Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Uma crise da governança democrática, por Aldo Fornazieri

Uma crise da governança democrática, por Aldo Fornazieri

Na semana passada foi lançado em Berlin o “Movimento Democracia na Europa” (DiEM 2025), com um Manifesto tendo como signatários o ex-ministro grego das Finanças, Yannis Varoufakis, e Boaventura de Souza Santos, entre vários outros intelectuais e políticos. Veroufakis é o principal mentor do Movimento. O Manifesto, além de apontar de forma dura os descaminhos da democracia na Europa, define um conjunto de metas a serem alcançadas até 2025.

De acordo com o Manifesto, se é verdade que as autoridades europeias estão preocupadas com a competitividade global, com as migrações e com o terrorismo, há algo que aterroriza verdadeiramente a todas: a democracia. A União Europeia poderia ter sido uma referência de paz, solidariedade e integração para todo o mundo. Mas agora, a moeda comum e a burocracia comum, estão a dividir todos os povos. “Agora, hoje, os Europeus sentem-se abandonados pelas instituições da UE em todo o lado. Desde Helsinque a Lisboa, de Dublin a Creta, de Leipzig a Aberdeen”.

De esperança de unidade dos povos, a UE teria perdido sua alma, governada por uma burocracia sem legitimidade de Bruxelas a serviço do capital financeiro, do cartel da indústria pesada, dos interesses da Troika e do Eurogrupo. As grandes corporações privadas fazem valer os seus interesses através de conluios secretos com órgãos públicos, os governantes e a mídia investem no medo para impor severos planos de ajustes que aumentam as desigualdades e os partidos traem os seus princípios tão logo chegam ao poder. Populações desempoderadas, capturadas por poderes opacos e burocráticos, que usam o discurso da democracia para negá-lo na prática, têm se tornado vítimas dos poderes europeus e dos poderes nacionais.

O Manifesto termina com um rol de propostas e metas a serem alcançadas até 2025. A essência dessas propostas consiste em construir “uma Europa transparente onde todas as decisões são tomadas sob o escrutínio dos cidadãos; uma Europa descentralizada que usa o poder central par maximizar a democracia local e uma Europa culta que incentive a diversidade cultural dos povos”. O Movimento Democracia na Europa não é um partido, mas exatamente um movimento. Também não é um think tank ou uma organização. Como movimento, o seu objetivo consiste em construir consensos em torno dos sérios problemas que afetam a Europa, diz Varoufakis.

As burocracias autocráticas e a crise de governança

O Movimento Democracia na Europa, a rigor, não é o pioneiro a colocar o problema da crise da governança democrática. Vários movimentos surgidos em países europeus, no Oriente Médio, na América Latina e nos Estados Unidos chamavam a atenção para a opacidade entre o Estado e a sociedade, para o divórcio entre os partidos e os eleitores, para o insulamento das burocracias em relação às demandas sociais.

Movimentos como os Indignados na Espanha, grupos de luta contra as imposições de Bruxelas na Grécia, a Primavera Árabe, os protestos de 2013 no Brasil e o Occupy Wall Steet nos Estados Unidos, de alguma ou de outra forma, denunciavam a autocracia das burocracias e das elites governantes e partidárias, que excluíam a participação dos cidadãos e do povo nos processos decisórios do poder público. O mais grave é que os governos e as burocracias não decidem em favor dos interesses gerais da sociedade, mas em favor de grupos econômicos e financeiros, sócios na captura do Estado.

Esses movimentos e suas lutas não foram em vão e vêm produzindo desdobramentos concretos. Nas Espanha surgiu o Podemos; na Grécia o Syriza; em Portugal, o Partido Livre e o Bloco de Esquerda; o Partido Trabalhista Inglês deu uma guinada à esquerda. Partidos-movimento surgiram também na Irlanda, na Índia e em outros países. Nos Estados Unidos, Bernie Sanders, pré-candidato do Partido Democrata, não deixa de ser também uma expressão do Occupy Wall Street. O seu discurso de confronto com o poder de Wall Street e de crítica à captura do poder político pelo poder econômico encanta jovens, mulheres, trabalhadores e setores das classes médias.

