O Brasil no “novo normal”, por Sergio Leo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

O Brasil no “novo normal”

Por Sergio Leo

Não se cantam músicas de Claudia Leitte em festa de Ivete Sangalo, mas, há poucos dias, o Brasil não ficou de fora do “Cartagena Dialogue”, evento de um dos mais importantes centros de estudos mundiais, que se dedicou a discutir a relação entre os países da Ásia e a chamada Aliança do Pacífico, a associação entre México, Colômbia, Peru e Chile.

“O Brasil é o elefante na sala; se ele não se integrar, será como uma União Europeia sem Alemanha”, comentou o economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Juan José Ruiz, ao falar sobre as perspectivas da Aliança do Pacífico.

A ausência do paquiderme brasileiro não impede, porém, que os países sul-americanos a oeste do continente pareçam cada vez mais dispostos a marginalizar as discussões sobre integração continental e sintonizar-se com os mercados mais dinâmicos fora da região.

América Latina deve ampliar exportações de serviços

“Há 60 anos falamos em integração e não há um país latino-americano que tenha mais de 25% de comércio com algum vizinho”, notou Ruiz.

Enquanto a integração continental segue mais robusta na retórica do que na realidade, a Ásia cresce de importância para toda a América Latina, atualmente alvo de uma ofensiva de charme do governo chinês, que busca diversificar seus investimentos.

As implicações desse movimento não escaparam ao Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), tradicional “think tank” sediado em Londres, cujo foco habitual são as questões de segurança e defesa internacionais.

O IISS, há pouco mais de uma semana, mobilizou ministros, executivos e especialistas dos países da Aliança do Pacífico e de nações da Ásia no que chamou de Diálogo de Cartagena, que incluiu um debate animado sobre perspectivas econômicas da região. Essas perspectivas são ainda otimistas, apesar da ameaça da desaceleração global.

O fato é que até o México, bem-sucedido em seu atrelamento à locomotiva industrial dos Estados Unidos, foi obrigado a rever suas expectativas de crescimento no ano passado, para algo em torno de 2% – embora agências de classificação de risco prevejam uma recuperação robusta em 2015.

Os países sul-americanos da Aliança do Pacífico também reduziram expectativas. Apesar da rede de acordos de livre comércio firmados nos últimos anos, seguem francamente dependentes de suas exportações de commodities, que representam mais de 80% das vendas ao exterior.

Essa dependência do ciclo mundial dos preços de commodities torna-se particularmente delicada no cenário que o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem chamando de “novo normal”, de queda ou estagnação no crescimento econômico em todo o mundo.

Zhu Min, vice-diretor-gerente do FMI e ex-vice-presidente do Banco da China, advertiu os participantes do seminário do IISS sobre a necessidade de mudar a estratégias de inserção nos mercados mundiais, para se adaptar a esse “novo normal” – ou “novo medíocre”, como preferiu a gerente-geral do FMI, Christine Lagarde.

“O ‘novo normal’ significa que os fluxos de investimento (da Ásia para fora), hoje 50% concentrados em recursos naturais, vão mudar”, avisou. Em lugar de exportar commodities, por meio de grandes companhias, como hoje, os países da América Latina devem esforçar-se para aumentar suas exportações de serviços e de outros bens de maior valor agregado, por meio de empresas de menor porte, defende Zhu Min.

Grandes responsáveis pela demanda asiática por recursos naturais, os investimentos na economia chinesa, hoje por volta de 44% do Produto Interno Bruto (PIB), devem cair, nos próximos anos, a 34%, prevê Zhu Min. Para cada 1% de queda nesses investimentos, os grandes exportadores de commodities ao mercado chinês verão uma queda de 0,2% a 0,3% em seu PIB.

“À medida que a Ásia se torna mais ‘leve’, cai a demanda de commodities, e precisamos gerenciar esse ‘soft landing’ na demanda'”, recomendou Zhu Min, em entrevista ao Valor, às margens do Diálogo de Cartagena. “Cerca de 34% das exportações da América Latina vão para a Ásia, grande parte de commodities”, lembra.

Foi nesse contexto que os participantes do diálogo travado na cidade colombiana de Cartagena discutiram obstáculos ainda presentes para o comércio com a Ásia, mesmo entre os países sul-americanos voltados ao Pacífico. Burocracia, barreiras e custo de transporte são alguns dos obstáculos ainda não resolvidos nas discussões dos acordos de livre comércio firmados ou em negociação na região.

Para Zhu Min, os países latino-americanos devem buscar oportunidades na crescente demanda por serviços que tende a vir da Ásia – como os serviços turísticos, demandados a cada ano por cem milhões de viajantes chineses; ou financeiros, em uma região cujos mercados de valores cada vez mais operam em sintonia com os mercados latino-americanos.

A criação de infraestrutura para pequenas e médias empresas, como plataformas on-line de comércio, melhoras na educação da mão de obra, apoio financeiro à expansão no comércio global, podem ser decisivos no ajuste a esse “novo normal” de menor apetite por produtos básicos, preconiza o executivo do FMI.

O debate sobre integração sul-americana deve recuperar fôlego em breve no Brasil quando, segundo promete o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), for divulgado estudo concluído há poucos dias sobre a matriz insumo-produto da América do Sul – uma avaliação das relações entre os setores produtores e fornecedores de toda a região.

Seria conveniente que esse debate levasse em conta o cenário ressaltado pelo economista chinês, que exige novas estratégias de conquista do mercado global.

O colunista viajou a Cartagena a convite do IISS

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro “Ascensão e Queda do Império X”, lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Novo Normal ????????????????????

    É trágico se não fosse hilário, como se inventam novos conceitos para definirem o que na realidade é apenas saque dos ricos sobre os mais pobres.

    O artigo a meu ver, nada mais é que a apologia da manutenção do bem estar dos paises ricos, e seus acordos para continuarem expropriando os pobres que não possuindo tecnologias, vivem na dependencia deles pelas commodities.

    Esta exportação de commodities, base de sustentação destes paises, faz com que se vejam reféns dos importadores, os quais por qualquer motivos os pressionam, fazendo com que se alinhem às suas politicas expansionistas e imperialistas! E aí daqueles que tentam se desvencilhar, tal qual a Russia hoje, e os paises governados por presidentes progressistas.

    Fato é que, a analise me parece tendenciosa, e a afirmação de que o México – ” … bem-sucedido em seu atrelamento à locomotiva industrial dos Estados Unidos …”, só não me faz rir, em respeito aos irmãos mexicanos !!!!

    Tal qual a declaração – ” Coitado do México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”!!! Quer mais ou precisa desenhar ?

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