Para economia comportamental, não somos totalmente egoístas

Especialista Flávia Ávila aponta que tendência do ser humano ser mau perdedor é inata e explica porque “efeito manada” faz sentido
 
Jornal GGN – A economia comportamental é um campo em franca expansão no mundo e utiliza ferramentas da microeconomia e da psicologia para calcular o impacto de escolhas individuais em grande escala sobre a macroeconomia. Em 2015, um dos principais relatórios sobre o tema – Mente, Sociedade e Comportamento -, foi publicado pelo Banco Mundial.
 
No Brasil esse nicho da economia ainda está se projetando e uma das principais estudiosas sobre o tema é a fundadora do site EconomiaComportamental.org e consultora da InBehaviorLab, Flávia Ávila. Em entrevista para o programa “Na sala de visitas com Luis Nassif“, a economista destacou que os estudos nessa área são feitos, geralmente, para compreender os impulsos por trás do consumo, o fenômeno da corrupção e, principalmente, o impacto da incerteza e instabilidade econômica sobre o comportamento humano.
 
Um dos conhecimentos gerados pela economia comportamental destacado por Flávia é que, ao contrário do que o senso comum supõe, as variáveis psicológicas influenciam muito mais um indivíduo do que incentivos financeiros ou o risco de punição. 
 
“A gente não é inteiramente racional, e nem é meramente egoísta, nos preocupamos sim com o outro. A gente tem uma variável importante que é de reciprocidade”, explicou, ou seja, o ser humano comum tem uma necessidade de interdependência com o outro e de ver seus atos serem correspondidos ou que correspondam com o meio social onde está inserido. E, em testes mais avançados, Flávia destacou que, além da descoberta de que o ser humano não é meramente egoísta, ele pune indivíduos egoísta, mesmo que isso signifique perder dinheiro do próprio bolso. 
 
Um outro comportamento estudando nesta área é o chamado “efeito manada”. Flávia desmistifica a ideia de que essa pulsão coletiva é irracional. “Se a pessoa vê todo mundo fazendo algo, num momento de crise, ela simplesmente segue, e essa ideia de seguir os outros é tão forte e [geralmente] não sabemos algumas motivações que estão por trás. O que a gente observa nesses estudos é que normalmente você acaba seguindo um outro porque você acha que aquela pessoa já calculou os custos, os benefícios e é mais fácil (…). Além disso, você tem os fatores ao redor, ou seja, você quer ter o mesmo conhecimento ou mostrar ter o mesmo conhecimento e nível de consciência que os outros, então você age querendo participar daquele grupo”.  
 
Os trabalhos de Daniel Kahneman, psicólogo israelense que ganhou um Nobel em economia por seus estudos na área comportamental, revelam também que o ser humano é 2.5 vezes mais avesso à perda do que ao ganho. Em outras palavras, a tendência do ser humano ser um mau perdedor é inata, porque o benefício sentido pelo ganho não é tão grande quanto a dor sentida quando ocorre a perda. Essa conclusão explicaria porque governos – mesmo aqueles que implantaram políticas de bem-estar social – dificilmente se sustentam durante crises financeiras. 
 
“Se você tem aquele padrão e vai ganhando [ao longo de um certo período], é gostoso, é legal, mas, ele [o sentimento do ganho] não é tão forte quanto a perda daquela mesma quantidade. Então quando tem essa perda brusca [da qualidade de vida decorrente de crises econômicas], a revolta é muito mais forte”. 
 
Acompanhe a seguir a entrevista na íntegra.
 
https://www.youtube.com/watch?v=Ej-ovsWQKWw width:700]
 
Luis Nassif – Fala um pouco da área de economia comportamental no Brasil.
 
Flávia Ávila – Essa área no Brasil realmente está insipiente, ela ainda é mais vinculada com educação financeira, com a parte de consumo que é realmente onde ela tem bastante a agregar, e a dimensão do impacto que ela pode criar ainda não é tão nítida. 
 
O boom realmente dessa área que teve nos Estados Unidos e na Inglaterra foi na crise de 2008, que mostrou que as coisas não eram realmente ali como eles previam. Então, grandes livros foram lançados ali. Na verdade, a gente criou um guia que foi lançado em novembro do ano passado, na FEA-USP, pra mostrar um pouco como essa área está desenvolvida lá fora com estudos empíricos. Ela ganhou força mostrando dados reais, empíricos. Realmente, algumas variáveis psicológicas, sociais podem ser muito mais efetivas do que incentivo financeiro, do que punição.
 