No Brasil, a crise da Lava Jato que atinge o governo e os partidos que o sustentam, a crise do Congresso, o colapso do PSDB enquanto perspectiva de uma alternativa séria e propositiva, abrem espaços para o fortalecimento de alternativas críticas ao sistema político capturado pelo poder econômico. As votações significativas que obteve Marina Silva sinalizam os espaços existentes para essas alternativas críticas. Mas, em face dos erros cometidos e de indefinições, não está claro se a Rede Sustentabilidade poderá se firmar nesses espaços.

Mais do que no terreno partidário, foi nos movimentos sociais que se firmaram novas perspectivas políticas no Brasil. O MTST, os estudantes secundaristas, os vários grupos de luta das mulheres, entre outros, são exemplos de uma nova fisionomia dos movimentos sociais: não se trata mais apenas de lutar por reinvindicações específicas ou corporativas. Trata-se de lutar por bandeiras mais amplas, que dizem respeito a conquista de práticas democráticas e de construção da cidadania.

Em contrapartida, sobram exemplos equivocados de governança autocrática. Tomem-se dois exemplos de dois governos de partidos diferentes para ilustrar o problema. Em 2013, o governo Haddad adotou um modelo de reajuste do IPTU que, na prática, beneficiava os mais pobres. A forma não democrática de como a atualização foi encaminhada gerou um descontentamento generalizado na população. O governo Alckmin incorreu no mesmo erro na reforma e remanejo das escolas. A proposta, se bem implementada, poderia gerar benefícios para a sociedade, mas acabou revoltando famílias e colocando os jovens na rua para contestá-la.

O certo é que as sociedades estão exauridas pela ineficiência de políticas públicas praticadas por poderes autocráticos, implicadas em políticas fiscais com caráter confiscatório. Não há correspondência entre os impostos pagos e os benefícios recebidos. As sociedades exauriram também sua paciência em face dos discursos políticos manipuladores que usam os valores da democracia, da liberdade e da igualdade para negá-los na prática. Os movimentos políticos e sociais que se mobilizam para reivindicar práticas democráticas são uma esperança em face da crise generalizada da governança democrática.  

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

7 Comentários

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  1. Em casa que falta pão, todos gritam e ninguém têm razão

    O problema é o esquema de poder sustentado por um dinheiro fraudulento lançado sobre um pulsão sexual básico da humanidade. Sem este controle é como detonar uma bomba no centro do planeta, a humanidade irá balançar.

    A chantagem das dívidas impagáveis é poderosa e a união necessária em todo o planeta para vencê-la sem irmos para o caos, na minha humilde opinião, é impossível.

    A solução negociada é a única que me parece viável.

    Financial Crisis 2016: High Yield Debt Tells Us That Just About EVERYTHING Is About To Collapse

    Submitted by IWB, on February 14th, 2016         

    Money Tornado - Public DomainDid you know that there are more than 1.8 trillion dollars worth of junk bonds outstanding in the United States alone?  With interest rates at record lows all over the world in recent years, investors that were starving for a decent return poured hundreds of billions of dollars into high yield debt (also known as junk bonds).  This created a giant bubble, but at first everything seemed to be going fine.  Defaults were very low and most investors were seeing a nice return.  But then the price of oil started crashing and the global economy began to slow down significantly.  Energy company debt makes up somewhere between 15 and 20 percent of the junk bond market, and the credit rating downgrades for that sector are coming fast and furious.  But it isn’t just the energy industry that is seeing a massive wave of defaults, debt restructurings and bankruptcy filings.  Just like with subprime mortgages in 2008, investors are starting to wake up and realize that the paper that they are holding is not worth a whole lot.  So now investors are rushing for the exits and we are starting to see panic on a level that we have not witnessed since the last financial crisis.

