O gênio desconhecido do sul: Lúcio Yanel

Atualizado com biografia de Yanel

Yamandu já tinha comentado de passagem sobre Lúcio Yanel quando indaguei a razão do seu sotaque argentino. Mas, agora, em Poços de Caldas, o Gabriel Selvage me traz mais dados.

No sarau de ontem à noite, Gabriel interpretou várias peças de Yanel. Uma delas, “Pantanal” nada fica a dever aos Estudos de Villa-Lobos. A variedade de sons, de modos de tocar que Yanel criou e Gabriel arrancou do violão – especialmente o modo pampaneiro de tocar -, repito: nada fica a dever aos Estudos de Villa-Lobos, que mudaram a forma de tocar do violão no século 20. Dê-se o devido desconto histórico, é claro, e a dimensão de um (o mundo) e do outro (o sul).

https://www.youtube.com/watch?v=A8gNMN4h2G8

Digo mais: dentro de alguns anos a contribuição de Yanel ao violão será reconhecida como das maiores, um gênio comparável a Garoto e aos grandes formadores do violão brasileiro, por um conjunto de razões: ele como intérprete, como compositor mas, principalmente, como formador da mais nova escola e brilhante escola intrumental do país: a gaúcha, ou pampaneira, para usar o termo que eles gostam.

Semanas atrás coloquei, aqui, vídeo do Yamandu em duo com Arthur Bonilla, ambos valendo-se do mesmo estilo ensinado por Yanel. O que se assistia eram dois violonistas tocando de igual para igual. Dois violonistas sempre podem tocar de igual para igual, mas quando um deles é Yamandu e, de repente, você se depara com dois Yamandu, é milagre. Aí você ouve Gabriel Selvage, e três milagres na mesma região exigem um santo protetor.

Infelizmente Bonilla faleceu em maio, em acidente automobilístico, aos 34 anos de idade.

E aí entramos na história de Yanel e do novo fenômeno da música instrumental brasileira, os gaúchos e seu som pampeiro.

Gabriel nasceu no campo. Desde criança, criava cavalos. Mantem o hábito da bombacha, que não tirou nem quando excursionou pela Europa. Aos 12 anos ganhou um revólver, que mantinha na cabeceira da cama, para se prevenir contra a violência da região onde morava. Ele narrando os acertos de contas por lá ajuda a entender a razão da violência ancestral brasileira, aliás. O interior gaúcho ainda guarda a herança de violência dos Farrapos

Aos 14 anos vou trabalhar fora de casa, cuidando de cavalos.

Passou a aprender violão e decidiu ter aulas com Yanel. Da sua casa até a cidade onde Yanel morava, na grande Porto Alegre, eram 400 km. Ele viajava de ônibus o dia todo, tinha as aulas e, quando perdia o ônibus de volta, dormia na casa do mestre

As aulas consistiam em vê-lo tocando e pedir-lhe que ensinasse na prática seu modo de tocar. Yanel não lê partituras, não tem a menor ideia sobre as notas. É um gênio intuitivo em estado puro.

Sua vinda ao Brasil é uma epopeia.

Nos anos 70 foi excursionar pela Rússia, uma série de concertos de músicos latino-americanos, dentre os quais muitos brasileiros. Encantou-se com a música do país e, na volta, decidiu parar no Recife

Acabou voltando para a Argentina, mas os sons do Brasil já o haviam capturado. Decidiu radicar-se em São Paulo. Aproveitando sua vinda para o Brasil, um amigo pediu-lhe que passasse por Porto Alegre para entregar umas partituras para um amigo que morava lá

O amigo, em questão, tinha um filho de dois anos, de nome Yamandu, e pronúncia Diamandu.

Yanel entregou, estava tarde e acabou dormindo na casa. De manhã, a mãe de Yamandu acordou e se surpreendeu com o violão que jorrava da sala. Imediatamente acordou o marido para informar que o visitante era um gênio do violão.

Nunca mais o deixaram sair. Yanel se fixou por lá, em uma cidade próxima a Porto Alegre e passou a inundar o fechado mundo gaúcho com sua arte.