Quais são essas variáveis? Porque sempre a ideia [que vigorou] é que o egoísmo, a soma dos egoísmos, gera uma síntese virtuosa. Não é isso? 
 
A economia comportamental desafia essa ideia. A gente não é inteiramente racional, e a gente não é meramente egoísta. A gente se preocupa sim com o outro, a gente tem uma variável importante que é de reciprocidade e, mais ainda, as vezes uma questão para os economistas é que, por exemplo, você precisa ter um modelo, o modelo vai ser mais elegante se você considerar alguns fatores fixos. E lá fora, principalmente no centro que fiz parte, o CeDEx [Center for Decision Research and Experimental Economics,da University of Nottingham, Inglaterra], ele tem até bastante matematização no sentido de que quando você faz experimentos em vários locais, em vários países de uma forma mais consistente, consegue até mesmo modelar. Então, ver o nível de aversão à desigualdade que aquela população tem, ver o nível de diferenças [entre] homem e mulher. Ela [economia comportamental] trabalha muito com essa parte experimental que é a gente colocar pessoas no momento da decisão tomarem decisões com incentivos reais, ou seja num laboratório ou na vida real.
 
Como é esse experimento?
 
Normalmente é pensando um experimento de campo, que é mais a minha área. Você, simultaneamente, desenhar intervenções diferentes, normalmente mudando só uma variável. Então uma variável que as vezes é variada é o preço, a outra que é mudada na frase [do questionário entregue às pessoas em teste] é ‘tantas pessoas já fizeram isso, já economizaram energia etc’, e testar essas diferentes questões. 
 
As pessoas normalmente não têm ideia do quão forte é a parte psicológica e social. Mas quando você faz um bom desenho, por exemplo, você pega pessoas parecidas e randomiza. Você coloca pessoas pra incentivo financeiro, pessoas pra incentivo social, pessoas pra manter uma opção padrão, já que a gente é muito tendencioso à inércia, daí quando você mensura isso, pessoas parecidas com uma variável alterando, esse resultado fica mais limpo. Tanto, por isso, o Banco Mundial lançou o relatório Mente, Sociedade e Comportamento, ano passado, porque quando esse resultado está mais limpo essa área começa a ganhar força. 
 
Essa questão de aversão à desigualdade que você mencionou, como é mensurada?
 
A gente faz normalmente experimentos em laboratório, também experimentos de campo, que são feitas muitas vezes com estudantes universitários – existe até uma crítica se isso pode ser extrapolado pra população, e tem muitos estudos que mostram que sim -, e você coloca pessoas em um ambiente real com dinheiro, vão gastar 100 reais, e você tem uma situação ali desenhada. ‘Se você colocar esse dinheiro nesse local, você vai ganhar 40% dele, mas se você ficar com ele pra você, ganha 100%’. Você vai ali manipulando algumas variáveis onde, numa situação racional, entre aspas, você ficaria com tudo pra você, pensaria só em você. E o que observamos é que isso não acontece. Tem estudos lá no CeDEx, do Simon Gaechter, um grande estudioso dessa área, e de um outro autor é Ernst Fehr, que também é bastante conhecido nessa área, que mostram com jogos encadeados, que existe um aprendizado. 
 
As pessoas vão vendo que, no início, elas querem dar a metade [do dinheiro]. Mas quando as pessoas veem que as outras pessoas estão colocando menos, e ficando menos dinheiro para elas, elas começam a agir de forma mais racional, porque se sentem injustiçadas. 
 
Ou seja, quando tem a sobra é mais fácil haver a solidariedade. 
 
Na verdade, a gente observa que, além das pessoas não serem meramente egoístas, elas punem mesmo a pessoa que é egoísta, mesmo que isso tire dinheiro dela. ‘Eu não achei isso justo, eu tiro do meu dinheiro pra punir, porque isso não foi justo’.
 
Por isso você tem as empresas hoje trabalhando os temas sociais?
 
Também acho que essa parte de você tentar interagir na cultura, na sociedade, mudando mostrando pras pessoas que isso é importante, cria exatamente uma fórmula de interagir de caridade…
 
E na política onde isso deveria ser mais importante está um pouco diluído…
 
Sem dúvida. Na política você tem algumas intervenções, não só pela questão de dinheiro, mas quando você vai com intervenções que trabalham muito mais o psicológico ou social, consegue empoderar um pouco melhor essas pessoas de uma forma que você não imaginava. 
 
