Aposta em commodities é um erro, alerta Graziano, da FAO

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O economista e professor José Graziano da Silva: “O grande impacto do crescimento da renda sobre o consumo médio já passou, inclusive na China”

Foto: Scarpa

do Jornal da Unicamp

Aposta em commodities é um erro, alerta Graziano, da FAO

Prognóstico é de produção toda concentrada no Mercosul, quando o padrão de alimentação no mundo está em transformação

por Luiz Sugimoto

“Projetar o consumo da demanda de commodities agrícolas pari passucom o crescimento da população me parece um erro”, alerta José Graziano da Silva, professor da Unicamp e reeleito diretor-geral da FAO até julho de 2019. Ele, que compareceu de surpresa ao 56º Congresso da Sober (Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural), sediado pela Unicamp, argumenta que está em curso no mundo uma transformação muito profunda no padrão de alimentação e nos sistemas agroalimentares, com a diferenciação de produtos, a criação de pequenos nichos de mercado e a opção por circuitos curtos de transporte, valorizando assim a capacidade de produção local.

Convidado a participar da mesa sobre “O papel dos setores público e privado no financiamento da agropecuária brasileira”, José Graziano desculpou-se por fugir do tema para ilustrar as transformações no padrão alimentar da população. “A agricultura representou uma etapa em que a humanidade pôde assegurar a alimentação sem depender do dia a dia do caçador que saía em busca do alimento. A agricultura teve papel fundamental para diminuir o esforço pela sobrevivência.”

O diretor da FAO – a Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura – observa que hoje em dia, no entanto, pode-se afirmar que a agricultura contribui cada vez menos para a alimentação do ser humano. “Falo da agricultura stricto sensu, de cultivos. Temos outros setores de produção de alimentos, como a pesca, que têm crescido substancialmente. Isso produz uma grande diferença quando se pensa no que acontecerá no futuro: a imagem de que o objetivo é a alimentação e não propriamente a agricultura; não é o modo de produção, é o alimento em si.”

Ainda para justificar sua crítica à estratégia de commodities, Graziano dá o exemplo do suco de laranja, produto sobre o qual o Brasil mantinha liderança absoluta no mercado externo. “De repente, em função do teor de açúcar e dos aditivos, o produto perdeu completamente o espaço para a laranja espremida, para o suco feito na hora. E é essa a tendência: de crescimento do consumo de laranja in natura e não mais de plantações para commodity.”

O dirigente da FAO informa que a organização da ONU acabou de divulgar um prognóstico para os próximos 10 anos, com a conclusão pessimista de que, nesse futuro próximo, o crescimento da demanda por alimentos vai acompanhar o crescimento populacional. “O grande impacto do crescimento da renda sobre o consumo médio já passou, inclusive na China. Isso significa que a transição para a dieta mais proteica já ocorreu em grande parte, e que agora voltamos ao ritmo de crescimento que depende do volume do estômago.”

É neste ponto, segundo o docente da Unicamp, que a humanidade enfrenta uma epidemia mais grave que a da fome, com impacto no mundo todo, seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento: a obesidade. “O problema da fome está equacionado, pois sabemos onde está e sabemos por quê: atinge basicamente as regiões de conflito e de seca, sendo a sobreposição desses dois aspectos explosiva, como no caso dos países do Oriente Médio. Já a obesidade vai afetar o futuro da alimentação de uma maneira que ainda não conseguimos equacionar e resolver.”

Outro ponto destacado por José Graziano é a concentração da produção de commodities, que também consta no relatório da FAO. “O mapa do mundo hoje mostra que a produção está concentrada quase que totalmente no Mercosul, é onde está crescendo, enquanto em outras regiões cresce menos ou até diminui. O Mercosul tem retomado a liderança das commodities em todos os setores, de grãos a carnes. Soube que aqui [no Congresso da Sober] serão discutidos os dados do Censo Agropecuário sobre a expansão da produção de grãos e de outras culturas no Brasil aproveitando a área da pecuária.”

Os três países do Mercosul que possuem potencial de expansão da produção de commodities, acrescenta o diretor da FAO, são Brasil, Paraguai e Argentina. “A expansão na Argentina depende do impacto das mudanças climáticas na pampa úmida, que está se tornando uma região seca, fenômeno absolutamente desconhecido. E há uma incógnita quanto à Colômbia: depois da pacificação do país, empresas canadenses vêm se apoderando da região dos Llanos, que é plana, com muita água e emergente na produção.”

Um terceiro impacto que preocupa Graziano se refere ao desenvolvimento e introdução de novas tecnologias para aumentar a produção de commodities. “Eu olho sempre para o outro lado, para o impacto das novas tecnologias no campo social, e vejo basicamente uma concentração da produção. Se nos assustamos com a concentração de terras brasileira, a concentração do controle da tecnologia pode ser ainda mais assustadora.”