Ajudou a formar uma das mais brilhantes gerações de violonistas do país – a julgar pelos três que conheci, Yamandu, Bonilla e Gabriel.

Há alguns anos mudou-se para Caxias. Mora de aluguel, vive de aulas e tocando em botecos.

Já entrei em contato com ele para montarmos uma noite paulista-gaúcha em São Paulo, para apresentar essa brilhante geração aos paulistas. O prefeito Fortunati, de Porto Alegre, topou. Nos próximos dias tentarei que o Danilo, do Sesc, ajude a montar o lado paulista.

Aí se verá ao vivo alguém que, ainda em vida, já é uma lenda.

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. Eles já se apresentaram no

    Eles já se apresentaram no Sesc Pompeia em 2002, foi brilhante! Espero que consiga traze-los novamente. 

  2. Yanel

    Não podemos nos esquecer que o referenciado é um ícone mundial ao violão, professor emérito, formador de talentos, hiper-mega-conhecido, no rio grande é amado por todos, já que para musicalidade não existem fronteiras, talentoso e participativo, palestra para estudantes nas mais importantes universidades, por onde passa é reverenciado como nosso professor…

  3. Tudo bem, só acho que depois

    Tudo bem, só acho que depois que Villa Lobos compôs a obra violonística, fica fácil a comparação. Ou o Lucio Yanel, nunca ouviu falar da obra do Villa. O nosso carioca Heitor Villa Lobos é inventor. Lucio Yanel é mestre.

  4. referencia na musica

    Lucio Lanel  não só  revolucionou a forma de tocar violao

    os gaiteiros do rs  foram enfluenciados  por Lucio 

    quando escutarem algun gaiteiro aqui do sul tocando prestem atençao vão notar a semelhança .

    todo violonista almeja tirar o mesmo som do violao que ele tira

    Lucio Yanel  é  referencia  

  5. Lúcio Yanel, em Brasília.

    Tive o prazer de conhecer o grande mestre apresentado por seu filho Nelson Gilles, quando ia se apresentar no Feitiço Mineiro, do saudoso Jorjão Ferreira. Elegância, firmeza e genialidade. Guardo com muito carinho as fotos dessa noite em Brasília.

  6. Pampaneiro?
    Me estranha a palavra pampaneiro. Provavelmente deve ser pampeiro, relativo a tradição da guitarra ibérica que desembarcou no (bioma) pampa junto com os espanhóis nos séculos coloniais, XVII e XVIII, e que embalou junto com o bombo leguero o folclore sul americano até a chegada dos instrumentos de fole no século XIX.

  7. Mandando lenha

    Seguem os atalhos para um projeto musical muito legal que foi realizado na década de 1990 ou começo dos 2000, se não me engano. Se trata da reunião de Bebeto Alves, cantor gaúcho, com Clóvis “Boca” Freire no baixo, Yanel no violão. Vale a audição do disco todo. Interpretam composições de Mautro Moraes, também muito conhecido por estas bandas. Após a realização de “Mandando Lenha” foi feito outro disco, “milongamento”, com Marcelo Caminha no violão. 

    No primeiro atalho, o disco todo:   

    https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=mandando%20lenha

    No segundo, “chamamecero”, ao vivo:

    https://www.youtube.com/watch?v=UIbNhL4UzUQ

    No terceiro link, um dos grandes momentos do disco, a música “Com o Violão na Garupa” (na verdade é um baita disco – é pretensão minha indicar a música):

    https://www.youtube.com/watch?v=GSU85gTncG0

    E a execução ao vivo:

    https://www.youtube.com/watch?v=4wbxnkNZzQc

     

    Para terminar: a letra da Música, de Mauro Moraes:

    Um caminho afinal 
    Uma ponta de sol 
    Um piquete de luz, 
    Uma pampa rural 
    Uma chuva teimosa 
    Uma pedra de sal… 

    Uma tropa de corte 
    Uma sorte, uma dança 
    Um arado, uma canga, 
    Um atado de cana 
    Uma junta de bois 
    Uma chuva sem mal! 