E aí, nesse caso, pobreza e desenvolvimento o que acontece nesses experimentos é mais ou menos isso, você pegar uma população mais pobre. Por exemplo, tem um experimento muito famoso num banco da Filipinas que pegou várias pessoas mais pobres que já eram daquele banco e pra determinadas pessoas você ofereceu uma caixa onde ela poderia poupar dinheiro colocando dinheiro lá, e aí tinha uma chave que ficava no banco. Outra [opção dada na experiência] era a transferência automática, que é muito mais fácil, e o outra ia uma pessoa dar aula de educação financeira, e falar: ‘Se você poupar no futuro, vai ter isso etc’. E aí, pra ver o que é mais efetivo. No longo prazo a caixinha e a adesão foi muito maior. 
 
Então você tem situações, economias de alta incerteza que é o que mais se estuda na economia comportamental, é o que é incerteza e a instabilidade gera no comportamento humano e aí você tem reações não esperadas. A questão é, essas reações são inesperadas, a gente sabe, o ser humano é uma caixa de surpresas, mas o que a gente tem observado sistematicamente na economia comportamental é que esses padrões podem sim ser previsíveis. Esses desvios sistemáticos acontecem de forma muito forte, e aí você pode prever isso e agir.
 
Vamos pegar macroeconomia, você tem que ter um conjunto de medidas que o resultado vai depender da maneira como os agentes econômicos recebem essas medidas, e aqui, o padrão de discurso macroeconômico no Brasil é tosco, eu acompanho há 40 anos é a mesma coisa. De alguma maneira essa questão desses estudos, estão mudando um pouquinho a percepção de como que a política macroeconômica rebate nas expectativas desses agentes? 
 
A economia comportamental, na sua essência, é muito ligada à microeconomia, no agente da pessoa individual que tem sim um impacto nos mercados, ou seja, uma ação individual que ela impacta, então você vê por exemplo, a partir de hard, que você segue e causa uma crise global. Hard é o efeito manada. Então a pessoa faz uma coisa, se ela vê todo mundo fazendo, num momento de crise ela simplesmente segue. E essa ideia de seguir os outros é tão forte, e a gente as vezes não sabe algumas motivações que estão por trás daquilo, e algumas motivações que a gente, por exemplo, observa nesses estudos é que normalmente você acaba seguindo um outro porque você acha que aquela pessoa já calculou os custos, os benefícios e é mais fácil. 
 
Que nem você está perdido numa cidade, você vai atrás de um carro que acha que tem a saída e fica todo mundo dando voltas…
 
E quando é um amigo, então? Quando é uma pessoa que você respeita? Porque as vezes você tem amigos que são de outras profissões, olham um amigo que é economista e fala ‘poxa, eu respeito você’. Acho que o poder mesmo que você tem é muito forte, ou seja, pessoas que acreditam no conhecimento, na credibilidade e falam ‘poxa, não vou conseguir esses anos todos que o Luis Nassif teve de estudos, então eu sigo, eu acredito nele’. Então tem esse ponto, você confirmar nessa informação e achar que o outro já tem todos os conhecimentos, e nem sempre ele tem.
 
Mas daí dá pra explicar essa crise da política, o aparecimento da ultradireita nos diversos países na medida em que durante décadas você destinou ao economista: ‘Você tem a sabedoria’. O Brasil, desde o Rui Barbosa tem isso. Quando isso aí [a moral dos economistas] se dilui, fica num mato sem cachorro.
 
É. Economista é um profissional delicado, eu posso falar já que é a minha área, principalmente por exemplo, no nosso caso, que estuda a economia comportamental, você fala em psicologia todo mundo torce o olho. É bem difícil você trabalhar nessa parte e, ainda mais, mostrar que esses resultados são mensuráveis, dados e também foi por isso que ganhou a dimensão que ele ganhou. Então nesse caso da política isso é muito forte, você tem atores importantes, tendo seu posicionamento que você acredita, que você vincula aquilo ali, você sabe que aquela pessoa estudou muito economia ao longo do tempo. Então isso sim age de forma bastante forte. Além disso você tem os fatores ao redor, ou seja, você quer ter o mesmo conhecimento ou mostrar ter o mesmo conhecimento e nível de consciência que os outros, então você age querendo participar daquele grupo. 
 