Sendo a tecnologia fortemente poupadora de mão de obra, o professor do IE teme o impacto não apenas sobre os trabalhadores rurais assalariados, mas também sobre os pequenos produtores. “Esses agricultores não terão chance de acompanhar as mudanças tecnológicas se não houver uma estrutura governamental nos moldes que tivemos antes, de assistência técnica, de extensão rural – questão que parece não preocupar nenhum governo, pelo menos na América Latina.”

Sem guerra

Um último ponto que, adverte o diretor da FAO, vai afetar bastante a questão das commodities, é um acordo que vem sendo gestado paralelamente à temerosa guerra comercial entre EUA e China. “É um acordo Estados Unidos-Canadá com a União Europeia, que progride muito bem e rapidamente, contra todas as expectativas, e deve redefinir um tema fundamental das exportações, que é a logística – transporte e armazenagem.”

José Graziano afirma que a produção, atualmente, é feita praticamente da mesma forma e com os mesmos custos. “A diferença dos custos está na logística de transporte e armazenamento. A tendência mundial é por circuitos curtos, que incorporam os produtos frescos (frutas, legumes, pescados e algumas carnes), por sua vez, fundamentais na dieta para prevenir a obesidade, que é o grande problema principalmente nos países desenvolvidos.”

Na Europa, reitera o professor da Unicamp, as pessoas já não comem para satisfazer as necessidades básicas, e sim por prazer. “A maior influência para o consumo de produtos agrícolas vem dos programas de gastronomia, o gourmet. A FAO fez o esforço de colocar a quinoa como um produto internacional e hoje ela é parte desse mercado gourmet: se no Peru o quilo é vendido a menos de um dólar, na Europa não se compra por menos de dez dólares.”

O dirigente lembra que as duas dietas recomendadas pela FAO como saudáveis para enfrentar o problema da obesidade são a japonesa e a mediterrânea. “A composição de produtos importados na dieta japonesa é mínima; o arroz é deles, assim como o óleo de oliva dos mediterrâneos. Há uma febre na Europa de produzir a próprio alimento, pelo menos os temperos: na Itália, não encontrei louro para comprar, pois todos têm um pé no apartamento. O modo de alimentação no mundo está mudando.”

Na visão de José Graziano, aspectos como a logística, a transformação da marca e o prazer em comer, colados à preocupação com a obesidade, podem transformar completamente a forma de produção de alimentos no futuro. “É este o alerta: embarcar na visão de commodities para o futuro – como fazem os países do Mercosul, entre eles, o Brasil – não é uma boa estratégia. Há uma tendência totalmente diferente que pode trazer uma reconfiguração produtiva de médio prazo na agricultura.”

TEXTO

FOTOS

EDIÇÃO DE IMAGEM

 

Imagem de capa JU-online

Audiodescrição: Imagem close-up, à direita, de três laranjas no pé, com algumas folhas verdes sobre elas, sendo que ao fundo, em imagem desfocada, aparece um amplo laranjal. Imagem 1 de 1.

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. FUNDAMENTALISMO ESQUERDOPATA

    Diminuição por demando por comida? Por água? 88 anos de esquerdo-fascismo, já não deu? Estas teorias que cabem na explicação sobre o regime de governo do Império até a barbarie de 2018. Então porque tantas empresas estrangeirs estão buscando por territórios para aumentarem a oferta de produtos agropecuários? O Mercosul está expandindo pelo simples motivo que não existe concorrência à altura no restante do globo. E Esquerdopatas estão novamente jogando esta oportunidade fora. Indútria da Pobreza para manter a Elite Esquerdopata Fascista que enterrou este país desde o apoio ao golpe militar ditatorial fascista de 1930. Criaram o “Pai dos Pobres”. E uma Nação inteira como Filhos. O resultado esta aí. Panfletagem ao invés de Jornalismo. Até quando esta latrina?!!  

    1. Ladainha, Água Benta, Hóstia & Velhos Babados Niilistas

      “Diminuição por demanda por comida? Por água?”

      Onde no texto aborda-se ou diz-se isso, ao invés da produção e diminuição da demanda por commodities agrícolas?

      Panfletagem ao invés de Comentário.

      Até quando esta [continuada] ‘commodity expressa’ [que leva do nada a lugar algum, sempre]?!!

