Política de uma roda só, por José Roberto de Toledo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Estadão

Política de uma roda só

José Roberto de Toledo 

A prefeitura da metrópole argumenta com estatísticas: o uso de bicicletas na cidade cresceu 10% no último trimestre e bateu seu recorde. Elas já são 16% do tráfego de veículos no centro da cidade. É preciso fazer mais ciclovias e estações de aluguel.

Não, não é o paulistano Fernando Haddad. É seu colega londrino, que investe R$ 4 bilhões para melhorar a infraestrutura cicloviária de Londres e aumentar a segurança dos ciclistas. Fora do Brasil, o transporte a pedal não é uma mesquinha questão partidária. É uma imposição econômica.

Todo ano, o mundo produz mais de 130 milhões de bicicletas – o dobro do que fabrica de carros. E essa diferença continua crescendo, entre outros motivos, porque uma invenção centenária está, enfim, seduzindo o mercado: a e-bike.

A bicicleta motorizada existe desde o fim do século 19, mas apenas nos últimos anos a tecnologia evoluiu ao ponto de popularizar a produção de motores elétricos realmente eficientes e de baterias leves, recarregáveis e duradouras. Tudo isso combinado a sensores que captam o movimento e a força da pedalada e transferem para a roda a energia que faltava. O resultado é uma bicicleta que aplaina qualquer cidade.

Um ciclista neófito e com sobrepeso é capaz de subir os três quarteirões da ciclovia da Rua João Ramalho, uma das mais íngremes ladeiras paulistanas, sem ter um infarto – porque o motor elétrico complementa a pedalada com a força necessária. No plano, uma e-bike chega, sem esforço, a 25 km/h. Não é brinquedo. É muito mais um meio de transporte do que de lazer.

A e-bike já virou aquilo que a propaganda diz que o carro elétrico será um dia. Os números são incomparáveis. Enquanto as vendas de automóveis híbridos no mundo se contam aos milhares, as e-bikes são produzidas aos milhões. Tudo começou na China, onde o desenvolvimento dessa tecnologia é uma prioridade de Estado desde 1991. Hoje, nove em cada dez e-bikes são chinesas. Mas europeus e norte-americanos tentam recuperar o terreno perdido.

As vendas de e-bikes na Alemanha crescem 45% ao ano. Nos EUA, 80%. Um dos inventores da mountain bike, Gary Fisher disse aos fabricantes de bicicletas dos EUA no seu último congresso: “As e-bikes vão eclipsar as mountain bikes. Isso vai ser maior do que qualquer coisa que vocês já viram. E é melhor darem duro, porque, senão, a indústria automobilística vai tomar conta”.

As grandes montadoras de veículos e os fabricantes de autopeças já perceberam a oportunidade e entraram no mercado. Bosch e Yamaha, por exemplo, desenvolveram sistemas integrados de motor e bateria que podem ser adaptados a bicicletas comuns de outros fabricantes. Audi, Ford, Porsche e Smart – para citar algumas marcas que estão se adaptando das quatro para duas rodas – desenvolveram e vendem e-bikes. Não é difícil entender o motivo.

Enquanto um carro elétrico pesa 1,5 tonelada e seu motorista, digamos, 75 kg, a e-bike pesa 25 kg e carrega o mesmo motorista. Num, a relação de peso morto x peso transportado é de 20 para 1; no outro, de 1 para 3. Além de ser 60 vezes mais eficiente, a e-bike custa, em média, um décimo do preço do carro elétrico. Não requer habilitação, pode circular em ciclovias e não paga IPVA.

Inovações não param de surgir nesse novo mercado. Ainda este semestre começará a ser vendida a chamada “Copenhagen Wheel”. Apesar do nome, foi inventada pelo MIT, nos EUA, e tem jeito de futuro: motor e bateria embutidos em uma só peça que substitui a roda traseira de quase qualquer bicicleta. Sua bateria se recarrega nas descidas. Controlada pelo celular, forma uma rede volante que mede volume de tráfego e qualidade do ar onde passa.

Enquanto isso, no Brasil… discutimos a cor da ciclovia por parecer uma versão desbotada da do partido do prefeito. Aqui, a Copenhagen Wheel rapidamente viraria “roda petista” e provavelmente teria dificuldades de venda. Afinal, é vermelha.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. Está tudo ainda muito no

    Está tudo ainda muito no começo. Aqui os locais de trabalho, por exemplo, têm que se adaptar pelo menos com vestriários pros funcionários poderem se trocar. Imagina numa cidade como Rio de Janeiro, fevereiro e março ir pedalando para o trabalho! Nem se for a duas quadras.

    1. Os invisíveis…

      Lucinei,  dá uma chegadinha no centro de São PAulo, ou na região da Paulista, Faria Lima ou Berrini, algumas das mais congestionadas de São Paulo e dá uma olhadinha em volta com um pouco de atenção.