Tem um experimento, fugindo um pouco de política, mas acho que dá uma dimensão legal, na área de energia, que é você incentivar economia de energia, aí você aumenta valor, questões de pico. Começou nos Estados Unidos, por uma empresa grande. Eles mandavam na carta de energia das pessoas tanto o consumo de energia delas como dos vizinhos, que o vizinho estava economizando muito mais e o gráfico mostrava que estava. Hoje em dia com tecnologia se mostra até um ranking dos amigos, quem está economizando mais ou menos. Na verdade, essa estrutura usa muita coisa de economia comportamental, então tanto a parte de prova social, quanto a parte de mensurar de forma mais tangível. 
 
Nesse caso eles viram absurdamente a diferente que fez mostrar o consumo do vizinho. Nessa questão de prova social isso é muito importante. Primeiro, você pode falar que o Brasil inteiro consome X, e você está consumindo acima, mas quando você fala do seu vizinho, fala da sua família, de uma pessoa próxima você quer estar melhor, você não quer ter um comportamento que eles possam julgar ou ser errado. Então o nível de poder da prova social é muito forte.
 
Quando começou a história do novo consumidor lembro de algumas pesquisas do Data Popular, bem no início quando surgiu o [livro], A Cara do Brasileiro, que a Veja tentou transformar na história de que os ricos são virtuosos e os pobres não. O Data Popular ele soltou uma pesquisa mostrando que o nível de solidariedade dos pobres era maior do que o do rico, pegando em alguns pontos específicos: ‘Você fica com os filhos do seu vizinho, quando ele precisa, você passa pros seus vizinhos dica de produto bom que você está comprando…’ Por outro lado a gente percebe hoje com essa implosão do mercado de opinião que não tem mais opinião homogênea por classes.
 
Sem dúvida a gente observa [isso]. Na InBehaviorLab a gente faz consultorias também em relação ao consumidor. Você observa que quando você está segmentando as pessoas, que é aquela segmentação de classe C, B e A, isso aí já não serve mais, na verdade você tem padrões, tem grupos específicos muito delineados com outras questões, é o hipster, é o executivo… 
 
Se você parte desse pressuposto de ter essa base enorme de classe C, esse fator de você classe C ele não pode ser considerado como ‘a classe C emergiu, todos querem consumir, e é uma sociedade de consumo e tudo caiu’. Então você tem segmentos específicos que foram afetados sim, positivamente. Tem segmentos específicos que os jovens, por exemplo, têm que ter o tênis novo, porque o Neymar está mostrando e isso influencia a identidade dele e ele é capaz de fazer qualquer coisa por aquele tênis. Nesse sentido a gente tem dentro da classe C diferentes perfis e aí a preocupação de quanto essa mídia de fora, quanto que o fator social, afeta cada diferente perfil. E aí [entra] um pouco a economia comportamental, como falei da questão do experimento, quando ela propõe experimento quer mostrar um pouco essa questão. Quanto que afeta aquele tênis novo que está ali, e o vizinho ter um outro tênis?
 
Tem um experimento que gosto, muito simples, do Facebook que eles colocaram uma campanha X, com pessoas parecidas, numa foto [de propaganda] tem três likes, de pessoas que você não conhece. Em outra três likes de pessoas que você conhece. Em uma outra, posta uma foto sem like nenhum. E eles veem nos padrões de comportamento, como a influência é enorme [das pessoas próximas sobre o indivíduo]. [É] um estudo que até a gente quer replicar. 
 
Eles classificam por vários fatores, pra pegar pessoas iguais. Se nesse nível micro isso acontece, imagina essas divulgações enormes nas mídias sociais, que aparecem nas suas redes sociais ‘cem amigos seus já curtiram isso aqui’?
 
Quando a gente pega o mercado de opinião de maneira geral ele implodiu com a disciplina que os veículos de comunicação tradicional davam. Quando você pega o padrão de publicidade, desde a expansão, principalmente o capitalismo americano, vem com a ideia de padronizar o mercado: ‘o consumo da classe média de São Paulo é igual de Buenos Aires, é igual de Nova York’. Então isso aí gerou um padrão de publicidade, ‘se você comprasse o tênis tal iria ficar igual a fulano’. Não sei se é impressão minha, não tenho visto mais televisão, com as redes sociais e esses novos pontos de definição de comportamento esse padrão está sendo substituído por outro?
 
