improvável, todavia, que ocorra mudança substantiva do peso de ambas potências no concerto conservador das nações. A Inglaterra seguirá detentora de um dos cinco assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU conquistado no imediato pós-guerra; seguirá sócia fundamental da OTAN, e continuará sendo o principal pilar para o processamento dos interesses dos EUA no velho continente e no mundo inteiro.

O mais dramático da decisão, porém, é que ela estabelece um perigoso antecedente que tendencialmente poderá fortalecer a posição de líderes ultranacionalistas e reacionários de vários países. O “brexit” ocorre neste momento de crise profunda e prolongada do capitalismo, que encoraja políticas e comportamentos xenófobos, racistas, ultranacionalistas e de intolerância religiosa. Não se pode esquecer que a grande depressão dos anos 1920/1930 teve como desfecho a segunda guerra mundial.

A União Européia é uma conquista civilizatória da humanidade. Aquele continente, que moldou a feição bárbara e predadora que fundou o capitalismo contemporâneo, quando desunido e fragmentado, promoveu as maiores atrocidades contra os países do resto do mundo e contra toda a humanidade – por isso sua União é um imperativo para a civilização humana contra a barbárie.

O nazismo, o fascismo, o imperialismo, o holocausto, a tirania, a monarquia têm genética essencialmente européia. Uma Europa unida e íntegra é sempre mais alentador que uma Europa fragmentada e dividida, porque a unidade daquele continente condiciona a paz e a estabilidade no mundo.

Quando nacionalismos xenófobos e racistas ganharam maioria política e social, a Europa conduziu o mundo ao abismo de guerras que se tornaram mundiais, condenou a humanidade ao holocausto e abrigou as piores tragédias da experiência humana em milhares de anos.

A Escócia é uma luz importante, porém marginal nesta Europa em crise de destino: a liderança escocesa quer que o parlamento discuta a realização de plebiscito para decidir se abandona o Reino Unido para continuar na UE, num claro sinal de escolha de pertencimento antes à cidadania européia que à City londrina.

É um sinal de sensatez num continente marcado pela insensatez, mas parece estar longe de ser a tendência dominante – infelizmente o “brexit” traz consigo a ameaça de novas tormentas para o nosso já conturbado mundo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. O autor acerta em alguns

    O autor acerta em alguns pontos mas erra em outros.

    Entendo que essa gritaria toda não vai se refletir na economia, muito menos no Brasil. Acertadamente o autor lembrou que o chamado Reino Unido aderiu a UE apenas naquilo que era uma extensão do chamado mercado comum europeu e a unificação da moeda nunca foi aceita pelos ingleses. 

    Também acerta no papel que ela mantem no conselho de segurança, e isso é óbvio, afinal a França também possui assento. Fosse diferente a cadeira da inglaterra e frança seriam unificadas em uma com um representante da UE, o que não ocorreu, porque seria dar voz a Alemanha que deu o ponta pé inicial as 2 guerras mundiais no século passado e isso não foi esquecido ainda. O mesmo com a OTAN, sistema de defesa conjunta dos EUA com paises europeus e não com a UE, uma entidade criada décadas depois.

    Entendo, entretanto que o autor erra em dizer que haja uma crise do capitalismo que leva a xenofobia, etc e tal. Não é assim, mas se assim fosse a China seria o paraiso dos refugiados. Quantos vão para lá ou são aceitos? – Essas manifestações ocorrem como resultado da migração em massa de pessoas fugindo de guerras que a diplomacia não conseguiu evitar, logo não é uma crise do capitalismo mas uma crise nas relações exteriores, é uma crise da ONU que deveria ser a entidade maior a unir todos os paises.

    Uma Russia belicosa e um EUA fraco na demonstração de sua força como ocorreu na chamada primavera árabe e na siria é o que fortaleceu o EI e o movimento de refugiados, que acabam vivendo em condições sub humanas e ainda são perseguidos por grupelhos radicais xenofobos de diversos paises.

    Também entendo que o autor erra ao afirmar que a segunda guerra foi resultado da depressão economica dos anos 30, porque ela foi uma continuação da primeira guerra mundial com uma exceção, a mundaça de lado de japão e itália que na primeira guerra apoiaram os aliados contra a alemanha. Hitler copiou o fascismo italiano agregando seu ódio racial e foram os pesados ressarcimentos de guerra impostos à alemanha que geraram nacionalismo e xenofobia e eclodiram na ascenção de hitler. A depressão economica obviamente teve seu papel mas não foi o fator gerador da segunda guerra.

    De resto, a UE não é um pais e por isso não me parece que essa união seja uma conquista civilizatória. Na verdade criou um super player comercial que pode ditar regras dada a necessidade de todos os paises europeus falarem através de um. Mas esse exercicio já era feito razoavelmente na época do MCE.

    Quanto a Escócia, não é de hoje que ela tem em sua pauta a independencia do Reino Unido e por isso, entendo que essa “provocação” escocesa é apenas mais do mesmo.

    Por fim, achei curioso que o autor menciona que o fato da decisão de sair da UE ter sido apertada (51,9 a favor e 48,1 contra), seja considerada não estabelecidaaté porque existe uma petição pedindo outro plesbicito. Menciono isso pela curiosidade, porque no caso do Brasil, a eleição presidencial foi mais apertada (51,6 contra 48,3) e pedidos de recontagem, ações de impugnação e o atual processo de afastamento são considerados golpe porque a presidente foi eleita pela maioria. Claro que plesbicitos e eleições majoritárias são coisas muito distintas, mas aqui me concentro no argumento.

