Para subprocurador, Polícia Federal não pode ter autonomia

Foto: Vagner Rosário/Veja

Jornal GGN – Em artigo publicado no Estadão, o subprocurador-geral da República Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos explica por que a polícia não pode ter autonomia em relação ao Estado, criticando o discurso de delegados da Polícia Federal. Vasconcelos afirma que a polícia é o órgão de execução da violência legítma pelo Estado, argumentando que “não há exemplo no Direito Comparado ou na História de polícia autônoma em relação ao Estado nem de democracia que tenha sobrevivido a Forças Armadas ou policiais desvinculadas de controles”.

O subprocurador comenta a  Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412 e a reinvidicação por autonomia da Polícia Federal. Para ele, a PF já tem de sobra a autonomia que interessa, que é a investigativa. “Ela investiga o que bem entende, sem nenhuma pressão política, o que lhe é conveniente, o que lhe dá visibilidade, isto é, casos de maior repercussão”, diz, afirmando também que diligências requisitadas pelo Ministério Público ou por juízes são “tratadas com desdém”.

Vasconcelos crê que a “autonomia da Polícia Federal” nada mais é que a autonomia dos delegados, e que o objetivo da PEC é concentrar o poder da PF,  onde os delegados “querem ser juízes sem perder a direção da investigação policial”. Leia mais abaixo:

Do Estadão

Por que polícia não pode ter autonomia

Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos

A polícia como nós a conhecemos é a expressão mais caricatural do Estado. Nenhuma criança brinca de juiz e ladrão; todas brincam de polícia e ladrão.

O Estado moderno é “o crime organizado que deu certo”. Mas, para isso, ele teve de se legitimar numa longa trajetória de revoluções, Constituições, declarações de direitos fundamentais e sufrágio popular – numa palavra, pela “domesticação” do Leviatã. Aspecto importante desse processo foi a proibição da violência para a solução de conflitos, instituindo-­se o monopólio de sua utilização em favor do Estado. A polícia é, pois, o órgão de execução da violência legítima pelo Estado. Conferir-­lhe autonomia é o mesmo que retroceder a um Estado policial dentro do Estado de Direito.

Não há exemplo no Direito Comparado ou na História de polícia autônoma em relação ao Estado nem de democracia que tenha sobrevivido a Forças Armadas ou policiais desvinculadas de controles. Aliás, democracia não convive com poder sem controle, sobretudo poder que tem o emprego de arma e violência como ferramenta de trabalho. O poder civil e desarmado controla o poder armado, que usa as armas em nome do povo.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412/2009 assumiu inusitada celeridade e evidência a partir da Operação Lava Jato, também estimulada pelo lobby dos delegados federais, que a rotularam de “PEC da autonomia da PF”. Que autonomia? Autonomia para quem?

Em outubro de 2014, a presidente da República, em plena campanha eleitoral, quando os delegados federais planejavam uma “mobilização nacional”, assinou a Medida Provisória (MP) 657, convertida em lei, prevendo que o cargo de diretor­-geral seja privativo de delegado da PF. Qual teria sido a urgência capaz de justificar constitucionalmente a edição de tal medida provisória? Outras polícias de igual ou maior prestígio (FBI, Interpol, Scotland Yard) permitem que sua chefia seja exercida por qualquer pessoa com notável conhecimento de segurança pública, atributo não exclusivo nem presumível de delegados de polícia.

A PEC 412 prevê autonomia funcional, administrativa e financeira, inclusive à elaboração do próprio orçamento. A autonomia que interessa, a investigativa, a PF já tem de sobra. Ela investiga o que bem entende, sem nenhuma pressão política, o que lhe é conveniente, o que lhe dá visibilidade, isto é, casos de maior repercussão. Inquéritos ou diligências requisitadas pelo Ministério Público (MP) e pelos juízes, que em tese ela estaria obrigada a atender, são tratados com desdém. Discricionariedade e seletividade descontroladas conduzem ao arbítrio, ao monopólio na definição do que deve ou não ser investigado, e reduzem a pó os princípios republicanos da isonomia, legalidade, obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal.