    Just look at what has been happening in recent days.  Investors took nearly 500 million dollars out of the largest junk bond ETF (iShares HYG) last week alone.  The following chart shows that HYG has now fallen to the lowest level that it has been since the last financial crisis

    HYG February 2016

    During the last financial crisis, junk bonds starting crashing well before stocks did.  In fact, many consider junk bonds to be a sort of “early warning system” for stocks.  For many analysts, when you see high yield debt collapse that is a huge warning sign that you need to get out of stocks as soon as possible.

    And this makes perfect sense.  When financial trouble erupts, it is going to hit more vulnerable companies first usually.

    Blue chip companies are typically not in the high yield debt market.  Normally, high yield debt is only for companies that have more risk associated with them.  And it is risky companies that typically start to crumble the quickest.

    Another high yield ETF that I watch very closely is JNK.  As you can see, the chart for JNK looks nearly identical to the chart for HYG…

    JNK - February 2016

    What these charts are telling us is that a new financial crisis began during the second half of last year and that it is now accelerating.

    At this point, yields have reached levels that we have not seen since the collapse of Lehman Brothers.  The following bit of analysis comes from Wolf Richter

    The average yield of CCC or lower-rated junk bonds hit the 20% mark a week ago. The last time yields had jumped to that level was on September 20, 2008, in the panic after the Lehman bankruptcy, as we pointed out. Today, that average yield is nearly 22%!

    Today even the average yield spread between those bonds and US Treasuries has breached the 20% mark. Last time this happened was on October 6, 2008, during the post-Lehman panic:

    Junk Bond Spreads - Wolf Richter

    At this cost of capital, companies can no longer borrow. Since they’re cash-flow negative, they’ll run out of liquidity sooner or later. When that happens, defaults jump, which blows out spreads even further, which is what happened during the Financial Crisis. The market seizes. Financial chaos ensues.

    After junk bonds crashed in 2008, virtually every other kind of investment followed suit.

    Just about the only thing that didn’t crash were precious metals.  Gold and silver soared, and that is what you would expect to happen during a major financial crisis.

    Another thing that I am watching closely is margin debt.

    During past financial bubbles, we have seen lots of people borrow lots and lots of money to buy stocks.

    If that sounds like a really bad idea, that is because it is a really bad idea.

    Whenever margin debt peaks and then starts to decline precipitously, that is a signal that a stock market crash could be imminent.  The following chart comes from James Stack

    Margin Debt - James Stack

    After looking at that chart, I can’t understand how anyone couldn’t see the pattern.

    We keep making the same mistakes, but we never seem to learn from history.  In fact, the mainstream media keeps telling us that this new financial crisis “isn’t 2008? over and over again.  Even though the exact same patterns are happening once again, they still believe that this time will somehow be different.

    And to a certain extent that is actually true. This current crisis is not going to be the same as the last one.  Eventually, it is going to prove to be even worse than the last one once everything is all said and done.

    So what should we all be doing?  In a recent article entitled “70 Tips That Will Help You Survive What Is Going To Happen To America“, I gave my readers some basic pieces of advice on how to get prepared for what is coming.  But not all of them will apply immediately.  For example, my wife and I don’t believe that we will need our emergency food next month.  But down the road we are absolutely convinced that we will need it.

    For the moment, one of the key things is to build up an emergency fund.  In my opinion, everyone should have an emergency fund that can cover at least six months of bills and expenses.  And now is not the time to go into debt.  Instead of buying lots of shiny new toys, now is a time to spend money on practical things that will be needed during the hard times that are coming.

    Unfortunately, most people believe what they want to believe, and most people do not want to believe that hard times are coming.  They have an extraordinary amount of faith in the system, and they are convinced that this time will be different somehow.

    So I wish them the best, but as for me and my family, we are getting prepared.

    What about you?

    Are you getting prepared?

