Um olhar sobre Aleppo, por Sanjay Kapoor

Do Outras Palavras

Um olhar sobre Aleppo

A mídia ocidental finge que não vê. Mas a libertação da cidade — semi-tomada durante quatro anos pelos fundamentalistas — tem sentido humanitário, muito mais que geopolítico

Por Sanjay Kapoor, do Hard News, de Delhi | Tradução Cauê S. Ameni

publicado em 18/12/2016

Observando através do prisma da história foi, sem dúvida, um blitzkrieg. Em alguns dias, o distrito oriental de Aleppo, que estava sob a ocupação de uma miríades de radicais islâmicos, derreteu como uma vela com a enorme pressão montada pela coalizão conjunta entre Exército Árabe Sírio, força aérea russa e milícias do Hezbollah.

O sucesso veio em grandes passos: a área da ocupação pelas tropas leais a Bashar Assad aumentou de 68% para 85% em uma semana e, ao fim, para 98%. É neste ponto que a mídia ocidental, após romancear a resistência dos islâmicos radicais – incluindo Abu Sakkar, que posou em frente as câmeras comendo os corações de soldados sírios –, começou a exigir que as forças ocidentais deveriam entrar para parar o “genocídio” de 200 mil pessoas presas na enclave sob o controle dos milicianos. Os russos, atacados na Assembléia Geral da ONU pela embaixadora norte-americana Samantha Power pela crueldade com que teriam matado crianças, concordou com o cessar-fogo e uma saída controlada dos rebeldes para Idlib e outras áreas.

A vitória é muito relevante para o presidente sírio Bashar Al-Assad, cujo controle agora estende-se por todas as grandes cidades da Síria, exceto Idlib. Aleppo também é significativa por ser a capital comercial do país, metodicamente devastada pelas milicias ao desmontarem as fábricas e a infraestrutura e transportaram a pilhagem para a vizinha Turquia. Apesar de metade da cidade ter sempre permanecido sob controle do governo, o retorno dela toda ao controle das forças pró-Assad permite que o governo comece a pensar na possibilidade de reconstruir o país, uma vez que a guerra termine.

No entanto, é improvável que a paz, entretanto se restabelaça em breve, se a recapturada da cidade histórica de Palmyra pelo ISIS se consolidar. Há vastos interesses globais e regionais que não querem ver a estabilidade neste país até que seus interesses geoestratégicos sejam alcançados. A queda de Aleppo e a recaptura subsequente de Palmyra são manifestações sérias da disputa de influência que está ocorrendo na Síria, entre o Ocidente, a Rússia e o Irã. O que realmente agrava o conflito é a manifestação desesperada das forças apoiadas pelos EUA e seus aliados para derrubar o Assad ou fazer algo militarmente dramático que impeça o novo presidente norte-americano de mudar o cenário no Oriente Médio.

O presidente recém eleito dos EUA, Donald Trump, é considerado próximo ao Vladimir Putin e culpou sua concorrente e ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, por ser responsável em grande parte pelo que está acontecendo no Oriente Médio. Espera-se que, nos círculos árabes e iranianos, que Trump mude a forma como os EUA vem conduzindo a política internacional nesta região. Isso pode reduzir a influência norte-americana. Ainda mais importante é o fato de Rússia e Irã tenham aniquilado as milícias fundamentalistas, sustentadas durante muito tempo pelos governos da Arábia Saudita, do Qatar, além dos britânicos e turcos.

De fato, ao longo dos anos, tem havido tanta documentação sobre a cumplicidade desses países, sustentando essa ocupação terrível, que a mídia ocidental preocupa-se apenas em influenciar a opinião da ONU e outros organismos multilaterais. O que esta mídia recusa-se a reconhecer é que o exército sírio estava tentando recapturar e libertar uma cidade que fazia parte de seu próprio país e havia sido ocupada por fundamentalistas, mercenários e o pior tipo de desgarrados de diferentes países. Através de seus comentários agressivos e reportagens distorcidas, buscaram dar legitimidade a forças destrutivas.

 

A mídia ocidental, incluindo venerável The Guardian, sequer relatou a alegria incontida que o povo de Aleppo exibiu após a libertação do controle dos jihadistas, que exigiam até que os homens usassem barbas e mulheres vestissem véus. A maneira como a verdade era distorcida rotineiramente deveria ser assunto de investigação. O que não se relatou durante todos esses anos foi que o povo de Aleppo – em grande parte uma comunidade mercantil, não tinha nada a ver com a rebelião. Quando fui a Aleppo em 2011, alguns meses depois da rebelião confusa em Deraa, testemunhei um apoio maciço ao presidente Assad.

