Alemanha, 1945 – Brasil, 2021, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O colapso do III Reich não causou apenas a destruição da capacidade produtiva da Alemanha. Ele devastou o sistema de transporte, comprometeu a produção de alimentos e provocou uma explosão da criminalidade comum.

Alemanha, 1945 – Brasil, 2021

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Após uma bem-sucedida guerra jornalística em que o MPF e o Judiciário foram utilizados como armas de destruição em massa do sistema constitucional criado em 1988, a imprensa conseguiu derrubar a presidenta Dilma Rousseff. O pós-guerra é caracterizado por: a) contração da economia real forçada pela adoção do teto de gastos; b) aumento do desemprego; c) redução da participação dos salários no PIB; d) expansão da fome; e) desindustrialização precoce; f) o roubo um como meio de vida. O genocídio pandêmico e a devastação do meio ambiente completam o quadro desolador em que o Brasil se encontra.

Mesmo não tendo sido devastado por bombas, nosso país se encontra atualmente no mesmo ponto em que a Alemanha se encontrava ao fim da II Guerra Mundial. Portanto, creio que é interessante refletir sobre o livro de Richard Bessel, pois “Tão importante quanto entender como as pessoas mergulharam nos horrores do nazismo e da guerra é compreender como emergiram do outro lado, como conseguiram superar o passado. (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 17).

O colapso do III Reich não causou apenas a destruição da capacidade produtiva da Alemanha. Ele devastou o sistema de transporte, comprometeu a produção de alimentos e provocou uma explosão da criminalidade comum.

“O roubo tornou-se um estilo de vida, aceito como necessário, ao mesmo tempo que causava profundo desconforto. O mercado negro tornou-se elemento essencial na luta diária de uma população faminta pela sobrevivência nas ruínas das cidades, e controlá-lo estava além do poder das autoridades de ocupação ou das recém-formadas forças policiais. Investidas contra a prática do mercado negro em lugares públicos conseguiram, no máximo, expulsar os vendedores para os porões, os bares, as residências e os fundos de quintal. Não foi à toa que os alemães emergiram da baderna de 1945 sedentes de segurança, estabilidade, decência e satisfação das necessidades materiais.

As dificuldades e a desordem que os alemães enfrentaram em 1945 não só enfraqueceram a solidariedade social e levaram as pessoas a se concentrarem quase exclusivamente em seus horizontes pessoais. Elas também lhes permitiram sepultar as lembranças dos primeiros estágios da guerra, quando a Alemanha conquistou, explorou um continente inteiro, cujos habitantes foram tratados com indescritível brutalidade.” (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 322)

Sob os governos do PT o Brasil chegou a ser a 5ª maior economia do planeta, posição que declinou um pouco antes da deposição da presidenta Dilma Rousseff. Quando o usurpador Michel Temer assumiu a presidência nosso país era a 7ª economia mundial. A implementação da pinguela para a República Velha fez nosso país despencar. O Brasil está no fundo do poço, de onde o bolsonarismo não será capaz de nos tirar em virtude do isolamento provocado por causa da devastação programática da floresta amazônica.

Ninguém pode dizer que o PT “…conquistou, explorou um continente inteiro, cujos habitantes foram tratados com indescritível brutalidade.” Muito pelo contrário, o que caracterizou os governos de Lula e Dilma Rousseff foi um profundo respeito pelos direitos humanos dentro e fora do Brasil. Ambos se esforçaram para acabar com o problema da fome, para educar e capacitar a população e conseguiram elevar a autoestima dos brasileiros ao reduzir drasticamente a mortalidade infantil.

Assim como em 1945 os alemães tinham motivos para esquecer o nazismo, em 2021 os brasileiros têm bons motivos para lembrar os sucessos políticos, econômicos, sociais e humanitários do petismo. O reconhecimento internacional de Lula o coloca como no centro da disputa pelos corações e mentes dos brasileiros e não há nada que a direita possa fazer para impedi-lo de ganhar a próxima eleição. Vem daí a tentativa de criar um semipresidencialismo que perpetue as supostas conquistas da pinguela para a República Velha levantada por Michel Temer.

