Até quando a imprensa vai bater-pirulito na carceragem do STF?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Qualquer decisão judicial proferida mediante coação popular, parlamentar, policial ou militar, não tem valor jurídico.

Até quando a imprensa vai bater-pirulito na carceragem do STF?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em breve o STF retomará o julgamento das ADCs 43, 44 e 54 [aqui] e [aqui]. Volto ao tema para analisá-lo por um outro ângulo.

A presunção de inocência deve operar efeitos até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Qualquer dúvida acerca da constitucionalidade do art. 283, do Código Penal foi desfeita pelo voto da Ministra Rosa Weber [aqui] e [aqui].

O princípio da culpa presumida, seja em virtude da raça (Alemanha nazista) seja em razão de suspeitas políticas (expurgos de Moscou, Macartismo norte-americano) não encontra guarida na Constituição Federal de 1988. A única exceção ao princípio da presunção de inocência entre nós é aquele que obriga o carcereiro a manter os presos dentro da prisão.

Em razão de sua função, o carcereiro deve presumir que as pessoas que estão encarceradas não podem ser soltas. Não compete a ele julgar a validade do mandado de prisão. Mesmo que a pena já tenha sido integralmente cumprida somente um juiz pode autorizar a soltura do réu. Se alguém for jogado nula cela de presídio sem o respectivo mandado prisão pode o carcereiro soltá-lo? A resposta a essa questão não é simples.

Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa é crime (art. 351, do Código Penal). Ordenar ou executar medida privativa de liberdade sem as formalidades legais também é um ato criminoso (art. 350, do CP). A função do carcereiro não é administrar o presídio. Portanto, se alguém for indevidamente encarcerado ele dificilmente conseguirá saber o que realmente aconteceu.

A aparência de legalidade do ato praticado pela administração do presídio induzirá o carcereiro a manter a pessoa na cela. A aparência de ilegalidade da soltura de alguém (mesmo que a pessoa tenha sido vítima do crime descrito no art. 350, do CP) certamente impedirá o carcereiro de deixá-la sair da prisão. Esse é um caso em que a “presunção de culpa” é capaz de operar efeitos jurídicos, pois o carcereiro não poderá ser punido por cumprir sua obrigação funcional de continuar “batendo pirulito”* na cela deixando de prestar atenção às reclamações de alguém que foi ilegalmente preso sem um mandado de prisão.

Soltar alguém que foi preso de maneira criminosa não é fato típico, pois essa conduta não se enquadra no tipo prescrito no art. 351, do CP (o tipo exige a legalidade da prisão). Pela mesma razão, nenhum juiz pode ser considerado criminoso se mandar soltar prisioneiros em razão da constitucionalidade do art. 283, do Código Penal.

A criminalização da presunção da inocência e/ou da mudança da orientação jurisprudencial no STF, para garantir a prisão dos inimigos políticos daqueles que passaram a defender a aplicação da presunção de culpa antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é um perigoso indício de que o Brasil está se transformando numa tirania. A Constituição Federal garante a autonomia do Judiciário. Qualquer decisão judicial proferida mediante coação popular, parlamentar, policial ou militar, não tem valor jurídico.

Os inimigos da democracia não querem restringir a autonomia do Judiciário. Eles querem ter o direito de declarar em última instância qual será o conteúdo da constituição federal num caso em que o que está em jogo são direitos personalíssimos atribuídos aos cidadãos em geral (e aos réus em especial). Não só isso, eles querem obrigar os juízes a cometer sistematicamente o crime prescrito no art. 350, do CP, algo que deveria ser repelido com vigor por todos os membros do Judiciário. A função do juiz é “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura) e não “bater pirulito” na cela da prisão como se fosse um carcereiro.

*expressão utilizada nos presídios para designar o ato do carcereiro de bater com um objeto nas grades das celas para verificar, através do som produzido, se alguma barra foi ou está sendo serrada pelos detentos.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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