      Veja os frentistas, balconistas, faxineiras, porteiros, carregadores, etc… Esse povão que trabalha em pé e sua o dia inteiro, em muitos casos de uniforme. Esse pessoal pega um ônibus ou metrô lotado, sem ar condicionado e fica horas suando naquele amontoado de gente. A maioria tem algum lugar para se trocar, ou ao menos por um uniforme. Quem não tem trabalha como pode…

      Esse pessoal também pode (e quer) usar bicicletas quando possível.

      Mas em muitas argumentações que eu vejo parece que esse pessoal é invisível.

      Parece que todo mundo trabalha engravatado em um escritório com ar condicionado.

      A índia tem a casta dos intocáveis. O Brasil tem a casta dos invisíveis.

      1. Sim, Ruy, eu acho que as

        Sim, Ruy, eu acho que as ciclovias são um avanço; um avanço. Os batalhadores aproveitam toda e qualquer oportunidade. Sabemos, no entanto, que quem mais reclama e resiste são os engravatados.

        Eu, sinceramente, defendo, muito antes dessa história de ciclovia, que haja alguma forma de incentivar as empresas públicas e privadas para terem vestiários nos locais de trabalho. Acho até que isso já é previsto em Lei para algumas além de tantos empregados, mas não é cumprido. Esses  lenços umedecidos fazem parte do meu kit básico…

        Em todos os lugares em que trabalhei eu comentava isso; nos que exigiam mais ou nos que exigiam menos “amassar o barro”; não só por mim mas por todos que trabalhavam comigo.

        Lembro do Millôr que dizia que os presídios têm que ser tratados com humanismo e  realismo. Humanismo porque violam direitos básicos; realismo porque pelo fato de serem muito ruins muita gente da chamada “boa sociedade” não está lá.

  2. Grande reflexão do José

    Grande reflexão do José Roberto de Toledo, que já compartilhei no Face. É interessante destacar que, se alcançada, essa velocidade de 25 Km/hora, que a bicicleta é capaz de alcançar, seria bem superior à velocidade média dos automóveis nas grandes cidades e com muito menor gasto energético. Claro que, quando se fala em energia e locomoção, existem interesses poderosíssimos que se opõem a qualquer avanço e melhoria. O problema aqui não é falta de alternativas, mas de força política para se impor à lógica da exploração, do dinheiro e do lucro. Não fosse assim e todos teríamos energia solar nos tetos de nossas casas, com armazenamento em baterias para o período noturno, instaladas com subsídio governamental. A energia das distribuidoras, que poderia ser totalmente limpa (geotérmica), seria meramente complementar. Além disso, estaríamos rodando em carros elétricos com baterias de rápido recarregamento e longa autonomia, pois a tecnologia necessária já existe, porém com direitos de propriedade devidamente comprados e arquivados, e o eventual custo de mudança de paradigma seria perfeitamente suportável através de redução ou total eliminação de tributação, com reforço eventual temporário de subsídio na compra. Enfim, uma sociedade baseada no monetarismo, na ganância, com livre possibilidade de enriquecimento infinito, e na escassez, está fadada a suportar as consequências dessa opção, que vêm na forma de poluição, dissolução do meio-ambiente e precarização das condições de manutenção da vida. A sociedade alternativa, fundada na racionalidade e na abundância, é possível, porém improvável. Não somos tão inteligentes assim.

    1. Só lembrando que 25km/h seria

      Só lembrando que 25km/h seria a velocidade MÁXIMA que uma e-bike poderia alcançar, nao quer dizer que será a velocidade MÉDIA do percuso em que será usado.

      É claro que o incentivo as magrelas é interessante mas a será a solução para todos os deslocamentos que existem em mobilidade urbana.

       

      []´s

  3. eletrica

    Eu tenho uma, parecida foi essa aí em baixo.  Vou trabalhar com ela todo dia, uns 16 km ida e volta.

    Ela é chinesa, pesada (48 kg) baterias de chumbo-ácido, pode percorrer uns 40 km com uma carga de bateria, e chega a 38 km/h.

     O motor é pequeno, 350 Wats,  o que é menos de 0,5 CV (uma moto CG tem uns 10 CV) um pouco mais de potência seria bom nas subidas.

    Mas ela atende a todas as minhas necessidades.

    Não tenho carro, acho uma imbecilidade  queimar petróleo para se locomover, é um sistema altamente ineficiente.

     

    1. Uma alternativa interessante

      Comentei sobre essas bicicletas com motor elétrico auxiliar em outro post. Tenho visto algumas circulando pela região da Paulista (aquela que alguns juram que não tem bicicletas).

      Achei muito legal outro dia subindo a Rebouças quando vi um cidadão peladando na subida (quem conhece sabe que é uma ladeira bem longa) com a mesma facilidade que se pedala em terreno plano. Inicialmente estranhei muito porque geralmente essa subida exige bastante esforço dos ciclistas para subir, aí me lembrei de ter lido sobre esse tipo de bicicleta elétrica e reparei na caixa de baterias e no motor na roda.

      É uma boa solução quando uma parte do trajeto é de subida. Algumas tem até freio regenerativo e podem recarregar as baterias quando descem as ladeiras.

      Pena que ainda são caras, com maior divulgação seria possível aumentar a escala e reduzir os preços.

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