Naquela época, a cidade era vista  como sua fortaleza. As pessoas diziam que se Damasco se tornasse hostil ao presidente, ele poderia se refugiar em Aleppo. Falavam com repugnância sobre as pessoas que estavam tentando provocar conflitos. culpavam o o Qatar, os sauditas e os turcos por incentivar a divisão do país. Muito em Aleppo foi destruído durante estes quatro anos. Será preciso uma paz duradoura e bilhões de dólares para reconstruir tudo. É improvável que o velho Souk — o mercado aberto de treze quilômetros –, queimado por militantes insanos, ou as antigas casas otomanas, voltem a existir. O que provavelmente poderia sobreviver a esta guerra suja, porém, é a cidade que, apesar de estar carbonizada e danificada, ainda carrega orgulho frente à devastação da guerra.

Redação

10 Comentários

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  1. Analistas

    “A mídia ocidental finge que não vê”

    Isto é pode dizer muita coisa e também pode dizer nada. A guerra é um ato condenável porque mata civis, principalmente.Na Síria morreram milhares de crianças. Se os culpados são os EUA ou a “mâe” Rússia deveria ser fortemente execrada também pela mídia não ocidental.Enfim, nesta guerra não há inocentes.

    1. Concordo em parte, prezado

      Concordo em parte, prezado Adailton. Guerras são a epítome da degradação humana. São a negação de todo o processo civilizatório. Nesse sentido, é impossível se separar inocentes de culpados. Inocentes mesmos, como sempre, são os civis. E dentre estes as crianças.

      Ocorre que conflitos também possuem – como tudo na vida – suas origens, suas causas, merce de ser muito complicado distingui-las dado o emaranhado de interesses e vilanias envolvidos.

      No caso específico, é, ou era, inegável que a Síria é a bola da vez no intricado jogo geopolítico dessa região do Globo; e  por razões óbvias. Ao espírito de cavalaria e de cruzada (nada) santa que assomou os americanos desde que saíram da II Guerra como potência econômica e militar sempre esteve, e está, por trás de quase todos os conflitos da espécie. Para isso, chegam até a fabricar “rebeldes” e se servirem de uma mídia para a elaboração de narrativas ad hoc.

      Claro que não estou a defender ditadores nem inocentando a priori a Rússia que, historicamente, tem lá sua vocação imperialista. O problema é que ficamos sempre à reboque da mídia ocidental e sua propensão para edulcorar a realidade para um dos lados que por “coincidência” é o dela. 

  2. Terroristas

        O jornal The Guardian transformou os habibantes de Aleppo em rebeldes contra o governo dito sanguinário e antidemocrático de de Assad. Os motivos desta mistificação são preconceitos e idealismos cegos. Vislumbrar terroristas islâmicos, muitos estrangeiros, como campeões sírios da liberdade beira as raias da insanidade.

  3. (Sem título)

    Quanta diferença faz você poder combater de peito aberto, com a cara à mostra, assumindo quem você realmente é e qual é a sua, e ter que ficar se esgueirando como ratos no esgoto, sempre temeroso de que venha a ser descoberto, né?

    1. sem….

      ” a mídia ocidental finge que não vê…” Vê sim, caro Sanjay. Mas interessa se pronunciar? Estamos numa era onde hipocrisias são desmascaradas todos os dias. Guerra Civil? Praticada por mercenários e terroristas. Ataques terroristas cometidos pelas facções sunitas financiadas e protegidas por CIA e Arabia Saudita contra populações xiitas de ascendência iraniana. O silêncio da ONU somente não é menos hipócrita que a falta de condenação das bárbaries cometidas no Iêmen  ou na volta da ditadura militar no Egito. Interesses pessoais e nacionais. Uma grande lição para a inocência brasileira.    

  4. Ufa…!

    Parabéns ao GGN por este texto sobre o que ocorre na Síria. De forma geral, os textos aqui publicados sobre a questão síria não tinham a mesma qualdiade jornalística do restante do site, o que este texto corrige. É um alívio ver outra posição que não a hegeMónica da mídia tradicional, que de forma geral est[á alinhada aos interesses dos EUA e OTAN e publicam apenas contra-informação.

  5. chega de MSM bul**it
    Nassa (estendido aos(às) demais moderadores(as) e colegas de blog, óbvio!),

    Antes de mais nada, um ótimo início de ano a todos.
    (e meus sinceros votos para que consigamos tirar os golpista’s worms e retornar o governo democraticamente eleito para mostras ao USraHell e seus fantoches, os miquinhos 5a. coluna nacionais, que não somos uma república de bananas e temos um pingo de vergonha na cara e hombridade)

    Ô Fio(a) (moderadores(as) e Nassif), pela mãe do guarda, onde vc busca notícias sobre a Síria?

    pelo que eu vejo em vários artigos SEGUIDOS (todos tenndenciosos!), na mídia corporativa (msm) e nos blogs pró-anti-Assad… (ai, ai, ai…)