    (Sairei por aí 
    Com o violão na garupa 
    A alma cheia de gente, 
    Meus pertences Guarani! 
    Que tempos vida, vivi 
    Levando a dor aos bocejos, 
    Dá-me um beijo, um gracejo, 
    Sem medo de sair) 

    Uma benção materna 
    Uma graça discreta 
    Uma mágoa sincera 
    Uma rapa de mel 
    Uma rima na rédea 
    Quebrando o chapéu… 

    Um tostado coiceiro, 
    Uma rês desgarrada 
    Uma mata queimada, 
    Uma cara de casa 
    Uma prosa de pala 
    Povoando o papel! 

    (Sairei por aí 
    Com o violão na garupa 
    A alma cheia de gente, 
    Meus pertences Guarani! 
    Que tempos vida, vivi 
    Levando a dor aos bocejos, 
    Dá-me um beijo, um gracejo, 
    Sem medo de sair) 

    Uma trova em milonga 
    Uma longa invernada 
    Uma nova moçada 
    Uma outra palavra 
    Um futuro passado 
    Um espaço vazio… 

    Uma fala esquisita, 
    Uma idéia imprevista 
    Uma volta sem ida 
    Uma arte na mira 
    Uma tarde tranqüila 
    Um causo de rio! 

    (Sairei por aí 
    Com o violão na garupa 
    A alma cheia de gente, 
    Meus pertences Guarani! 
    Que tempos vida, vivi 
    Levando a dor aos bocejos, 
    Dá-me um beijo, um gracejo, 
    Sem medo de sair) 

     

     

     

  8. Duas correções

    O Bonilha é Bonilla. E o Gabriel é “Selvage”. Recomendo o disco dele e de Alana Moraes. http://www.lunacultural.com.br/

    Abraços e parabéns pela matéria. Nem o povo do Sul do País, e do Rio Grande do Sul principalmente, dá o devido e reconhecimento a grandeza do talento de Yanel.  

  9. MAESTRO DON LUCIO YANEL, O GUITARRISTA PAMPEANO

    Maestro Don Lucio Yanel é um fenômeno artístico que pertence à raça GAÚCHA.  É um cidadão da Província Folclórica Pampeana, essa parte do Rio Grande do Sul que se enquadra na Cultura gaúcha de três pátrias, através dos seus usos e costumes, da sua linguagem própria, dos seus valores, das suas origens, da sua maravilhosa História. Gaúcho não é apenas o elemento riograndense, mas, também, o uruguaio e o argentino. Estes, todos, dentro de um contexto cultural próprio, único, reconhecido mundialmente por seus valores e suas expressões artístico-culturais. Don Lucio está nesse contexto.  Mas os brasileiros pouco sabem disso. E isso, em nada nos importa… !! “Gênio desconhecido”… não é ??  Em que país vive esse tal Nassif ?? No Brasil ??  No Rio Grande do Sul é que não é !!  Conhecer DonLucio é simples… basta ouvir uma música feita em sua homenagem, da autoria do excepcional poeta gaúcho Luiz Coronel, constante da 13ª Califórnia da Canção, chamada GUITARREIO PARA UM GUITARRISTA, onde diz:  “Quando abraça sua guitarra e desempenha seu solo, o guitarrista parece a mãe com o filho no colo… quando ele fecha os olhos nos prodígios de seu dom, viaja prá dentro de si, navega em ondas de som… tamborilando as cordas, o guitarrista pampeano, dá ares de quem acorda mulher amada do sono, é o braço da guitarra cancha de penca com trillhos, nos dedos do guitarrista, zaino, alazão e tordilhos… nem as aves migratórias, na sua viagem imprevista, tem nas asas a destreza que há nas mãos do guitarrista, toda guitarra é um viveiro, de ida e volta é o caminho… nas asas ágeis do aplauso as aves voltam ao ninho…” !!  Quem se encantar… já começou a conhecer Don Lucio Yanel !!

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