As redes sociais, aí de uma perspectiva até de empresa e tudo, você consegue segmentar, mas existem públicos. Tem grandes empresas e-commerce que consegue trazer a impulsividade daquele momento e o fator que mais afeta aquela pessoa. Eu falo muito que experimento na área privada – eu venho da área privada -, já é feito há algum tempo. A questão é a gente usar essa informação, além realmente de criar estratégias mais efetivas até pra empresa, porque acho que isso não deixa de beneficiar o consumidor e as pessoas no geral.  Você pode entender esse padrão de comportamento pra você usar por benefício próprio, no dia a dia pra fazer economia, ter hábitos mais saudáveis e é um pouco essa ideia que acontece.
 
Na rede social quando você tem essa viralização de alguns pontos ela pode ser usada de forma muito positiva, mas, como você consegue segmentar muito, essa variável psicológica e social, com sua amplitude, pode também danificar mais o processo decisório, porque você tem um nível informacional daquela pessoa imenso, sabe o que ela comprou, onde ela foi, onde ela fez. Então você deixa disponível pras empresas. Então acho que o alcance que ela pode influenciar seu processo de decisão acaba sendo maior. 
 
Essa questão da perda e fato da ciência ter se desenvolvido depois de 2008, essa questão do cidadão europeu e esse desmonte do Estado de bem-estar, qual é a saída que ele vê? É isso que justifica essas saídas meio bonapartistas, partidos radicais? Essa decepção se resulta em quê?
 
Ela [a sociedade] já tem, como estávamos até falando antes, ela se acostuma com aquele padrão de vida, com aqueles benefícios do Estado, ela tem aquele padrão. Quando ela perde [dá] esta dor. Então os trabalhos do próprio Daniel Kahneman – que psicólogo israelense é ganhou um Nobel em economia, o que é muito legal – sobre essa parte da teoria da perspectiva, [apontam] a ideia de que a gente é mais avesso à perda que é 2 ou 2.5 mais forte do que o ganho. 
 
Então se você tem aquele padrão, você vai ganhando, ganhando, é gostoso, é legal, tem o benefício do ganho, mas ele não é tão forte quando você perde naquela mesma quantidade. Então quando tem essa perda brusca, a revolta é muito mais forte.
 
Dois momentos: pegar o final dos anos 70, os movimentos [dos metalúrgicos] do ABC e pegar agora. Você teve uma ascensão social lá, em que pese a ditadura você teve uma ascensão social. Então o metalúrgico tava [bem com os ganhos econômicos], quando rompeu essa possibilidade [de manutenção dos ganhos econômicos e a crise fiscal do estado] daí teve a explosão [em greves] que resultou num partido político [a criação do PT]. Quando você pega o chamado desencanto da chamada classe C, se for pegar a situação deles hoje comparada há dez anos atrás, estão muito melhor, mas comparado ao ano passado, essa perda é imediata né? 
 
Sem dúvida, a gente vive um momento de ruptura. Acho que a gente tem o desafio de usar isso da melhor forma possível, fazendo do limão uma limonada. Então tem uma ruptura, teve uma sociedade de consumo crescendo muito. Quando eu estava fazendo mestrado na Inglaterra, o Brasil tava bombando. Então tava ali na Inglaterra com o olho brilhando em relação ao Brasil, os consumidores consumindo mais, tendo mais qualidade de vida.
 
Quando você começa a cair, e eles demoraram a perceber por causa de todo um processo, essa queda foi realmente muito brusca. Então a angústia, a dificuldade de lidar com aquilo e tem até realmente que ver o que é que causou isso, você tenta até que achar culpados pelo que aconteceu. 
 
Agora existe uma preocupação nossa, de economistas comportamentais, de estudantes nessa área, que se você tiver um pouco de melhora financeira, se você mostrar pelo menos que está havendo essa melhora financeira, você começa a gerar também as vezes um excesso de confiança, um excesso de … a gente fala de um viés que é um viés de confirmação. Quando você quer, você já tomou uma decisão, vai investir X, vai procurar as coisas que aprovam que dizem aquilo que você já decidiu. Isso é muito forte, é um viés muito estudado. 
 
Então nesse caso, por exemplo, das classes perdendo poder de compra e tudo, isso está mais latente neles, então tendem a procurar mais informações que falsificam isso, ou no caso a crise melhorando, ou pelo menos a parte econômica, você ter um outro boom [de crescimento], uma esperança em relação à isso que não é real. Então isso pode gerar uma procura maior por endividamento, mais crédito. 
 