    Please feel free to share your thoughts with the rest of us by posting a comment below…

     

  2. acredito tb que os movimentos

    acredito tb que os movimentos sociais e suas  lutas podem mudar o mundo, 

    desde que seja pra transformá-lo para melhor, no sentido de

    beneficiar a maioria da popuilação e não a um segmento conservador

    que obviamente irá aniquilá-los…. 

  3. E tem mais. A cultura brasileira

    O certo é que as sociedades estão exauridas pela ineficiência de políticas públicas praticadas por poderes autocráticos, implicadas em políticas fiscais com caráter confiscatório.

    Um argumento aparentemente hermético. Só é realmente aparente, longe esta de ser hermético.

    O velho homem diante das crises geradas por ele mesmo, invariavelmente se perde nas próprias explicações das razões que o levaram para a crise.

    Não é o capitalismo que esta em crise, o capitalismo é o mesmo de sempre e a democracia é um sistema que auto se regula e se aperfeiçoa, a crise é do homem, é o velho homem repetindo o mais do mesmo, fazendo as mesmas coisas erradas esperando resultado diferente.

    Existe uma crise política, econômica, problemas constantes em relação à segurança, uma enorme desigualdade social.

    Evidentemente que alguns automaticamente levam vantagem financeira em cima das mazelas da imprevidência humana. Sempre foi assim. Agora não é justo culpar quem leva vantagem sobre a crise em vez de considerar os causadores da crise. Qdo rompe a crise sempre há os que se beneficiam principalmente aqueles que anteviram o estouro da bolha, como ocorreu com a crise de 2008 e aqueles que se beneficiaram.

    O dramaturgo francês Rémy Gourmont escreveu que “a política depende dos políticos mais ou menos como o tempo depende dos meteorologistas”. Quem promove as grandes mudanças são as sociedades, não os políticos.

    Se o “sistema” político, econômico e financeiro é corrupto, é porque a sociedade tolera isso. Se não tolerasse, já teria sido extinto.

    E porque tolera? Não é culpa dos barões do capital, a culpa é cultural de como foi estruturada a sociedade brasileira. Para defender-se dos achacadores que historicamente parasitam com a energia do brasileiro, que surgiu o “jeitinho brasileiro”, que com o passar do tempo degenerou para a lei de Gerson.

    O problema é a cultura. São as crenças e a mentalidade que fazem parte da fundação do país e são responsáveis pela forma com que os brasileiros escolhem viver as suas vidas e construir uma sociedade. O problema é tudo aquilo que você e todo mundo a sua volta decidiu aceitar como parte de “ser brasileiro” mesmo que isso não esteja certo.

    Nos países mais desenvolvidos o senso de justiça e responsabilidade é mais importante do que qualquer indivíduo. Há uma consciência social onde o todo é mais importante do que o bem-estar de um só. E por ser um dos principais pilares de uma sociedade que funciona, ignorar isso é uma forma de egoísmo.

    O brasileiro, genericamente é egoísta. Os brasileiros são solidários, se sacrificam e fazem de tudo por suas famílias e amigos mais próximos e, por isso, não se consideram egoístas. Porem, brasileiros são solidários, se sacrificam e fazem de tudo por suas famílias e amigos mais próximos e, por isso, não se consideram egoístas. Mesmo que para isto seja necessário passar por cima dos direitos da coletividade.

    A cultura do Brasil degenerou na razão direta de que os laços da família foram sendo desprezados em favor do sucesso material, a vida se tornou cada vez mais instável, os valores de cidadania descartáveis como a sociedade de consumo que estão inseridos. E assim, criamos uma sociedade que acredita que o único jeito de se dar bem é traindo, mentindo, sendo corrupto, ou nos piores casos, tirando a vida do outro.

    As coisas não vão melhorar nessa década.