    Não é uma critica ao autor da postagem, apenas uma observação de como certos argumentos que se tomam por absolutos são na verdade relativos.

     

    1. já que tudo é relativo…

      1) pode se até afirmar que a onda de refugiados se deve as guerras, mas não a xenofobia. Refugiados de guerra sempre houveram, embora não na mesma intensidade que hoje. Mas todos eram recebidos de braços arreganhados na Europa durante o periodo de crescimento. A xenofobia não é resultado da imigração, mas da crise que gera desemprego, desmonte do Estado de bem estar e portanto da crise economica. O argumento da China é obviamente falacioso: primeiramente porque não se entra na China com a mesma faciliadade que na Europa, em segundo lugar porque a Europa tem o maior PIB percapta do mundo e sob esse critério é o local mais rico do planeta e não a China que cresce mais mas tem um PIB percapta minusculo frente a UE.

      2) a história é passivel de interpretação. Mais os fatos históricos não. Hitler não copiou o fascismo italiano. Os fascismo surgiram na europa, em vários lugares ao mesmo tempo, logo apos a primeira guerra mundial. Musoline e vários fascistas eram dissidentes do partido socialista italiano e Hitler lutou na primeira guerra e os primeiros nazis se agruparam logo após o final da guerra em um pequeno partideco que se dizia operário. O protótipo da SA e da SS foram o Freikorps, formados por ex-soldados da primeira guerra que organizaram grupos paramilitares. O nazismo da Alemanha e o fascimo italiano são simultaneos, mussoline chegou primeiro ao poder, mas é bom lembrar que Hitler e os nazis tentaram um golpe em 1924. E que Hitler e Musso lie não eram aliados de primeira hora; se tonaram justamente no bojo de repique da crise no final da década de 1930. Em resumo o fascismo foi um fenomeno generalizado na Europa do pós primeira guerra.

      3) Com relação aos fatores que levaram a segunda guerra é dificil falar só de um. Mas entre a primeira e a segunda se passaram 22 anos, com a crise no meio. É tempo o bastante para que se diga que a causa da segunda guerra foi a primeira. Se assim fosse remeteriamos as lutas entre as tribos européria para explicar a segunda guerra mundial.

      1. Usei a questão do relativo

        Usei a questão do relativo apenas e tão somente para comparar a votção apertada no Reino Unido considerada não estabelecida com a votação igualmente, até mais, apertada da eleição presidencial no Brasil mas tratada como absoluta que impediria até pedidos de afastamento como tem declarado a defesa da presidente.

        Quanto aos pontos levantados:

        1. a xenofobia, me parece, vem muito mais do nacionalismo exarcebado que grupos de extrema direita demonstram. Sem dúvida o comentarista acerta ao apontar que o desemprego torna essa xenofobia mais forte, mas não a causa. De fato essa atitude perversa se fazia sentir na década passada quando o mundo inteiro (até 2008), viveu uma bolha de crescimento sem precedentes. Quanto a china, o que comentei, é que o autor se apoia na tese de que é a crise do capitalismo gera essa situação e comentei que se assim fosse, a China seria o destino de refugiados, posto que sendo um pais comunista, está ou estaria menos afeito às crises do capitalismo. A depressão dos anos 30 praticamente não atingiu a urss que era isolada dos demais paises justamente pelo regime politico. É claro que os tempos são outros mas a observação foi apenas para demonstrar que a tal crise do capitalismo não leva refugiados para o outro lado. Como o proprio comentarista afirma e concordo com ele, a europa é mais rica que a china e isso apesar da tal crise do capitalismo.

        2. Todos os historiadores sérios concordam que uma das fontes de hitler foi mussolini. Ele copiou do italiano e seus camisas pretas, a sa com seu uniforme pardo. É obvio que partidos nacionalistas nasceram em varios paises, até no brasil e nos eua grupos replicaram os italianos e alemaes. Mas é fato histórico que hitler se inspirou em mussolini criando sua particular visão de nacionalismo fascista e vimos depois genocida.

        3. Muitos historiadores concordam ao ponto de chamarem de grande guerra de 1914 a 1945 com um hiato de armisticio de 1918 a 1937. A grande depressão começa nos eua em 1929 e vai até o inicio da segunda guerra. embora programas sociais e governamentais como o new dial aplicado nos eua combateram a crise. É obvio que a guerra, com a necessidade de fabricas operarem dia e noite na produção bélica, de alimentos, e o alistamento movimentaram as economias. Foram as imposições dos aliados contra a alemanha no tratado de versalhes e veja que curioso, hitler no poder quebrou cada um dos artigos e fez a frança assinar uma rendição no mesmo lugar em que foi assinado o tratado de versalhes. A humilhação sentida pela alemanha foi o principal motivador da ascenção de hitler. A italia não recebeu colonias que exigiu como reparação de guerra e o japão nada recebeu embora tenha exigido “espaço vital” em bora parte por pressao dos eua. Na decada de 30, japoneses são apoiados pela alemanha e italianos e alemaes lutam juntos justamente pelos resultados do tratado de versalhes, entre outros é claro.

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