Jean-Claude Carrièrre e o governo midiático pós Impeachement de Dilma Rousseff

Este texto foi publicado há dois anos. A pantomima consumada na Câmara dos Deputados e no Senado (Impedimento sem crime de responsabilidade que será julgado por bandidos procurados pela Justiça) é agora reforçada diariamente pela imprensa. Ao elogiar o governo Temer, a mídia quer nos fazer acreditar que não estamos vivendo num regime infame  que prescinde da soberania popular. Portanto, tudo sugere que a abordagem dada à crise por mim estava correta.

Em termos teatrais e cinematográficos estamos vivendo agora a pós-verdade, a realidade alternativa instituída pela mudança de rumo imposta à narrativa por aqueles que a controlam. Isto explica como e porque o povo brasileiro saiu de cena e foi totalmente substituído pelas divas judiciárias e pelos delegados que ameaçam prender Lula. Para os arquitetos do golpe neste momento é fundamental impedir a reconstrução da legalidade por um líder que não se comprometeu com a nova versão da história que nos foi artificialmente imposta.

No seu livro A Linguagem Secreta do Cinema (Saraiva de bolso, 2014), Jean-Claude Carrièrre afirma que para o cineasta O principal é esconder, atrás de cenas vitais, interessantes, a informação que se fornece (p. 105).

Desde a orgia dramática do Mensalão, as cenas interessantes produzidas e divulgadas pelo STF, pelo MPF e pela imprensa sugerem que a informação fornecida ao respeitável público, devidamente escondida atrás das imagens, é que o regime constitucional instaurado em 1988 está suspenso. Os réus, não todos e sim apenas alguns (os petistas ou aqueles que estão ligados ao PT), tem que provar sua inocência. A delação, que deveria ser um prêmio à confissão voluntária para gerar efeitos jurídicos em benefício do réu, é obtida mediante coação (entregue seu parceiro ou fique apodrecendo na prisão).

As garantias conferidas aos réus pela CF/88 foram suprimidas pelo MPF com ajuda STF. O espetáculo de destruição da soberania popular é meticulosamente encenado diariamente nos corredores do Judiciário e vazado para a imprensa, que segue escrevendo o roteiro macabro. Por não ter votado no candidato certo – idéia que pressupõe que alguém pode definir o candidato que deve ser eleito e que o povo não poderia escolher outro – um poder inconstitucional organiza das coxias a destruição do poder constituído.

A política foi substituída pelo teatro e a ficção se transformou no elemento cênico principal da própria realidade nacional com ajuda da imprensa. Tudo aquilo que ocorreu na forma da Constituição (a eleição e posse dos mandatários do povo) passou a ter menos importância do que a vontade potente daqueles que pretendiam colocar outra pessoa no Palácio da Alvorada e não conseguiram convencer o povo a fazer o que eles mandavam.

O povo brasileiro não é e não deve ser livre – nos dizem os arquitetos do novo poder que está subvertendo o poder constituído através das cenas vitais que representam diariamente. Isto explica como e porque a consumação do gran finale muito desejado por aqueles que deveriam preservar a legalidade vai sendo construído e encenado metodicamente mediante a suspensão ou revogação da normalidade processual penal.

Nós vamos exigir o Impeachment de Dilma Rousseff! – disse-me uma médica tucana visivelmente alterada no primeiro dia útil após a eleição da candidata petista. O que está sendo encenado pelo MPF e representado por alguns Ministros do STF para os brasileiros verem diariamente nos telejornais não é o Impeachment da Presidenta na forma do art. 52, I, da CF/88, com acusação específica, garantia do direito de defesa e processo regular perante o Senado.

O Impeachement em curso é sinistramente teatral. Nossa presidenta está sendo impedida de governar mediante uma campanha suja público/privada que a mantém na defensiva. Dilma é acusada por causa da corrupção de outras pessoas, é culpada pela falta de água em São Paulo e é, sem dúvida alguma, responsável por ter ganhado uma eleição que deveria ter perdido. A vontade do povo, manifestada nas urnas, tem pouco ou nenhum valor para aqueles que removem os obstáculos constitucionais para poder ferir mortalmente a própria CF/88.

O golpe de 1964 foi abrupto e violento. A violência que se pratica agora é difusa, sorrateira, escondida, disfarçada, controlada nas ilhas de edição dos telejornais por profissionais astutos que usam seu poder de construir realidades como se a normalidade, a legalidade e a soberania popular fossem uma ficção. Mas sem a colaboração das autoridades (MPF e ministros do STF) os articuladores do Impeachement midiático de Dilma Rousseff nada poderiam fazer.

A parceria público/privada que rasga diariamente a CF/88 para representar uma pantomima da política é um inimigo pior do que os militares. Estes, pelo menos, saíram às ruas com seus tanques de guerra e metralhadoras mortais e puderam ser imediatamente identificados como inimigos do povo brasileiro. Os novos inimigos da soberania popular, que empossaram a Presidenta no cargo para impedi-la de exercer seu poder, não podem ser vistos. Eles não querem ser vistos, por isto se escondem quando se mostram no filme que vai substituindo a realidade.  

Os militares controlaram as ruas para poder rasgar a CF/1946. Nas ruas eles tiveram que ser combatidos, inclusive com o uso da força. Os novos golpistas controlam totalmente a imprensa e usam o MPF e o STF para preservar a CF/88 sem que a mesma tenha validade e eficácia. Você foi empossada para não governar – dizem eles à Dilma Rousseff (que parece ter entendido a mensagem, tanto que nomeou ministros para garantir a volta do neoliberalismo e impedir a reforma agrária).

Para destruir o miraculoso poder que os neo-golpistas exercem, não adianta ocupar as ruas. Estratégias políticas e militares tradicionais são incapazes de neutralizar armas de destruição cênicas e fílmicas. Por isto, para derrotar os inimigos da soberania popular e da CF/88 os petistas terão que estudar mais Jean-Claude Carrièrre e menos Marx, Lênin, Mao Zedong e Che Guevara.

Tudo aquilo que puder ser encenado para permitir a regulação da mídia deverá ser transformado em realidade. Caso contrário o país ficará mais 4 anos paralisado em razão do reality show que vem sendo apresentado e reciclado desde o Mensalão. E agora com vocês, cenas do próximo capítulo do Petrolão. 

O Impeachement jurídico de Dilma Rousseff é apenas o segundo ato de uma peça ou de um filme que começou logo após o anuncio da derrota eleitoral de Aécio Neves. Trata-se de um complemento indispensável ao Impeachement midiático que foi imposto ao governo do PT e do qual o PT não conseguiu se esquivar. O desfecho da pantomima conduzida por Eduardo Cunha está chegando ao fim. Conseguirá Dilma Rousseff salvar seu mandato, garantir o respeito à soberania popular e impedir o golpe de estado ou voltaremos a viver num regime político em que a legalidade será apenas aparente como aquele que existiu entre 1964 e 1988?

Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. CF/88

    Fábio, muito bom seu artigo, quase tudo que você expôs no texto é o que penso, com pequena ressalva em relação as medidas econômicas  (embora eu tbm não gostei) porêm tá longe ser medidas neoliberais. Não são medidas neoliberais porque na minha humilde opinião, as medidas não são abrangentes, são apenas específicas, dentro de um conjunto de ação governamental onde não se revogou medidas sociais. Quanto ao restante do texto concordo com você, realmente estão tentando de todas as formas rasgar a CF/88. Abraços!

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