    O se governo não vai conseguir pagar todas as dívidas que ele fez a não ser que mude toda a sua constituição. Os grandes negócios do país pegaram dinheiro demais emprestado quando o dólar estava baixo, lá em 2008-2010 e agora não vão conseguir pagar já que as dívidas dobraram de tamanho. Muitos vão falir por causa disso nos próximos anos e isso vai piorar a crise.

    O preço das commodities estão extremamente baixos e não apresentam nenhum sinal de aumento num futuro próximo, isso significa menos dinheiro entrando no país. A população não é do tipo que poupa e sim, que se endivida. As taxas de desemprego estão aumentando, assim como os impostos que estrangulam a produtividade da classe trabalhadora.

    Você está ferrado. Você pode tirar a Dilma de lá, ou todo o PT. Pode (e deveria) refazer a constituição, mas não vai adiantar. Os erros já foram cometidos anos atrás e agora você vai ter que viver com isso por um tempo.

    Se prepare para, no mínimo, 5-10 anos de oportunidades perdidas. Se você é um jovem brasileiro, muito do que você cresceu esperando que fosse conquistar, não vai mais estar disponível. Se você é um adulto nos seus 30 ou 40, os melhores anos da economia já fazem parte do seu passado. Se você tem mais de 50, bem, você já viu esse filme antes, não viu?

    É a mesma velha história, só muda a década. A democracia não resolveu o problema. Uma moeda forte não resolveu o problema. Tirar milhares de pessoa da pobreza não resolveu o problema. O problema persiste. E persiste porque ele está na mentalidade das pessoas.

    A opinião publica é o vetor de todo conservadorismo e de toda revolução.

    É baseado nela que os oportunistas se locupletam e os revolucionários impõem as mudanças. Para malgrado dos interessados a opinião publica é volátil  como as nuvens no céu, ela não se estabelece de um momento para outro nem pela vontade de um só ou de um grupo, a opinião publica amadurece como conseqüência das sementes plantadas, daí surgirem as doutrinas e filosofias de manipulação e convencimento das massas.

    E a opinião publica é o reflexo da cultura de um povo.

    E assim se despede um americano que veio morar e se casou no Brasil.

    Essas são escolhas que precisam ser feitas diariamente. Até que essa revolução interna aconteça, eu temo que seu destino seja repetir os mesmos erros por muitas outras gerações que estão por vir.

    Você tem uma alegria que é rara e especial, Brasil. Foi isso que me atraiu em você muitos anos atrás e que me faz sempre voltar. Eu só espero que um dia essa alegria tenha a sociedade que merece.

    Seu amigo,

    Mark 

  4. realidade

    A maioria do povo, simples mesmo, acha que tudo que aparece na globocrise e vejabobo, é verdade; ~e estão contra o governo econtra o lula. o efeito de isteria coletiva, lavagem cerebral, efeito manada; ta dando resultado.

    a pessoa vê mil casas populares, e invés de aplaudir, diz que com certeza tem superfaturamento do pt. se vc fala que fhc/psdb nunca fizeram nada pelo país, não querem nem saber e dizem que vc é petista roxo. vc fala que o cheira pó tem 3 delações contra ele e não é investigado, não querem nem saber.

    se não houver algo realmente que mexa com essa realidade, a vaca vai pro brejo.

  5. Renan e o Banco Central
     
    É

    Renan e o Banco Central

     

    É preocupante e até espantoso que uma figura política da importância do presidente do Senado venha a emergir das férias parlamentares anunciando a defesa categórica da idéia de tornar o Banco Central “independente”.

    O senador deveria saber que não existe Banco Central independente. Que a suposta “independência” do Banco Central na verdade significaria sua pacífica subordinação aos interesses rapaces do sistema financeiro internacional, diante dos quais não existe excepcionalidade local ou altruísmo. Ele então não sabe que esta suposta “independência” seria a renúncia do poder do Estado brasileiro à governabilidade de uma das áreas mais estratégicas para a soberania e a defesa econômica do país? Que isto, para um grande país em desenvolvimento, significa o fim de aspirações separadas de crescimento soberano?

