Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Retratos da violência contra a mulher 3, por Maíra Vasconcelos

Retratos da violência contra a mulher 3

por Maíra Vasconcelos

III

Delegacia da Mulher em Belo Horizonte

Quarta-feira, 15 de fevereiro, 2017, de 14 às 16 horas.

Stephane, 18, de Belo Horizonte.

“Por que você veio à delegacia da mulher?

Estou aqui porque meu padrasto me bateu. Acho que no caso foi pela minha mãe, ele não gosta da forma como eu trato ele, e eu não gosto da forma como ele me trata. Ele tem um convívio de quatro anos com minha mãe, eles são casados, e ele é muito agressivo, de verdade. E nesses quatro anos a gente não deu certo, em nenhum momento, a gente sempre brigou. Só que ele me agrediu. Eu cheguei em casa do trabalho e a casa estava uma bagunça, liguei pra minha mãe pra avisar que a casa estava uma bagunça, e ele já veio gritando, jogando as coisas em mim. Ele acabou jogando um copo de liquidificador nas minhas costas, e depois ele tentou me enforcar e bateu minha cabeça na parede, e me chamando tudo quanto é nome, me xingando toda. Eu não aceitei e a gente começou a brigar. Ele também saiu um pouco machucado, mas nada se compara ao que ele fez. Porque ele já trabalhou no exército, ele já tem domínio do que faz, e ele me machucou muito, só que não aparece marca depois, ele já sabe como é que se bate, ele já tem esse histórico violento.

Ele já bateu na minha mãe algumas vezes, só que minha mãe nunca denunciou. A primeira vez que ele me bateu eu quis denunciar porque eu não acho certo isso. E se eu não fizesse isso, acho que minha mãe, acho que eu e ela estaríamos concordando com uma coisa desse tipo. Ele agora não faz parte lá da minha casa. Estou tentando fazer o possível para denunciar e ter ele bem longe daqui, pedir uma medida protetiva, alguma coisa assim, né? E é isso.

Eles estão casados?

Minha mãe quer o divórcio, mas eu não sei se realmente vai. Porque uma vez ele bateu nela, mas, sabe, ela gosta dele, ela gosta muito, só que ela tem que entender que não é uma coisa boa para ela. E é isso. Ela está querendo divorciar dele, mas até então não foi completamente divórcio. Mas vão fazer a medida protetiva minha e dela, vão incluir ela, entendeu? É isso.“

*

Não quis se identificar, 27, de Belo Horizonte.   

“Tem quatro anos e oito meses que eu terminei o relacionamento e até hoje meu ex fica atrás de mim e fica me ameaçando de morte. Aí eu fico com medo, né? Com medo dele fazer alguma coisa. Porque já tem tanto tempo de término, e até hoje ele fica ameaçando, ele fica me coagindo. Aí eu fico com medo dele fazer alguma coisa”.

É a primeira vez que você vem à delegacia?

É a primeira. Eu tinha medo de vir. Fiquei com medo de fazer Boletim de Ocorrência, mas ele já me ameaçou duas vezes, já me agrediu antes. Então, é a primeira vez que estou tomando uma atitude para fazer um Boletim de Ocorrência e uma medida protetiva. Eu já terminei tem muitos anos, e a última vez que ele me ameaçou, ele me empurrou, falou que vai me matar. Então, assim, aonde ele estiver eu não posso estar, porque ele quer me matar.“

*

Não quis se identificar, 22, de Belo Horizonte.

“Na verdade, em março vai fazer um ano que terminei nosso relacionamento e essa pessoa insiste que ainda quer voltar, faz chantagens emocionais para me fazer ficar próxima a ele. Uma das coisas que ele usou, inclusive, foi quando meu pai adoeceu. Nós descobrimos um câncer no meu pai, e ele sabia que nós estávamos passando por uma certa dificuldade financeira, e ele usou isso para poder se aproximar de mim como bom moço, que só queria ajudar. Mas ele começou a cobrar para eu voltar pra ele, fazendo chantagens emocionais cada vez mais fortes.