    Nassa, agora q vc acordou para a manipulação e partidarização informativa pela imprensa-empresa-sabotadora (conhecida no exterior como “presstitute”), mais conhecida como LAVAGEM CEREBRAL para massas bovinas pseudo informadas, como é q vc tem coragem de publicar vários artigos sobre a Síria, feitos sob medida para desacreditar o esforço do Assad e Rússia para vencer os moderamente radicais ou radicalmente moderados TERRORISTAS patrocinados por, principalmente, USraHell, NATO, Arab. Saudita?
    Qatar, Jordância e Turquia estão pulando fora do patrocínio aos pseudo “guerreiros pela liberdade” entupidos de anfetamina (via jatinhos reais dos Saud).

    daqui a pouco vc vai publicar que os white helms (capacetes brancos) são realmente alguém querendo ajudar a Síria e os sírios.

    aquele tal de observatório sírio sei lá o que, é coisa do MI6 e fica em londres… L-O-N-D-R-E-S, não na Síria…

    por favor, parem de se deixar levar pela pauta PRESSTITUTE (imprensa corporativa, imprensa marron ou imprensa-empresa) e pseudos blogs de “direitos humanos”, “direitos civis”, inclusive alguns pseudo blogs “progressistas” caem feitos patos nesses blogs especilmente construídos para DESinformação.
    cuidado tbém com as ondas de “marxismo cultural” (procure como “cultural marxism”… é mais fácil achar referências sobre isso).
    gente de esquerda, progressistas, estão caindo feito patinhos nas ondas de desinformação.

    antes de publicar mais artigos desinformativos, POR FAVOR, leiam algumas sugestões para entender melhor a situação na Síria (e, para deixar registrado, não sou muito pró Assad, mas se ele sair, a Síria vira um Iraque ou Líbia, como eram os planos iniciais de USraHell).
    sugiro ler também os artigos anteriores, mais antigos desses sites, para uma melhor compreensão…

    a) http://www.elespiadigital.com/ (espanhol; RECOMENDO por ser explicativo e aglutinador de notícias correlatas)
    a.1) http://www.elespiadigital.com/index.php/noticias/historico-de-noticias/15791-tropas-britanicas-y-estadounidenses-estaban-junto-a-los-yihadistas-en-alepo
    a.2) http://www.elespiadigital.com/index.php/noticias/historico-de-noticias/15775-grupos-apoyados-por-eeuu-perpetraron-una-masacre-de-civiles-en-alepo-antes-del-armisticio-y-salir-apoyados-por-las-organizaciones-humanitarias

    b) http://elterritoriodellince.blogspot.com.br/ (espanhol; RECOMENDO por ser didático, explicativo)

    c) http://www.voltairenet.org/es (vários idiomas; análises muito bem feitas pelo autor do blog e bons artigos curtos; este link é da versão em espanhol… veja quais os idiomas que são mais atualizados, pois algumas traduções demoram muito)

    d) http://www.rebelion.org/ (espanhol; vários artigos interessantes sobre diversos temas)

    e) https://mundo.sputniknews.com/ (este link é espanhol, vários idiomas; agència russa, mas bem mais honesta que cnn, bbc, deutsche welle ou lixos editoriais desse nipe – todas manipuladas pela C!A)

    f) https://actualidad.rt.com/ (este link é espanhol, vários idiomas; agència russa, mas bem mais honesta que cnn, bbc, deutsche welle ou lixos editoriais desse nipe – todas manipuladas pela C!A)

    g) http://www.globalresearch.ca/ (vários idiomas; inglês é o mais atualizado; sempre abordagens “fora da caixa”; vale sempre passar os olhos SEMPRE e ler com tempo o que interessa)

    h) http://blogdoalok.blogspot.com.br/ (ótmos artigos traduzidos para português; vale sempre ler, inclusive os artigos mais antigos; ótimo site para garimpar artigos mais antigos, mas bem interessantes)

    i) http://thesaker.is/ (em inglês – talvez tradução on-line do Yandex ou Google ajude… não é muito boa, mas torna os artigos entendíveis; um dos melhores sites de geo política atuais, e qualidade dos comentaristas é muito boa – nem todos, óbvio!)

    procure, sem necessidade extrema, usar o chrome ou ie; vá de firefox ou tor.
    evite tbém usar o google sem necessidade extrema.

    com o firefox, é só colocar este link e escolher os idiomas a serem traduzidos:
    translate.yandex.com
    translate.google.com

    espero ter ajudado o Nassa, os(as) moderadores(as) a escolher melhor as fontes para falar da Síria.

    aos demais colegas, APROVEITEM os links aí passados para se interarem da geo política menos tendenciosa e vamos parar de acreditar em papai noel, cegonha e saci pererê…
    é só não ter preguiça de ler e pesquisar e buscarmos sempre a honestidade intelectual para não servirmos de idiotas úteis para reproduzir notícias manipuladas.

    obrigado pela atenção e ótimo 2017 a todos.


  6. Acho que finalmente caiu a ficha.

    Reuters e AP são uma espécie de Rede Globo para assuntos globais.

    Há fontes alternativas!

    Este ano será bem pior em termos de false flags.

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