    É absurdo que alguns economistas e jornalistas continuem a produzir críticas a partir do Olimpo neoliberal, sem voltarem os olhos para as nuvens de tempestade inabaláveis que avançam e se avolumam com a crise mundial, e muito menos para o chão político onde pisam. Estes, certamente, receberam com aplausos o pensamento novo do presidente do Senado. E com eles exultam também os carniceiros de tormentas, que ziguezagueiam à cata de vítimas para se banquetearem.

    O que leva uma pessoa de tão relevante posição como o presidente do Senado a tomar partido por decisão tão antinacional e a se dispor a defendê-la publicamente com tanta tranqüilidade? Não importa mais o interesse nacional? Claro que o ambiente de delírio crítico e majoritariamente dominado pelo espectro neoliberal franqueia esta licença gratuita, assim como também favorece, despudoradamente, epifanias reacionárias e entreguistas. Entretanto, talvez o senador tenha feito uma reflexão de bom propósito, conquanto um tanto apressada, sobre os próprios erros gritantes do Banco Central, tomados os últimos tempos.

    O senador deveria saber, antes de qualquer partido e decisão sobre o assunto, que tais erros foram produzidos exatamente pelo aprofundamento da subordinação do BC aos ditames oriundos de interesses do mercado, subordinação que foi fruto da síncope governamental que, algum tempo atrás, fez a administração federal tomar o caminho errado na encruzilhada, possibilitando a que o Banco Central se soltasse dos interesses maiores do país para responder apenas à interlocução do famigerado mercado. O nosso BC, que sempre deveria se orientar relacionando-se com o Governo como um todo, com seus projetos e seus problemas, afastou-se de seu papel e pensou que era apenas uma instituição do mercado. Foi isso que resultou em seu descaminho.  

    O Governo, no início do ano passado, já não estava bem de saúde quando recebeu uma forte pancada na cabeça e ficou completamente desorientado. O mercado, que estava de tocaia, aproveitou a desorientação e assumiu formalmente o rumo da política econômica e também do Banco Central, produzindo galhardamente erros que já vinha de há anos induzindo de modo subreptício em favor de sua própria sacola. Escusado é dizer de onde e de qual braço veio a tal pancada.

    Quem tem a responsabilidade de reger o país não pode se deixar levar pelo embalo de meia dúzia de jornalistas de uma mídia majoritariamente equivocada, má conducente e inconseqüente. O Governo é que deveria ter tido algum milagroso lampejo de intuição para, mesmo cego e tropeçante, não ter cedido ao mercado como quem, aparvalhado, é levado a botar a cabeça no tronco para a degola.

    O presidente do Senado deveria saber muito bem sabido que quem defende a “independência do Banco Central”, está defendendo que o BC passe a ser gerido oficialmente pelos interesses do mercado financeiro e não do país. E nem se está a falar das agruras infinitas pelas quais passa hoje o mercado, nesta quadra de terror renovado da crise global. Em país emergente, estes interesses de mercado amiúde são radicalmente conflitantes com outros interesses bem mais abrangentes, e devem ser domesticados e conciliados dentro de uma orientação governamental segura e competente, visando priorizar os interesses maiores do Estado.

    E no caso do BC, o que precisamos é exatamente o contrário do que julga o senador: Precisamos de maior compromisso do BC com os projetos governamentais sociais e de desenvolvimento que foram vitoriosos nas urnas, de cuidado sensato com a dívida pública, porém cuidado também com o desemprego e com o andamento da arrecadação, enfim, de uma relação bem mais independente em relação ao mercado. Não precisamos de caminhos cegos de ortodoxia como tentar tocar fogo na economia para ver se mata a inflação, uma fórmula batida e perversa de tentar a cura pela dor sem qualquer segurança de acerto, o que até pode ser aplaudido por alguns que irão ganhar muito com o incêndio.  

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