Se a PF já dispõe da autonomia investigativa que diz buscar, no fundo, o que almeja com essa PEC é o mesmo objetivo visado com tantas outras reivindicações normativas pretéritas e futuras: concentração de poder, isto é, atributos estranhos à função de investigar crimes. A autonomia facilmente se converteria em soberania, pois seria virtualmente impossível resistir às pretensões de uma polícia dotada de tamanhos poderes.

A falácia do discurso favorável à PEC 412 desnuda-­se por inteiro quando se verifica que a propalada “autonomia da Polícia Federal” nada mais é que a autonomia dos delegados – se tanto. Os outros 2/3 dos policiais – peritos em diversas áreas, escrivães, agentes, a maioria feita de profissionais altamente competentes, muitos com pós­-graduação em suas áreas – estarão sempre fadados a posições subalternas, porque só os delegados podem ocupar funções de direção. Há uma compreensão equivocada dos delegados de que só eles fazem parte da atividade­-fim; os demais seriam meros coadjuvantes da função policial. Essa mentalidade gera uma estrutura elitista, preconceituosa e obsoleta no seio da corporação.

Cabe indagar que efeitos esperar dessa autonomia dos delegados, na absurda hipótese de a PEC 412 ser aprovada e o Supremo Tribunal Federal não derrubá­-la por inconstitucionalidade, como já fez na Ação Direta de Inconstitucionalidade 882 com semelhante desvario ensaiado na Constituição de Mato Grosso. Como seria o relacionamento de uma autarquia armada autônoma com o poder eleito? Como o Estado poderia definir e implementar políticas de segurança pública tendo de “negociar” com essa polícia? Um poder armado passaria a ter a prerrogativa de interpretar a Constituição e a lei sobre quando e como agir, pois, segundo a peculiar noção de Estado de Direito do presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, não é republicano “querer subordinar uma instituição a outra”, mas só “à lei”. Para ele, somente à entidade abstrata “sociedade” cabe a “vigilância para que a PF não seja desviada de sua finalidade”. A PF se converteria em órgão do monopólio da violência de si mesma, sem prestar contas a ninguém, com todo seu aparato de armamento, tecnologia e inteligência.

O que querem, afinal, os delegados? Apesar dos frequentes embates com o MP, na verdade querem ser juízes sem perder a direção da investigação policial, daí esta canhestra figura do “delegado­-jurista”, que, junto com a hipertrofia da categoria, tem sido disfuncional à capacidade operacional das polícias.

O “delegado­-jurista” vive o paradoxo de querer se aproximar do Judiciário e se distanciar das mazelas da polícia, mas sem abrir mão de uma pretensa exclusividade da investigação e da direção da corporação. Essa aspiração explica a ênfase na cultura jurídica na investigação, assim como o apego ao inquérito policial como uma espécie de reserva de mercado, cujo anacronismo como método de investigação já foi cantado em prosa e verso, parecendo que só persiste por instinto de sobrevivência dos delegados.

O céu é o limite para o projeto de poder das associações de classe. Pelo visto, o Brasil não quer nem precisa dessa monstruosidade, que bem poderia ser rotulada de “polícia jabuticaba”, porque só existiria aqui.

*Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos é subprocurador­-geral da República e docente de Ciências Penais em Brasília

Redação

15 Comentários

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  1. A PF acha que ajudando a

    A PF acha que ajudando a Direita a tomar o Poder vai ganhar autonomia. Ledo egano, vai tomar é mais controle. Escute só.

    1. “PF acha que ajudando a

      “PF acha que ajudando a Direita a tomar o Poder vai ganhar autonomia. Ledo egano, vai tomar é mais controle”:

      A PF vai tomar outra coisa tambem.

  2. Quer autonomia

    Quer autonomia deelegados?

    Peça pro PSDB, prá FHC, com eles no poder, o que não lhes faltou foi autonomia…para se sucatearem, né não?

  3. Caro @JusticaGovBR
    Se não
    Caro @JusticaGovBR
    Se não comanda a @agenciapf, favor mudar o nome dela para “Polícia Global” e obrigar a @RedeGlobo pagar seus agentes.

