A maioridade da alma, por Matê da Luz

A maioridade da alma, por Matê da Luz

Tanto acontecimento no mundo e o medo pulsando forte no contexto geral, social, econômico. As inseguranças externas acabam por atropelar o tempo preciso de amadurecer com calma – quem disse que isso de fato acontece? Será que são os memes da vida digital, esses que dão conta de trazer a certeza de que em dez encontros/12 passos a gente chega lá? E se não soubermos onde é lá, como é que faz? Ansiedade é a dificuldade de viver no presente, seja ele bom ou ruim – e disso eu entendo, ah, entendo bem mesmo. 

Daí que ano vai, ano vem e o trabalho pelo amadurecimento do que importa, que há de ser a alma, clama por uma tranquilidade jamais experimentada e então, como se só fosse possível assim, as mudanças começam a brotar. De cidade, de religião, de estado de consciência. De preferências alimentares, de alergias, de alegrias, de saudade, de um tanto de coisa que a vida quase não dá conta. E chega o momento, daí, o momento mais crucial de todos, que é o olhar de frente praquilo que a gente tem mais medo. Olhar, reconhecer, respirar e sentir todas as dores e, com sorte e um pouco de treino, entender que resisitir ao sofrimento é cultivo e que, de verdade, pra soltar é preciso passar por ali. Pego papel e caneta e desenho, escrevo palavras soltas e que me conectam com isso e aquilo e as lágrimas saem pra brincar. Tenho medo, muito medo. Pode ser sina, pode ser trauma, pode ser memória atemporal daquelas que nem o véu de Maya consegue encobrir. É esse medo esquisito que apita “a vida não pode dar certo pra você”, essa coisa que me torna paralítica mesmo que todos os indícios físicos e reais dêem conta do contrário. 

Será que é medo-origem ou medo-destino? Porque ainda existe isso, aquele medo que a gente, de tanto inventar que tem, acaba tendo. E inventa porque tem um outro medo, que é o de simplesment ir – e mesmo que não tão simples assim, aquilo que alguns chamam de zona de conforto vez ou outra pode ser um porto não opcional, onde a dor está ancorada há tanto tempo que dá preguiça de começar a remover as algas e partir. Mas a maré, né, gente, a maré é movimento puro, é movimento sempre e a vida segue assim, pedindo que a gente nade, mesmo que do contra. 

Mesmo com um país sem respeitar o trabalho, que é fonte de renda-vida pra enorme e esmagador maioria. Mesmo com um governo que imputa a volta de tanta coisa escrota, como a escravidão e o machismo, dando exemplos óbvios, e que cultiva tanta coisa soturna e obscura porque é assim que os podres fazem. Mesmo que não tenha ninguém por perto, fisicamente por perto, que saiba e conheça os cavalos marinhos que podem parir a salvação. Porque a salvação dessa lavoure, enfim, mesmo assim, mesmo assado, vem sendo desenterrada junto com o tesouro sagrado e poderoso que é o mergulhar no medo. 

Quando a gente abre a caixinha, tomara Deus, o que sai de lá é brilho e, tão aliviada, a alma se sente madura, pronta pra brilhar e partir. Amém. 

 

Mariana A. Nassif

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