O disco póstumo de Danilo Schultz

Danilo Schultz foi um conterrâneo, belo violonista com quem tive o prazer de cruzar algumas vezes. Fizemos algumas rodadas em Poços de Caldas, ele participou de alguns saraus em casa, com a timidez e a musicalidade mineira.

Tipo doce, ele e a esposa. Um câncer abreviou sua vida. Mas Danilo passou o restante dos dias empenhado em deixar sua marca na terra: um CD com suas músicas.

Tive a honra de escrever o texto do CD. Mas, por confusões de agenda, perdi os dois shows do fim de semana passado, em Poços, no qual seus amigos paulistanos e poçoscaldemses se reuniram para celebrar seu talento.

Abaixo, o texto do CD e as músicas de Danilo,

A imortalidade pela música

Luís nassif

Em todas as raças, em todos os credos, em todas as nacionalidades, o homem ambiciona a imortalidade. Os pais, através dos filhos; os empresários, através da perpetuação de suas empresas; os políticos, de seus mandatos; os arquitetos, de seus castelos.

Mas não há nada que imortalize melhor do que a música. Através dela, os autores transmitem não apenas a memória, mas as lembranças afetivas, o desenho interior de cada um.

Lembro-me bem do amigo Wilson Danza. Estudante de medicina em Belo Horizonte, quando foi dissecar o cérebro de um cadáver, identificou de pronto a encefalite. Sem proteção, percebeu que estava com os dias contados. Passou seus últimos dias escrevendo um diário e deixou inúmeras composições musicais, até hoje celebradas pelos colegas da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte.

Caminho semelhante foi percorrido por seu conterrâneo Danilo, o Dan Schultz.

Jovem ainda, se deu conta de sua doença. Em vez de se entregar Danilo muniu-se de todas as forças para se perpetuar através de suas composições, de seu violão e também de um diário, onde registrou todas suas experiências e avanços.

Primeiro, ajudou no renascimento do choro em Poços de Caldas, organizando um grupo de jovens instrumentistas. Depois, deixou o aconchego da cidade e caiu de cabeça em São Paulo.

A doce presença do casal, Danilo e Eni, cativou os círculos iniciais que passaram a frequentar. Rapidamente, a reputação foi se espalhando por outros círculos e o casal se tornou querido, em parte pela doçura que emanava da relação, em parte pelo talento esplêndido de Danilo.

Com a técnica de violão, desenvolvida no ambiente criativo na Universidade Federal de Ouro Preto, responsável pela brilhante geração de instrumentistas mineiros, foi se soltando, mergulhando nos arranjos e nos improvisos e, cada vez mais, impressionando os amigos pela evolução rápida da sua técnica.

Já o havia conhecido em algumas rodas de choro em Poços, levado por meu primo Oscar Mesquita, filho de Leonardo, o grande estimulador do regional poços caldense nos anos 50 e 60.

Quando chegou em São Paulo, convidei-o para um dos saraus que costumava dar em bares musicais da cidade. Depois, para os saraus em casa, onde costumo reunir os melhores instrumentistas de São Paulo. Chegou quieto, ficou em um canto até ganhar coragem. A timidez desapareceu quando pegou o violão e entrou na roda. Os demais músicos entenderam de imediato estar ao lado de um dos seus, dos melhores.

Não se destacou mais devido à discrição mineira. Tímido, enfrentava audições, mas não expunha suas composições. Como bom mineiro, não avançava o sinal: esperava o convite. E de roda em roda, de amizade em amizade, foi se soltando e avançando rumo ao último registro, o CD.

E o resultado é surpreendente para quem ainda não conhecera suas composições, como eu. São músicas de um músico maduro, completo, com amplo domínio da emotividade discreta, aquela que transmite emoção sem transbordamento, na qual as melodias evoluem sem pressa, em um ambiente bucólico, refinado.

Dan conseguiu, assim, sua passagem para a imortalidade, na memória dos amigos e nos registros desse CD, um trabalho para se ouvir no final de uma tarde de domingo, quando o sol começa a se por, pintando o horizonte de vermelho, e a gente se põe a pensar sobre a brevidade da vida e, também, sobre à magia que faz brotar de uma tragédia gotas de pura inspiração e sentimento.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. “Danilo Schultz foi um

    “Danilo Schultz foi um conterrâneo, belo violonista com quem tive o prazer de creuzar algumas vezes”:

    Tadinha de Creuza!

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