“A distribuição de reparações foi estabelecida na Conferência de Reparações de Paris, realizada de 9 de setembro a 21 de dezembro de 1945, na qual participaram dezoito países – mas não a União Soviética e a Polônia. No entanto, os novos donos da Alemanha não esperaram até dezembro para levar fábricas e máquinas: os russos e também os franceses – que não estiveram presentes em Potsdam – realizaram ‘furiosas’ transferências em 1945. Nos anos seguintes, o desmantelamento de fábricas ocorreu com variável intensidade nas quatro zonas de ocupação, mas mais assiduamente nas zonas francesa e, sobretudo, soviética.

Os custos de uma guerra perdida apresentaram-se noutras roupagens, O regime nazista financiara sua guerra não só com o aumento de impostos, mas também recorrente à impressão de dinheiro e, é claro, explorando brutalmente um continente conquistado. Em agosto de 1942, Herman Göring fez uma famosa declaração: ‘O Führer disse inúmeras vezes e eu repito: se alguém tiver de passar fome não serão os alemães, mas os outros’. Porém, a extração de recursos de um continente conquistado terminou de forma brusca em 1945. Agora os alemães passariam fome – embora não enfrentassem a fome em massa que o regime nazista previra para milhões de habitantes no leste da Europa. Quando seu país foi ocupado pelos Aliados vitoriosos, os alemães não só deixaram de se beneficiar da exploração e da miséria de outros europeus; teriam de pagar os custos da ocupação aliada e das indenizações, num momento em que não só a indústria alemã, mas também sua agricultura, estava no fundo do poço.” (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 326/327)

Os governos do PT foram extremamente responsáveis do ponto de vista fiscal. Lula e Dilma não emitiram moeda para financiar programas sociais. Na verdade eles foram sendo criados e expandidos à medida que a economia brasileira crescia em decorrência de uma bem-sucedida estratégia de diversificação e aumento das exportações. O espaço conquistado no mercado internacional durante a era petista foi destruído no momento em que Bolsonaro passou a hostilizar a China e a se aproximar de Israel. Não importa quantos acres da amazônia os ruralistas consigam devastar, a verdade é que eles não aumentarão suas exportações justamente porque europeus e norte-americanos rejeitam a destruição programática da última floresta.

A mudança no regime de exploração do petróleo aprovada após a queda de Dilma Rousseff garantiu uma massiva transferência de riqueza do pré-sal para as empresas multinacionais que conquistaram o privilégio de explorar imensos campos de petróleo pagando alguns tostões. Viramos exportadores de petróleo, mas não tiramos qualquer proveito econômico disso. Mesmo tendo capacidade instalada de refino, nosso país voltou a importar gasolina e óleo diesel a preços dolarizados. De maneira geral, essas podem ser consideradas as reparações de guerra pagas pelo Brasil sem que uma só bomba tenha sido jogada em nosso território.

“Além dos problemas de suprimentos de alimentos, outro grande obstáculo à recuperação econômica e ameaça ao padrão de vida foi a aguda escassez de carvão.”  (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 336)

A recuperação econômica brasileira é travada pela exportação de petróleo cru a preço de banana e pela importação dolarizada de combustível refinado dos EUA. Os aumentos abusivos das contas de luz e a desorganização do sistema elétrico são dois complicadores.

“Para muitas indústrias e muitas cidades, o maior transtorno econômico de 1945 não veio como resultado da destruição da guerra, mas da súbita paralisação da produção bélica e da intervenção das potências de ocupação.” (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 343)

Os alemães tiveram que contornar os problemas de abastecimento de carvão impostos por uma guerra perdida. Nosso país patina no fundo do poço, pois os neoliberais brasileiros se recusam a admitir que eles causaram uma devastação econômica que não poderá ser contornada dentro dos limites estúpidos do neoliberalismo. O sucesso temporário das instituições financeiras é insustentável sem retomada da indústria. Se mercado interno não for reativado, os bancos sofrerão as consequências inevitáveis da estagnação econômica.

