PEC 37: a polêmica sobre a competência da investigação criminal

A Proposta de Emenda Constitucional nº 37 (PEC 37) define que a investigação criminal é de competência privativa da polícia judiciária (polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal). É uma definição clara, mas polêmica, na medida em que invade as atribuições de outros órgãos públicos. O mais afetado por essa proposta de emenda seria o Ministério Público.

 

Em defesa de pontos de vistas distintos foram lançadas duas campanhas, a PEC da Cidadania e a PEC da Impunidade. Se, de um lado, a polícia judiciária insiste que a PEC é uma forma de reafirmar o que está disposto na Constituição, de outro o Ministério Público reclama a perda de seu poder investigatório e diz que a Constituição concede a ele poderes implícitos para realizar investigações criminais. A discussão embora possa parecer maniqueísta, não é. Há bons argumentos de ambos os lados.

 

Paulo D’Almeida, Presidente da Associação dos Delegados de Polícia (ADEPOL-BR), diz que a intenção da proposta é definitivamente acabar com divergências de atribuições e determinar quem faz o quê dentro da persecução penal (procedimento criminal que engloba a investigação criminal e o processo penal)”. Ou seja, para ele cada um tem sua função em tais procedimentos: “A polícia judiciária produz a prova, o ministério público acusa, o advogado defende e o juiz julga”.

 

Claudionor Mendonça dos Santos, Presidente do Ministério Público Democrático (MPD), organização sem fins lucrativos integrada por membros do Ministério Público de todo o país, diz que “há necessidade de se acabar com esta visão de que o Ministério Público atua apenas como acusador. A tarefa atribuída ao Ministério Público é defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos individuais e sociais indisponíveis.”

Em outras palavras, o papel do Ministério Público, para o promotor, é ser o advogado da sociedade e garantir a inviolabilidade de direitos fundamentais como a vida, a liberdade e a segurança.

 

Ambos concordam, no entanto, quanto ao fato de que a melhor saída na busca da persecução penal seria o trabalho integrado entre a polícia judiciária e o ministério.

 

O presidente da ADEPOL cita o jurista Ives Gandra Martins e diz que “no Brasil é sempre bom deixar óbvio o óbvio”. Ele não desconsidera o Ministério Público, ao contrário, reflete sobre a importância do MP e diz não ter críticas a sua atuação. Entretanto, afirma que o poder constituinte originário (que redigiu a Constituição de 1988) atribuiu ao Ministério Público “apenas as características de ser parte do processo e fiscalizador da polícia judiciária, não o poder de investigar”.

 

Para o MP, no entanto, o óbvio não é tão cristalino e a dúvida quanto à necessidade da PEC é evidente. Carlos Eduardo de Azevedo Lima, Presidente da Associação dos Procuradores de Trabalho (ANPT), entidade de classe do Ministério Público do Trabalho (MPT) não vê razoabilidade em tal discurso. “É ilógico o Ministério Público controlar as investigações policiais e não poder participar delas”. Para alguns promotores, esta ilogicidade é tão grande que permite, de pronto, entender a proposta de emenda como inconstitucional. Para o promotor de justiça de Rondônia, Renan Kalil, “ao impedir o poder de investigação do Ministério Público e, portanto, o exercício pleno de tais atribuições, a proposta incorre na inconstitucionalidade, principalmente por atingir cláusulas pétreas da Constituição [defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos individuais e sociais indisponíveis]”. Lima complementa que “a autonomia e independência do Ministério Público não se coadunam com a ideia de um órgão que venha a ser mero espectador ou repassador de provas ao Poder Judiciário”.

 

Na mesma linha, o Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e promotor aposentado Antônio Carlos Magalhães se contrapõe à ideia do poder de produção de provas pela polícia. “Não há produção de provas em um inquérito policial, ele é apenas um procedimento preliminar da persecução penal. Há apenas a produção de informações que serviram de base para a proposição ou não de uma ação penal”. Ou seja, autoria, tipificação de crime, testemunhas, documentos ou outras evidências para que o Ministério Público produza provas em juízo.

 

PEC da Cidadania ou da Impunidade

D’Almeida diz que a denominação PEC da Cidadania mostra ao cidadão o aspecto legal da discussão. Ele discorre que todo inquérito policial tem procedimentos, prazos e formas determinadas de obtenção das informações perseguidas. “Não há escolha do que será investigado: a polícia corre atrás de todos os dados, não há sigilo ou reservas para se mostrar o que está sendo investigado”. Ele enxerga que as investigações feitas pelo ministério são parciais “porque ele é parte no processo penal”. Além disso, “no caso de investigações do MP, não há quem controle o controlador [fazendo referência ao poder do ministério de controlar e fiscalizar a polícia judiciária]”.

 

Em contrapartida, o delegado ironiza a denominação PEC da Impunidade: “Se o Ministério Público deve fiscalizar a polícia judiciária, falar sobre impunidade é se mostrar omisso”.

 

Já, a denominação PEC da Impunidade faz sentido, para quem promove a campanha, principalmente quando os casos a serem investigados envolvem a própria polícia ou membros do Poder Executivo ao qual a polícia é subordinada. “Não há como se entender que a polícia realize investigação sobre membros da própria polícia ou do poder executivo”, reflete o presidente da ANPT.

 

Ele, no entanto, não gosta desta visão maniqueísta da questão, que coloca a polícia do lado bom e o MP como o mau, ou vice-versa. “A ideia é que as ações da investigação criminal sejam harmônicas, concatenadas e que se utilizem ao máximo da parceria entre os órgãos estatais”. Ele reflete que no fim o que se pretende é a solução rápida, eficaz e otimizada de cada investigação.

 

Com relação à questão de não haver quem controle o controlador, o professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo, Gustavo Badaró, afirma não ver a existência de conflitos constitucionais ao poder investigatório do Ministério Público, mas salienta a necessidade de ajustes a este poder para evitar um desequilíbrio do Estado de Direito. “É preciso que haja uma lei que regulamente e estabeleça as hipóteses em que o Ministério Público pode investigar, como ele deve proceder, quem poderá ter acesso a estas investigações. Até mesmo para saber que valor a investigação ministerial terá para a ação penal”.

 

 

 

 

Redação

1 Comentário

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  1. A iniciativa de investigação

    A iniciativa de investigação pelo MP pode ser ruim, seletiva, abusiva, e tudo o mais que tentam jogar nas costas do MP.

    Mas, quem conhece a área sabe, que tudo isso dito acima é bem mais grave e de consequências mais danosas dentro da própria polícia.

    Trata-se de vício de origem, e ainda anterior à própria criação destes aparatos.

    Falo do modelo que ainda sobrevive no Brasil, o chamado “casa grande e senzala”, onde o direcionamento de medidas em qualquer setor sempre beneficiam alguma e prejudicam outros, acobertam alguns e por outro lado criam os “bodes expiatórios”.

    E a prova está bem aqui, no tema, ou seja, em um momento de extrema necessidade de união de todos para a prevenção e combate as crimes que chegaram a um ponto alarmante que imobiliza a própria sociedade, eles optam, os dois lados, por criar dissenções.

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