      1. Lembrei to Titio Marx e sua Miséria da Filosofia

        “O preço dos alimentos tem subido quase continuamente, enquanto o preço de bens manufacturados e de luxo tem quase continuamente caído. Observe-se o sector agrícola: os produtos mais indispensáveis, como a carne, o trigo, etc., aumentaram de preço, enquanto os preços do algodão, do açúcar, do café, etc. estão em queda numa proporção surpreendente. E mesmo entre os comestíveis, são os de luxo, como as alcachofras, os espargos, etc., que hoje são relativamente mais baratos do que os de primeira necessidade. Actualmente, o supérfluo é mais fácil de produzir do que o necessário. Finalmente, nas diferentes épocas históricos, as relações recíprocas de preços são não só diferentes, mas também opostas. Em toda a Idade Média, os produtos agrícolas foram relativamente mais baratos do que os produtos manufacturados mas, nos tempos modernos, eles estão na razão inversa. Isto significa que a utilidade dos produtos agrícolas tem diminuído desde a Idade Média?

        A utilização de produtos é determinada pelas condições sociais em que os consumidores se encontram colocados, e essas condições baseiam-se no antagonismo entre classes.

        O algodão, a batata e a aguardente são produtos do uso mais comum. As batatas geraram a escrófula; o algodão tem, em grande medida, expulsado o linho e a lã, embora a lã e o linho sejam, em muitos casos, de maior utilidade, ainda que apenas do ponto de vista da higiene; e, finalmente, a aguardente têm ganho vantagem sobre a cerveja e o vinho, embora o seu uso alimentar seja geralmente reconhecido como venenoso. Durante um século inteiro, os governos lutaram em vão contra o ópio europeu; a economia prevaleceu, e ditou as suas ordens ao consumo.

        Por que são, então, o algodão, a batata e a aguardente eixos da sociedade burguesa? Porque é necessária menos quantidade de trabalho para produzi-los e, consequentemente, são mais baratos. Por que o preço mínimo determina o consumo máximo? Acaso é por causa da utilidade absoluta desses produtos, da sua utilidade intrínseca, que correspondem, da maneira mais útil, às necessidades do operário como homem, e não do homem como operário? Não: é porque, numa sociedade fundada na miséria, os produtos mais miseráveis têm a prerrogativa fatal de servirem ao uso da grande maioria.

        Dizer que as coisas mais baratas têm maior utilidade porque são as mais usadas, é o mesmo que dizer que o amplo uso da aguardente, por causa de seu baixo custo de produção, é a prova mais conclusiva da sua utilidade; significa dizer ao proletário que a batata é mais saudável que a carne; significa aceitar o presente estado de coisas; é, em suma, glorificar, como o Sr. Proudhon, uma sociedade sem compreendê-la.

        Numa sociedade futura, na qual o antagonismo entre classes tenha cessado, onde não existam sequer classes, o uso deixará de ser determinado pelo tempo de produção que é o mínimo, mas o tempo dedicado à produção de cada artigo será determinada pelo grau de sua utilidade social”. Karl Marx

  2. Nossa! Que complicação! Quer

    Nossa! Que complicação! Quer dizer que o espaço para o suco de laranja caiu e aumentou o de laranja in natura.É isso? E quem vai produzir a laranja?

    É claro que a logística é fundamental mas ela terá um fator preço extremamente importante nisso tudo. Talvez a engenharia de alimentos venha a ajudar na recuperação de alimentos saudáveis,já que isso ,segundo o professor,adquire cada vez mais importância em todo o mundo.

    E japonês só come arroz,professor? E os mediterrâneos “tomam” oléo de oliva,por acaso?

    Parece-me que a discussão vai muito além disto. Existe todo um mercado consumidor que está ausente desta questão,notadamente em todos os paíse em desenvolvimento ou completamente subdesenvolvidos.

    As commodities,em si,tem vária formas de ser trabalhadas agregando valor e reduzindo substancialmente o desperdício.

    Ao Brasil,no momento,commodities não é uma opção.É uma realidade que,com a atual conjuntura política do atraso,torna-se a única alternativa possível,isto se os golpistas e seus paneleiros amestrados não envenenarem tod o solo e todo o povo brasileiro.

  3. Commodities são mercadorias de baixo valor agregado

    Na divisão internacional do trabalho feita por e em prol dos países centrais do capitalismo, cabe à periferia do sistema produzir produtos primários, commodities, com baixo valor agregado, e importar produtos industrializados e capital, com alto valor agregado. Mas com o atual nível de desenvolvimento das forças produtivas, nem para exportar commodities as nações da periferia do sistema servem mais. Agora se produz maconha, da boa, e comestíveis na sala de casa.

    O mundo já não é mais o mesmo. Em presença de forças produtivas tão colossais, ou se reduz a jornada de trabalho sensivelmente, já que poucas horas de trabalho é suficiente para manter o mundo em paz e harmonia, ou o desemprego e a explosão social serão inevitáveis.

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