Por isso que é tão importante essa reflexão agora, de tudo o que a gente passou, e então a gente ter uma reflexão em relação à: ‘será que essa melhora [de expansão de crédito, por exemplo] não pode causar também algumas dificuldades, mesmo pro pobres que acha que vai voltar tudo a maravilha que tava antes?’ Então tem essas questões de expectativas e incertezas que é bastante estudada.
 
Além disso, grande parte, acho que um quarto, pelo menos dessa área de economia comportamental, estuda a corrupção. Hoje em dia a gente tem uma pessoa que fez um documentário recente pro Netflix, que é o Dan Ariely, e que tem um livro na área de desonestidade e você observa que essa parte de desonestidade, com esses estudos experimentais, o fato de você ser um pouquinho desonesto não tem problema, o pouquinho está tudo bem. E aí é um padrão mesmo de comportamento. 
 
Sei que o TCU [Tribunal de Contas da União] fez toda uma campanha ‘nos pequenos detalhes você deve tentar não ser desonesto’. Mas aí acho que a gente tem oportunidade porque mostra na verdade, os estudiosos na área, que as grandes quebras de estrutura que afetam a estrutura como um todo são essas pequenas desonestidades juntas, porque você ainda tem a questão da prova social, se o outro fez, eu posso fazer. As vezes muitas pessoas pensam como a questão do jeitinho brasileiro, como sendo uma coisa completamente negativa. A gente tem o jeitinho brasileiro, quem morou fora observa e quando volta até se assusta em algumas questões, mas a gente é um povo muito criativo…
 
Os programas de qualidade aqui usaram o jeitinho como um instrumento de inovação fantástico.
 
E na verdade a economia comportamental tem essas ideias de que se você fizer uma pequena mudança age muito mais do que uma grande intervenção. A nossa criatividade ainda pode ser muito explorada nesse sentido, até pra mostrar que tem efeito. Tem um case que revolucionou a previdência privada nos Estados Unidos, legal pra pensar. Eles pegaram um formulário de previdência privada, quando se entra numa empresa, você pode investir na previdência privada 3%, a empresa coloca 3%. Esse formulário era normal, como era aqui pra gente. Você quer participar? Coloque o X. Eles fizeram um experimentando [duas perguntas no formulário], uma é ‘você quer participar? Coloque um X’, e a outra ‘você não quer participar?’, coloque um x’. O que aconteceu, você saiu de 30%, 36% pra 84% das pessoas que aderiram a poupança privada. Um absurdo. O que eu brinco é, será que numa reunião de governo se propusesse isso iria se sentir meio constrangido, uma coisa tão simples, tão boba?
 
O que a gente tenta trazer é essa cultura de trazer, tentar, medir e aprender, errar, testar de novo, e o jeitinho brasileiro, nesse contexto, pode ser muito bem utilizado. Se você tenta incentivar essa cultura de que você pode errar, ‘faça mais testes, avalie de forma bastante criteriosa esses testes’, e aí você pode mostrar o efeito que isso acontece, pode criar mudanças muito maiores.
 
Em pleno apogeu, da autoestima lá em cima, o pessoal de Minas Gerais fez uma pesquisa sobre o novo brasileiro e o jeitinho brasileiro apareceu como qualidade, perdia aquela característica histórica….
 
Eu realmente acredito que temos muito a melhorar, daí tem essa parte de desonestidade, e algumas questões que eu acho culturais que a gente tem e está melhorando, e acho que tem que bater na tecla de melhorar. O jeitinho brasileiro ajuda a gente a ir, tanto que lá fora, quando profissionais saem daqui e vão pra fora conseguem implementar coisas que eles nem imaginam, com o jeitinho. Então no nosso dia a dia somos incentivados a isso. E aí realmente acredito bastante que a gente precisa ter experimentos brasileiros. 
 
Essa questão hoje em dia [da previdência] está sendo usada pelo Funpresp, até conversei com eles pra usar [essa técnica] e incentivar [a adesão à previdência privada. Só que a gente acaba usando um estudo lá fora, que com certeza tem um resultado, mas tem pouco estudo com brasileiro, e que perfilzinho que é esse do brasileiro! Temos pouquíssimos estudos nessa linha, infelizmente. A gente tem vários estudos sendo bem feitos de políticas públicas, inovação, mas na linha de economia experimental e comportamental é trazer essa ideia do jeitinho, a ideia do brasileiro. Como ele se comporta? E aí realmente algumas soluções podem surgir que a gente não imaginava antes.
 
Redação

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