E aí, quando comecei a me relacionar com outro rapaz, ele já partiu para ameaças, mês passado ele ameaçou e eu achei que iria conseguir contornar sem fazer uma denúncia. Mas aí esse mês ele já ameaçou meu namorado de novo, inclusive usou o nome de um capitão da PM (Polícia Militar), falando que ia inventar para esse capitão que meu namorado estava envolvido com droga, para poder agredir ele, matar ele. E fazendo mais chantagens, falando que se eu não me afastasse do meu namorado e dos meus amigos, ele iria mandar matar meu namorado, basicamente. Colocando minha família em risco, me chamando de vadia, chamando minha mãe de vagabunda, esse tipo de coisas.

Eu estava com medo de fazer a denúncia, porque a gente sempre tem medo de denunciar e acabar sendo pior. Mas acho que se a pessoa tiver que fazer alguma coisa, independente da denúncia ou não, ela pode usar a denúncia para te amedrontar, mas se ela for mal caráter para te bater, para te perseguir, para te matar, ela vai fazer com a denúncia ou não. Então, decidi vir hoje porque acho que é a atitude certa a se fazer, a gente não pode ter medo de denunciar, a gente tem que ter medo de não confrontar quando a pessoa age dessa forma com a gente”.

*

Cintia de Jesus, 35, de Belo Horizonte.

“Eu recebi uma carta de um homem, diz que é um homem casado, que eu estou tentando acabar com o casamento dele. Aí envolve na carta… Na carta fala que eu faço trabalhos de macumbaria para que isso aconteça. É mais ofensas, me chama de sapatão, de lésbica, chama meu marido de corno, de chifrudo; tenho uma filha que tem um pouco de estrabismo, faz ofensa contra ela, chamando ela de caolha, de vesga; tenho uma mãe com insanidade mental, fala que ela é débil mental e fala que eu vou ficar como a minha mãe. Isso é o que eu estou lembrando, mas muita ofensa, e no final da carta é ameaça. Fala que se eu não parar, que não quer me matar, mas que vai quebrar os meus dois braços, as minhas duas pernas, que vai encher meu corpo todo de platina. Meu nome é Cintia de Jesus, e lá (na carta) me chamou de Cintia do Capeta. Ou seja, muita ofensa, o que seria danos morais, um tanto de coisa, e a ameaça também”.

E o homem da carta é um homem que você não conhece?

Eu tenho suspeita, pelo conteúdo da carta. Tenho um filho de 10 anos, porque a gente teve um relacionamento e meu filho tem 10 anos, o nosso relacionamento acabou tem nove anos. E tudo que foi citado, de lésbica, eu tinha uma amiga na época que era lésbica, e ele tinha muito ciúme dela, do problema da minha mãe ele é ciente, ou seja, tudo o que está na carta ele é ciente. Só que em contratempo, o meu marido tem ciúmes dele, então, eu tenho dois suspeitos, ou o pai do meu filho ou o meu próprio marido tentando me fazer acreditar que o pai do meu filho está me ameaçando para eu abrir um processo contra ele, investigação, alguma coisa, ou ter medo, ou me afastar dele, ou ter raiva dele, alguma coisa, para eu ter uma impressão contrária do meu pai do meu filho. Seria, ou ciúmes do meu marido, que tentou se fazer do pai do meu filho, ou é o próprio pai do meu filho, que eu suspeito pelo conteúdo. Mas hoje em dia, como já se passaram nove anos, acho que a suspeita mais forte é o meu marido mesmo. É suspeita, mas pra mim é muita loucura.

E a letra da carta?