    Caro @JusticaGovBR
    Com a mudança do nome da @agenciapf para “Polícia Global”, os agentes da @RedeGlobo nada mais devem receber da União.

  4. infelizmente parece que o caos está vencendo!

    a lei já não vale de mais nada. os que votaram no collor em 90 foram novamente encantados, e elegeram o sucessor de collor, o moro,  caçador de “corruptos”!

  5. De bomba em bomba.

    Dar autonomia total à Polícia Federal seria uma excelente chance de tornar o país anida mais ingovernável.

    Seria mais uma bomba dificílima de se desarmar.

    A Operação Lava Jato está sendo o  fator mais nítido para se constatar a desmoralização total e absoluta da Polícia Federal.

    Verifica-se o  risco de se dar autonomia, produzindo mais um monstro contrário ao Estado Democrático de Direito.

    Tal como ocorre com o Ministério Público, a imprensa golpista e o Poder Judiciário.

    A ação mais correta é enterrar definitivamente qualquer proposta de autonomia à Polícia Federal e desinfectá-la urgentemente de delgados ligados a seitas, confrarias e à extrema direita.

    A PEC 412 é mais uma excrescência a céu aberto.

  6. Seria o fim do Brasil

    A aprovação da PEC 412, assinalaria o fim do Brasil, como o conhecemos. Assim como o fim de Roma Antiga se deu pela criação da guarda pretoriana independente, que sem demoras derrubou o imperador, e leiloou o trono, deixando o Império romano um caos tamanho, que os bárbaros o invadiram, e deram um fim nele. O risco de guerra civil, ou de ir definhando aos poucos na economia, uma vez que ninguém em sua sãconsciencia viria investir num país onde a polícia está fora de controle do estado.

    Com o propósito de prender Lula “a qualquer preço”, estão tentando utilizar uma arma, que após a utilização, não poderá mais ser banida, e por fim, dominará a todos, numa tirania nunca vista na história deste país. Uma vez solto, ninguém conseguirá mais recolocar o gênio de volta na garrafa, e este ficará completamente fora de controle. Ainda mais aqui, que a mídia pauta e influencia  as operações policiais.

    Seria um pesadelo digno de filmes de terror monstruosos. Seria o quinto poder no Brasil, que poderia se seguir ao sexto, sétimo, oitavo; não duvido que isto seja estrategia dos EUA, para tornar o Brasil uma Líbia. Como abrir uma jaula cheia de tigres, num zoologico cheio de pessoas, e depois não saber mais como recolocá-los de volta na jaula.

  7. Manchete tendenciosa

    Não é o Subprocurador que tem essa opinião. É o conjunto de todos que tem um conhecimento mínimo do que são as polícias judiciárias no Brasil.

    Como bem dito no texto, os delegados querem ser “juízes”, sem deixar de ser polícia. 

  8. Autonomia…

    Boas e velhas questões: quem policia a polícia? quem investiga os investigadores? a quem delegam os delegados? o que procuram os procuradores e quem os procura? quem vigia os vigilantes? quem segura os seguranças… etc etc etc…

    A PF foi criada na ditadura, a quem serviu como polícia política, além de servir a si mesma.

    Mesmo com novos quadros recentemente, a coisa não mudou muito, exceto pelo fato de esses e essas jovens acharem que estão num filme americano… 

    Alguém imagina o FBI com autonomia do governo dos EUA?

  9. Todo mundo quer autonomia
    Polícia, Receita, Ibama, …, todos querem autonomia em tese para não ficar na dependência financeira e política do Governo.

    Na prática os entes que conseguiram se apropriar de uma parcela do orçamento por disposição constitucional, como o judiciário e o mp (talvez os mais caros do mundo, em relação ao pib) acabaram cconsumindo praticamente a totalidade dod recursos com salários.

    Dai ser tão popular a tal de autonomia financeira.

  10. Na Época do Delfim!

    Esses meninos deveriam procurar saber como eram as condições na época do Delfim: valiam nada e a hipocrisia abria um caminho prá “se virarem”.

     

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