Por que isso aconteceu aqui?, por Arnaldo Cardoso

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
[email protected]

Por que isso aconteceu aqui?

por Arnaldo Cardoso 

“Vitimados pela desigualdade, flagelados por impostos e corrupção, dependentes de proteção e segurança, atingidos pela globalização, surpreendidos por migrantes, abandonados pelos partidos tradicionais e fortalecidos pela capacidade de expressar-se dado ao advento da internet e das redes sociais, cidadãos reagiram nas últimas eleições consignando sua própria sorte a um governo populista, provocando uma sucessão de eventos de consequências imprevisíveis.”

O quadro acima, é um exercício de síntese para descrever a situação presente de uma sociedade que elegeu  um novo governo eleito com promessa de mudanças radicais, após uma violenta campanha eleitoral, marcada por ataques aos adversários e uso deliberado de fake news.

Se fosse ilustrar o quadro com imagens, poderiam ser utilizadas fotos de manifestações e discursos políticos em praça pública, com os seguidores dos partidos hoje no poder agitando bandeiras e vestindo camisas verdes e amarelas.

Nos jornais e noticiários televisivos facilmente se encontra avaliações como: “num país tão complicado, profundamente dividido de norte a sul e de cidade em cidade, a tendência desse retorno ao “autoritarismo”, para não dizer fascismo, sempre esteve ao virar da esquina” ou ainda “os cidadãos querem se armar, querem atirar à vista dos transgressores de suas propriedades”.

Mas, afinal que país é esse?

Na verdade, a pergunta que norteou a pesquisa de Maurizio Molinari para a escrita de seu livro foi “Por que isso aconteceu aqui?” (Perché è successo qui), pergunta que desde as eleições de março passado na Itália vem sendo feita por muitos pesquisadores e intelectuais nacionais e estrangeiros, surpreendidos com a força com que a direita e a extrema direita venceram em quase todas as regiões do país, mesmo em tradicionais redutos da esquerda como é o caso da região da Emilia Romagna.

Preservadas as diferenças de cada contexto, isso nos faz lembrar da surpresa também produzida pela vitória de Donald Trump nas eleições de  novembro de 2016 nos EUA, seguida pela surpresa com o resultado do Brexit no Reino Unido e, mais recentemente, com a eleição do novo presidente do Brasil, prontamente saudado pelos governos dos EUA e Itália.

Mas por que tantos eventos surpreendentes? Que abismo é este, revelado por eleições e referendos, entre lideranças políticas e intelectuais e a vontade de seus concidadãos?

Nos EUA, primeiramente se perguntou: quem é o eleitor de Trump? Depois, passou-se a indagar: quais foram os meios usados na campanha republicana para atingir esse eleitor? Passados os primeiros meses e muitos artigos publicados, as indagações evoluíram sobre o sistema de pesos e contrapesos na democracia norte-americana e a capacidade das instituições em resistir aos arroubos voluntaristas e autoritários do novo ocupante da Casa Branca.  Na Itália e no Brasil, após os recentes pleitos, além de indagações similares e algumas pistas sugeridas pelo caso americano, há uma maior preocupação quanto a disposição da própria sociedade e sua cultura política (democrática?).

Na busca por respostas para o caso italiano, Maurizio Molinari  empreendeu uma série de viagens pelo seu país, ouvindo pessoas de diferentes estratos sociais, visando captar “as razões para a insurreição que surpreendeu a Europa e mudou radicalmente as características da vida pública na Itália.”

Em sua investigação, demarcou cinco “tabus” da política italiana que jogam em favor de populistas e soberanistas. Segundo o autor esses tabus são: o medo do Islã, a competição econômica com os imigrantes, o medo de perder a identidade nacional, a impaciência com a Europa como um conjunto de regras e o fascínio por líderes autoritários.

Em sua investigação Molinari recorre à história, lembrando que a compreensão do presente muitas vezes exige que sejam lançadas luzes sobre o passado, ainda que incômodo. Quanto a ascensão de líderes autoritários lembra que Mussolini conquistou o poder em contexto de frustrações sociais com o término da 1ª Guerra Mundial, e vai levar o país a uma nova guerra com resultados ainda piores.

Quanto ao medo do Islã e da competição econômica com os imigrantes, tão bem explorados na campanha eleitoral, sobretudo pela Liga Norte de Salvini, o livro mostra que ambos sentimentos se alimentam da ignorância e desinformação. (Sobre isso, vale destacar que há boas e recentes pesquisas produzidas por institutos europeus que revelam a piora de índices de performance escolar dos jovens italianos, da queda na média de leitura de  livros, da ida a cinemas, teatros, museus. Há um acentuado declínio cultural dessa sociedade emblemática da civilização ocidental).

O já muito criticado burocratismo das instituições da União Européia e a perda de representatividade democrática de seus membros nos seus processos decisórios ajudam a compreender a “indiferença e desafeto com a Europa” e, para completar o quadro, o sentimento aflorado de fascínio por líderes autoritários como o russo Vladimir Putin.

Em resenha do livro de Molinari, o colunista Pierluigi Battista do jornal Corriere Della Sera destaca que “Molinari acusa os defensores do modelo liberal de ter obstinadamente  se recusado a ver o crescimento de novas e gritantes desigualdades sociais; a própria esquerda, vindo para corrigir e combater as desigualdades, não só não conseguiu perceber isso, como tornou-se uma defensora do modelo. “

Por fim, o livro que nos propõe uma “viagem à origem do populismo italiano que sacode a Europa” trazendo-nos até os dias presentes, nos revela “uma nação tribal, com falta de memória e espírito cívico, iludida a resolver sozinha seus problemas e  a lutar contra todos”. Mas ao final, atenuando o peso dos traços sombrios expostos por sua investigação o autor conclui apostando na repetição dos ciclos que se apresentam, crescem e se transformam. Embora os paralelos sejam possíveis e nos incitem a salientar semelhanças e, por extensão, identificar macro determinantes, são nas diferenças que se encontram importantes chaves para a compreensão de cada processo político-social, cujas lutas se dão ritmadas pela força relativa de seus diferentes atores, com resultados e custos variados para as atuais e futuras gerações.

Livro: Perché è successo qui. Viaggio all’origine del populismo italiano che scuote l’Europa. Maurizio Molinari (Autor). Out-2018. Editora: La nave di Teseo. 

E.T. Quanto ao “governo verde e amarelo” da Itália,  “uma questão política e cromática sem precedentes para o nosso país” como faz menção um site de notícias da região da Toscana, cabe registrar que verde é a cor do partido Liga Norte, de Matteo Salvini e o amarelo é a cor oficial do Movimento 5 Estrelas, de Luigi Di Maio. 

Arnaldo Cardoso é cientista político, pesquisador e professor universitário.

 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Povo tem o capataz que

    Povo tem o capataz que merece.

    Povo gado, sem dicernimento do que obrigação e dever, direito seu e direito dos outros.

    Merece o capim que é ofertedo.

    Enfim vivemos tempos de negação, amanhã de manhã não haverá que votou pelo prejuizo, eta povinho desavergonhado,

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador