Viva Charlie, por Saturnino Braga

mundo islamico

Artigo do Brasil Debate

Por Saturnino Braga

Não foi um atentado à liberdade de imprensa; isso é coisa da mídia do pensamento único. Foi, sim, muito mais, foi um atentado ao ser humano, no seu direito fundamental à vida e à dignidade. E um atentado bárbaro que merece condenação veemente de toda a humanidade, acima de qualquer consideração outra.

O assassinato teve uma evidente dimensão religiosa, na medida em que pretendeu justificar-se como punição de atitude sacrílega contra o Profeta, e assim fez reviver o sentimento humano de horror a qualquer fanatismo, religioso ou político.

Mas teve, também, uma dimensão política, menos evidente, porém muito forte e presente. Há uma guerra no Oriente Médio, devastando há décadas vários países islâmicos, uma guerra movida pelos interesses do grande capital ocidental, que há cerca de um século ocupa a região e explora suas populações e suas riquezas, antes administradas rotineiramente pelo Império Otomano.

Uma guerra que levanta ódios de grande perversidade e suscita um radicalismo crescente e assustador entre os islâmicos agredidos, radicalismo completamente estranho à histórica tolerância dos antigos Califados.

Alastrar esta guerra, fazendo com que ela atinja diretamente o Ocidente no seu território e na sua população, pode ser um objetivo islâmico. Mas pode coincidir com outro interesse, do grande capital, em que este Ocidente atingido se fixe e se restrinja ao território da França, onde é maior a concentração de muçulmanos e onde ainda fermenta um rancor histórico que vem da guerra da Argélia com todas as suas barbaridades. São especulações que é bom deixar correr.

Bem, mas a França, com a sua História, com a sua literatura, com o seu teatro, suas artes, suas universidades, com a sua filosofia, com a sua ciência, é um dos pilares de formação e de sustentação da nossa Civilização Cristã Ocidental.

E é preciso que dê consequência a esta condição, preservando as virtudes fundamentais desta Civilização neste confronto em que foi jogada.É essencial, é indispensável que encontre o caminho de responder à barbárie com a dignidade essencial desta Civilização.

A França tem que buscar e seguir este difícil caminho de diálogo e convivência, de negociação política e entendimento humano fundado nos direitos fundamentais do homem estabelecidos pela Civilização que ela tanto operou para edificar.

Tem esta responsabilidade por uma tríplice razão: porque dominou, colonizou e oprimiu e explorou esses povos no Oriente Médio e no norte da África; porque foi direta e brutalmente atingida e continua seriamente ameaçada; e porque é uma das maiores construtoras desta nossa Civilização.

O mundo cristão espera isto da França e este mesmo mundo ocidental tem também a obrigação moral e cultural de ajudar, de colaborar, de participar ativamente desta difícil negociação.

Será muito difícil, pela larga diferença de tempos culturais que separam essas sociedades. Difícil e demorado; para se consumar na segunda metade do século. Difícil pelas diferenças que terão de se compreender e difícil pela força dos interesses do grande capital que terão de ser enfrentados e subjugados.

O Ocidente tem que começar negociando a retirada das armas, das tropas e do business que operam nesses territórios. Muito difícil, mas não impossível. E é a causa da paz, e da sobrevivência mesma da nossa Civilização que está em jogo.

O Brasil pode e deve colaborar, com a sua tradição e com a sua sabedoria.

Conheça a página do Brasil Debate, e siga-nos pelo Facebook e pelo Twitter.

Redação

18 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. o início do artigo é bastante

    o início do artigo é bastante esclarecedor.

    a novidade, pra mim, é que tentaram jogar a

    crise no colo da frança e ela que se vire…

  2. Este discurso pega mal na França.

    Pô este discurso mais parece uma propaganda do Front Nacional do que qualquer outra coisa. Não contaram que dizer na França que ela é “…. é um dos pilares de formação e de sustentação da nossa Civilização Cristã Ocidental.” pega mal pra caramba. O que a França pretende ser é um Estado Laico e multicultural, nunca um baluarte da Civilização Cristã, afinal a Revolução Francesa foi feita exatamente para questionar esta “Civilização Cristã”.

    Há muito tempo que não leio um artigo tão cretino e fora de foco como este.