Nesse sentido, não posso deixar de notar aqui uma ironia. O touro Fake inaugurado em São Paulo tem o dianteiro extramente forte, mas o traseiro dele é atrofiado. O touro da Bovespa é uma representação perfeita da impotência de um mercado financeiro submisso ao mercado financeiro internacional. Quando a nova bolha soprada em Wall Street explodir o Brasil não poderá se segurar em seu mercado interno devastado e irrecuperável. O nosso touro está fadado a ser coberto pelo touro norte-americano, pois é incapaz de se levantar nas pernas traseiras para copular e produzir filhotes aqui mesmo.

As tropas de ocupação neoliberais são um estorvo. Se não se livrar delas o Brasil não poderá dizer que a próxima catástrofe financeira gestada em New York será uma marolinha como no tempo de Lula.

“Não foi apenas a total derrota militar e o fim da soberania nacional; não foi apenas a ocupação militar estrangeira, a destruição do sistema político e a paralisia econômica; e nem apenas a perda do antigo leste da Alemanha e a divisão do que restava do país que obrigaram o povo alemão a enfrentar um desafio monumental em 1945: foi também o trauma da violência inimaginável da morte maciça.” (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 376)

O maior legado do bolsonarismo será o genocídio pandêmico em que as digitais dos militares podem ser vistas. O Exército preferiu produzir e distribuir cloroquina ao contrário de forçar Bolsonaro a comprar vacinas. Durante a gestão do General Pazuello no Ministério da Saúde ocorreu o maior número de mortes e a hecatombe em Manaus, que levou ao aparecimento de uma variante do COVID-19 que ameaça o mundo inteiro.

Além de colaborar para o golpe de 2016, o Exército brasileiro facilitou o extermínio em massa de brasileiros acreditando no que disse o presidente do Banco Central em abril de 2020 https://theintercept.com/2020/04/16/banco-central-presidente-coronavirus-economia/. Não é possível esquecer esse detalhe, não há recuperação do país sem desmantelar totalmente essa estrutura militar capaz de se voltar letalmente contra a própria população brasileira. Derrotado, o Exército alemão teve que ser reorganizado em bases não nazistas após 1945. Vitorioso durante o genocídio pandêmico, o Exército brasileiro precisará ser desnazificado após 2022.

“No final de abril [de 1945], mesmo no leste, unidades da Werhmacht desintegravam-se e a população civil erguia bandeiras brancas. Provavelmente a mais notável decisão de entregar sem luta uma cidade alemã ao Exército Vermelho ocorreu na pequena cidade universitária de Greifswald, quando o comandante, coronel Rudolf Petershagen, concordou em se render aos russos a fim de impedir mortes e destruição desnecessárias. Depois do enorme banho de sangue dos meses anteriores, poucos se dispunham a se sacrificar pelo Terceiro Reich em suas horas finais. A preocupação imediata dos sobreviventes da Werhmacht era evitar cair nas mãos dos russos e conseguir trajes civis o mais  depressa possível; a preocupação imediata dos civis era sobreviver à transição e impedir, se possível, a destruição de suas casas. Já se pensava num futuro depois do nazismo e da guerra.”  (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 142)

Os políticos e juízes do STF que defendem o semipresencialismo querem perpetuar os estragos econômicos e humanitários provocados pela guerra neoliberal que devasta o Brasil. A imprensa é incapaz de levantar bandeiras brancas, pois segue atacando sistematicamente o PT e defendendo as virtudes de um modelo econômico fracassado ou, no mínimo, incompatível com as necessidades específicas do nosso país.

Na Europa, Lula se apresenta com uma saída viável e virtuosa para o caos brasileiro, regional e mundial. Mas a direita togada e fardada parece ter optado pela reedição em 2021 do golpe do parlamentarismo de 1961. E os barões da mídia apostam suas fichas em Sérgio Moro, o maior responsável pela devastação econômica alimentou a crise política para dar um golpe em 2016.

A Alemanha conseguiu superar os traumas da guerra e melhorar o padrão de vida de uma população que passou fome em 1945. Os banqueiros que se comportam como donos do Brasil querem fazer a população brasileira continuar a passar fome para maximizar seus lucros destruindo o que resta da democracia brasileira. A Werhmacht lutou até o esgotamento e perdeu. O Exército brasileiro instrumentalizou o genocídio pandêmico e luta para não ter que defender a soberania nacional. Morra quem morrer, nossos generais só estão comprometidos com seus próprios salários, mordomias e com os canapés de caviar que engolem desde que Bolsonaro assumiu a presidência.

“As campanhas militares dentro da Alemanha nos primeiros quatro meses de 1945 foram de uma violência tão esmagadora que causaram um trauma profundo no povo alemão. E o trauma definiu o modo como os alemães emergiram do pesadelo da Segunda Guerra Mundial, para superar de vez a experiência do nazismo e da guerra.” (Alemanha, 1945, Richard Bessel, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 57)

Desde 2015, as campanhas mentirosas da mídia são ininterruptas para: i) deslegitimar a democracia criminalizando a política e o PT; ii) derrubar Dilma Rousseff; iii) legitimar a pinguela para a República Velha de Michel Temer; iv) minimizar a bestialidade nazista do governo Bolsonaro; v) isentar o Exército de culpa pelo genocídio pandêmico; vi) politizar o MPF e o Judiciário; vii) perpetuar a supremacia do neoliberalismo à qualquer custo (o golpe do semipresencialismo, a terceira via com Sérgio Moro, etc). A continuidade dessas campanhas midiáticas não farão o Brasil despertar do pesadelo que fez o sistema constitucional de 1988 desmoronar e que abriram caminho para agressões sistemáticas aos índios, a devastação da floresta amazônica e o assassinato em massa da população durante a pandemia.

Tudo bem pesado, ao encerrar a leitura do volumoso e excepcional livro de Richard Bessel fui obrigado a concluir que o Brasil em 2021 está pior do que a Alemanha em 1945. Mas essa é apenas a minha leitura. Após ler o livro, os interessados poderão chegar a conclusões diferentes.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. “Conheceis a Verdade. E a Verdade Vos Libertará”. Existe uma grande Verdade neste texto. Alemanha destruída e aniquilada em 1945. E em 1945 já fazia mais de 1 século que Alemães fugiam do Totalitarismo, do Atraso, da Miséria, da Fome, da Ignorância, do Desespero, do Desemprego, do Fascismo em busca do Porto Seguro da Humanidade: O Brasil até 1930. O Farol da Liberdade, Miscigenação e Democracia num Mundo envolto em trevas e atraso. Mas numa Tragédia de Fatalidade da Tempestade Perfeita, esta Nação é jogada na Latrina da História Mundial. Torna-se Pária da Humanidade de um dia para outro, a partir de 1930. Cabeça então, torna-se em rabo. Mesmo com parte da gigantesca Sociedade e Elite remanescente desta época, que ainda resiste, chutando a bunda do medíocre e imbecil Ditador Esquerdopata Fascista, parceiro de 1.a linha de Mussolini e Hitler, não conseguimos o retorno à Democracia antes e depois da Grande Guerra. Seu Nepotismo e Satélites Lacaios preservam seu abjeto legado, que só estamos superando agora, depois de 91 anos de pesadelos, com uma Presidência que realmente representa o Povo Brasileiro de volta ao Poder. Este Mundo, este Planeta, esta História, esta Humanidade que extermina o Fascismo e o Nazismo, vê a Nação que traduzia toda a Vanguarda Democrática, enterrada nas fezes que ela mesma ajudou a remover da História Mundial. E o pior, que se sujeita enfiando sua História de Potência Continental ao Atraso e Miséria de forma industrial, enquanto o Planeta que ajudou a libertar, prospera e evolui. Apenas poucos anos depois da tragédia mundial, exemplificada pela Alemanha, esta Nação já inaugura em Solo Brasileiro, sua Maior Fábrica fora de seu território. Enquanto isto o Brasil de GV, Dutra, Brizola, Jango, Tancredo, JK, Paulo Freire, MEC, Alzira Vargas, Itamar Franco, OAB, UNE, Eugênio Gudin, Filinto Mulller, Trabalhismo e Sindicalismo Pelego, Assis Chateaubriand, Revisionismo Histórico é rotulado como Terceiro Mundo. “Nosso melhor período”, segundo Doutrinados, Malandros e Iludidos. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

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