A letra da carta ficou exatamente ao contrário da letra do meu marido. Ele não coloca tanto peso na mão, a carta foi escrita com mais peso. A letra da carta é letra caixa alta, e ele escreve mais com letra cursiva, mas a letra caixa alta dele é mais arredondada, ele fez todas mais quadradas, ele fez exatamente ao contrário. E eu sempre falo com meu filho para ele estudar, porque o pai dele fez só até a quarta série, eu fico sempre citando, você não pode ser igual ao seu pai, porque seu pai não escreve direito. E na carta a ortografia toda errada, coisa que eu acredito que nem o pai do meu filho faria, casamento com z, um tanto de erro muito absurdo. Ele tem até a quarta série, mas não chega a ser tão ignorante a esse ponto. E ontem ele até comentou comigo: nossa, a carta tem muito erro ortográfico, né? Como se fosse realmente para chamar a atenção para ser o pai do meu filho, entendeu? Eu acho que é tipo uma crise de ciúmes, uma loucura, uma coisa assim. Ou ele suspeita que eu tenho alguma coisa com o pai do meu filho. Acredito que seja mais ele que tenha feito essa carta.

Mas como tem ameaça, né? Eu tenho observado ele, ele é muito esquisito, muito estranho mesmo. Na época a gente chegou a discutir, a vir aqui e abrir o Boletim de Ocorrência, porque ele chegou a me ameaçar. A gente estava bem, assistindo filme em casa… Eu tenho dois filhos, um de dez e a Isabela de quatro anos, eu entrei no banheiro e o banheiro estava sem luz, ele apagou as luzes da casa toda, e isso gerou uma discussão. Nessa discussão ele me ameaçou, falou que eu merecia um homem que batesse em mim, que iria arrumar um pau, alguma coisa, pra quebrar em mim, e começou a falar coisas mais pesadas, gestos obscenos, palavras obscenas, na frente dos meus filhos. Aí eu falei não, vou ter que abrir um Boletim de Ocorrência. Aí eu vim. Aí desse tempo pra cá, eu tenho observado o comportamento dele mais a fundo, sabe? Se ele sai, se a gente vai em algum lugar, ás vezes, ele prefere ficar em casa, quando ele sai ele não é de conversar, ele é mais na dele. O único assunto que ele fala é filme e futebol, então não é que ele seja tímido, tímido não conversa hora nenhuma, é o jeito dele mesmo. Ele é muito antissocial, muito calado.“

*

Não quis se identificar, 43, baiana, mora em Belo Horizonte há 21 anos.

“Isso vem de uma longa história. Casei com uma pessoa quando tinha 16 anos, e vivi com ele 23 anos. Ele bebe, sabe? E ficava violento. Aí nós tínhamos nos separado, eu vim aqui, nem era Delegacia da Mulher, fiz queixa, fiz corpo de delito, porque ele quase me matou. Processei ele na lei Maria da Penha. Dessa vez a gente separou, só que ele ficou atrás, ficou atrás, ficou atrás, e falando que ia procurar ajuda. Realmente, ele pediu ajuda, mas ficou tomando remédio somente dois anos, aí eu voltei, aliás, ele voltou. Depois, ficou dois anos muito bom, ótimo, mas depois começou tudo de novo. Bebia, chegava em casa.., sabe? Vinha para cima de mim… Só que ele esqueceu que agora a gente tinha um rapaz, aí ele começava a agredir…

Essa última vez que eu vim aqui, essa última vez que eu separei dele, já faz um ano e dois meses, foi porque em dezembro ele veio pra cima de mim. Meu filho de 22 anos veio tirar ele de cima de mim, ele tirou a faca pra matar o próprio filho. Aí eu falei, agora chega. Aí separei, saí de casa, deixei tudo, arrumei outra casa. Só que agora ele fica mandando mensagem, fica me ameaçando. Eu arrumei um namorado, pouco tempo, mas já separei, por que? Ele fechou o carro do meu namorado, que foi me levar no serviço, ele estava seguindo a gente, e eu não sabia que ele estava me vigiando. Aí ele falou que estava me vigiando, sabe? Pra eu ter cuidado. O meu ex parou meu atual namorado pra saber se ele sabia com quem ele estava falando, porque ele estava sendo vigiado. E realmente estava mesmo, porque até a porta do carro, que quando ele saía ele deixava aberta, até isso ele falou. Estava seguindo ele, quando ele ia me levar ao serviço, e a gente não sabia.