    1. Concordo nisso com vc (aqui e nao em outros comentários seus…)

      O que é necessário defender é o estado laico e multicultural. Que, portanto, nao tem que fazer concessoes a religiao NENHUMA, sob quaisquer pretextos que sejam… Defender Voltaire. É só o que faltava substituir a opressao da Igreja Católica para pôr em seu lugar a da igreja muçulmana. Muçulmanos que vivem na França que se adequem à legislaçao francesa e às liberdades que ela permite. O fato de serem explorados nao dá a eles o direito de impingir seus preceitos religiosos sobre a sociedade francesa. 

      1. A IMENSA MAIORIA dos

        A IMENSA MAIORIA dos muçulmanos franceses não estão a fim de impingir seus preceitos religiosos, isto é uma imensa falácia implantada pela imprensa de direita.

        1. Vc é quem defendeu isso… (rs, rs)

          Acredito que eles nao estejam. Você é que veio com a história de que os chargistas de Charlie nao poderiam desenhar Maomé porque isso ofenderia os muçulmanos franceses… O que, mesmo se fosse verdade que eles quisessem impor esse princípio, nao tem nada a ver, a França é uma sociedade laica e os desenhistas nao tinham que respeitar princípio muçulmano nenhum. 

          1. Uma coisa é o respeito …..

            Uma coisa é o respeito a religiosidade dos outros que depende da vontade e educação, outro coisa é uso sistemático da imagem de muçulmanos associada ao terrorismo com o objetivo de controle social e manter os mais pobres e alijados da sociedade sempre na pior posição possível. O Charlie Hebdo perdeu a muito tempo o seu rumo e simplesmente fazia o que fazia para gerar manchetes, chocar uns e alegrar os sionistas.

          2. Isso é pura fantasia sua. Mas vc tem direito a fantasiar, claro

            Atribuir esse “objetivo” a Charlie Hebdo é manifestar total desconhecimento sobre a ideologia e a prática da revista. 

  3. Ai ai ai

    Surtaram ou sou eu que não estou entendendo nada ? O artigo toca na questão essencial da exploração/dominação de paises muçulmanos e africanos pelo ocidente. 

    1. É uma questao essencial, mas lateral a esta questao específica

      Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Censuremos a exploraçao/dominaçao de países muçulmanos, e também a dos trabalhadores imigrantes na Europa, em grande parte muçulmanos. Mas nao permitamos que o espírito de uma sociedade laica seja restringido por preceitos religiosos de muçulmanos, explorados embora. 

      1. Sim

        Para mim isso é tão evidente que nem achei necessario evidenciar. Alias, o texto em algum momento, se não me engano, faz a ressalva da importância do iluminismo. Mas acho que o problema deles é outro, Analu.

    1. Um julgamento desses exigiria argumentos…

      Simplesmente dizer isso sem argumentos nenhuns fala mal de você, nao dele. Com quem nao concordo muito frequentemente, mas que, nesse comentário específico, me pareceu certíssimo. 

      1. Obrigado!

        Obrigado pela expontaneidade da defesa, mas vou colocar de forma expressa e meio telegráfica todas as contradições e erros que há neste texto para explicar melhor a minha indignação.

        Não queria perder muito tempo com este artigo, pois acho o mesmo completamente deslocado das discussões atuais na França assim como nos países de muçulmanos, mas como diz um velho ditado português “Dou um boi para não entrar na briga, mas dou uma boiada para não sair dela.” Vamos lá.

        Primeiro quanto a dimensão religiosa do atentado ao Charlie Hebdo, há sérias controversas sobre qualquer religiosidade mais profunda que possa ter originado este atentado. Os que teoricamente perpetuaram este atentado (nunca saberemos na verdade se foram os dois irmãos) além dos dois irmãos terem uma formação religiosa superficial, os grupos que assumiram este atentado são grupos mais político do que religiosos. Logo o fanatismo religioso no caso é mais substituído por uma falta de sentimento de pertencimento a sociedade francesa do que algo vindo de uma convicção forte substanciada na religião.

        Todos estes grupos ditos religiosos que perpetuam atentados fora dos estados muçulmanos podem ser mais ser qualificados como assassinos comuns com alguma motivação religiosa do que qualquer outra coisa.

        Infelizmente a guerra que o ocidente leva no Oriente Médio, mais especificamente entre o Estado de Israel e atualmente com o povo palestino, não é muito simpática aos movimentos terroristas como o ISIS, porém a motivação não é de apoio ao movimento palestino.