Mas quando foi segunda-feira, ele fechou o carro do meu namorado, que agora é ex. Por isso terminou, e acho que ele está certo. Acho que você não vai querer morrer à toa, porque ameaça você nunca sabe o que a pessoa é capaz de fazer. Igual ele falou, vamos dar um tempo, conversa com ele. Só que com ele não tem conversa. Então, imediatamente, ele me ligou falando que tinha fechado o carro dele, que parou e ameaçou ele. E ele falou, você tem cuidado, porque pelo jeito dele ele é violento. E, realmente, ele é violento.

Vivi com ele 24 anos, sabe? Só que eu vivia com esperança que ele iria mudar. Sabe aquela pessoa assim, meu primeiro namorado. Só que não mudou. Não mudou, eu só saí de casa… Meu filho mesmo falou, mãe, a senhora só saiu de casa por minha causa. E, realmente, só sai de casa por causa dele, porque quando é só com gente você aguenta, mas quando passa pro filho, né. Imagina se ele tivesse conseguido… Eu tive que pegar meu filho, colocar pra fora, trancar o portão. Ou era a minha vida ou vida do meu filho. Preferi que ele ficasse livre e eu ficasse dentro de casa, porque ele não fez nada comigo. Ele foi lá e pegou a faca na cozinha pra matar o próprio filho. Só por causa disso eu saí de casa. Só que achei que ele ia me deixar em paz, mas depois ele não deixou. Aí eu falei não. Liguei pro irmão dele, que é padrinho do meu filho, porque eu tenho um de onze anos, aí ele falou, tem que ir mesmo para dar um susto, porque meu irmão precisa de levar um susto pra ele parar.

Ele já vive com outra mulher. Agora, toda pessoa que eu for arrumar, ele vem atrapalhar a minha vida. Não quis pedir pensão, até o carro que eu tinha comprado eu deixei. Deixei tudo. Meu pai falou, filha, deixa tudo. Meus pais moram na Bahia, eles não estavam tendo sossego, meu pai veio aqui por causa disso. Depois, minha mãe veio e ficou comigo pra ver se passa. Aí falou, deixa tudo, não importa, o que vale na vida é sossego. Sabe? Aí eu peguei e deixei tudo, mas tudo por causa do sossego, sabe? Poder sair para o serviço, voltar, e poder deitar numa cama e ter sossego, isso que até então eu não tinha. Porque ele chegava e começava a brigar do nada. Engraçado, e eu não entendo, porque eu trabalho dia e noite, dia e noite pra poder ajudar.

Aí pronto, depois peguei e resolvi vim aqui hoje, porque eu estava de folga, larguei plantão hoje de manhã, cheguei em casa tomei um banho, deitei um pouco, e vim pra fazer um Boletim e pedir aquela medida protetiva, sabe? Pra ver se ele não chega nem no meu portão. Porque ele não ajuda em nada, eu que faço tudo sozinha, nunca quis pedir nada pra ele, mas não adiantou nada. Quando foi dezembro, que ele veio pra cima de mim, que meu filho entrou, que ele pegou a faca, se eu tivesse vindo aqui talvez teria dado um basta. Mas você pensa, eu mesma não quero violência, porque eu já vivi numa violência. Aí eu acho que tem coisa que a gente pensa que pode resolver distanciando, mas ele não quis assim, eu fiz tudo isso e ele não quis. Aí eu peguei e vim hoje pra ver o que eles podem estar arrumando.

E também fiquei seis meses indo no psicólogo ali na Savassi, que eles me encaminharam pra lá. Mas fui mulher boba demais, que acha que as coisas vão mudar, aí foi que não mudou”.

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Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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