        Isto fica claro a medida que tanto o Hezbollah no Líbano e o Hamas na faixa de Gaza não apoiaram a ação e, inclusive como é de conhecimento público, o Hezbollah além de ser um movimento com maior parte Xiita (alem do apoio de determinados grupos sunitas, drusos e cristãos) luta contra os que teoricamente inspiraram o ataque ao Charlie Hebdo, logo querer associar a luta contra os sionistas ao ISIS e outros é forçar muito a barra.

        È colocado no texto como no mesmo nível o Império Otomano com a intervenção das nações ocidentais, isto não corresponde a realidade, pois no Império Otomano persistiu durante séculos o Califado Otomano, e a fundação de um califado nos dias atuais é um sonho de loucos sem levar em conta o que é o Islã.  Um califado é único para todos os muçulmanos, e não é só dizer que vamos fazer um califado que ele está feito, é o mesmo que o Papa tivesse a pretenção de assumir o poder temporal em todos os países de maioria católica.

        Quanto a passividade dos Califados é algo que não resiste a uma análise histórica, houve épocas em que o Califado era extremamente tolerante para os padrões da época, porém esta tolerância que é baseada no Al Corão que proíbe literalmente a perseguição dos povos do Livro – a Bíblia. Porém isto não significa que os califados não eram expansionistas e bem truculentos nas suas guerras por terras. Logo, a violência como era uma característica de todos os países muçulmanos e cristãos era algo que aparecia de tempos em tempos para fora dos califados ou mesmo nas disputas internas do mesmo.

        É uma fantasia pensar que há algum objetivo “islâmico” de levar a guerra ao ocidente, isto contraria totalmente qualquer ideologia “islâmica” não importando se a linha seja sunita ou xiita, nenhuma delas proclama a expansão militar das fronteiras do islã ou mesmo de um imaginário califado.

        Tudo isto poderia até ser relevado, porém a maior falha do texto começa na afirmação de que: “Bem, mas a França, com a sua História, com a sua literatura, com o seu teatro, suas artes, suas universidades, com a sua filosofia, com a sua ciência, é um dos pilares de formação e de sustentação da nossa Civilização Cristã Ocidental.”

        A França tem exatamente na negação da influência da religião na sua cultura a sua afirmação como pilar da civilização ocidental. A influência da religião Católica na França é varrida com a Revolução Francesa por ela estar ligada às lendas de Louis IX (São Luis) e a La Pucelle d’Orléans (Joana d’Arc) nos séculos XIII e XV, quando a França era um país de segunda linha dentro do contexto europeu, talvez países como Itália, Alemanha, Espanha e até Portugal foram mais importantes para a manutenção da dita civilização cristã do que a França.

        A França volta a ser um reinado um pouco mais importante para a religião católica após São Luis, somente após o reinado de Louis XIV. Llembrem-se que até a revogação do Edito de Nantes assinado por Henrique IV a França tinha uma forte comunidade protestane.

        Ou seja, durante curtos espaços de tempo a Religião Católica era completamente dominante na França e com todos os processos revolucionários que sucederam a Revolução Francesa pouco a pouco o espírito laico foi tomando conta do povo francês.

        A maior parte do legado filosófico francês é de origem laica ou mesmo anticlerical, e os direitos fundamentais do homem, prescritos pela revolução Francesa, foram feitos a luz de um anticlericalismo viceral.

        Se o mundo cristão espera que pela França para a manutenção de sua ideologia religiosa, é bom esperar sentado, pois ao menos que grupos radicais de uma direita francesa assuma a liderança na França não será a mesma que fará alguma coisa em relação ao mundo cristão (mesmo o front nacional, tenta se descolar desta pecha de movimento de raiz francês).

        Há uma confusão entre civilização ocidental e civilização baseada em um espírito cristão que tem origem nos Estados Unidos da América e esta confusão não é aceita pela maior parte da população francesa (mesmo os que são católicos), isto é mais derivado da propaganda Bush do choque de civilizações do que qualquer coisa.

        Em resumo, o texto em termos de Islã, é confuso e errático, em termos de contribuição da França para levar adiante a separação das duas pseudo civilizações antagônicas, a cristã e a muçulmana, é eivado de preconceitos e termina confundindo o capitalismo como algo típico do ocidente coisa que os xeiques dos países do golfo não estariam de acordo.

        Eu diria que a densidade de equívocos neste texto é grande demais até para um comentário apressado como este. Precisaria bem mais que poucas laudas para dirimir as confusões.

        Só ficou faltando falar o que vem a ser um califado e o porque que a palavra é errada no caso do ISIS,  mas fica para outra oportunidade.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador