A corrupção segundo Machado de Assis, por Joaquim Branco Ribeiro Filho.

“Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo!” – é a legenda da charge de Ângelo Agostini, publicada em “O Cabrião”, 1867.

“Se achares três mil réis, leva-os à polícia; se achares três contos, leva-os a um banco.”

Machado de Assis

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A corrupção segundo Machado de Assis.
Joaquim Branco Ribeiro Filho.
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Os momentos de crise por que passam países de todo o mundo – advindos de escândalos de fraudes, denúncias, corrupção e outros problemas – levam até o menos preocupado dos mortais à reflexão.
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Quando avançamos para o futuro, pouco podemos esperar de positivo, com a perspectiva de guerras de dominação, interesses financeiros etc. De volta ao passado, através do filtro do ficcional, vamos encontrar na literatura brasileira, porém, uma figura que nos pode fornecer elementos que, se não iluminam inteiramente o quadro, pelo menos fazem-nos pensar em como é difícil entender o gênero humano. É Machado de Assis.
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Se em romances como Quincas Borba ou Memórias póstumas de Brás Cubas, o dinheiro ou o interesse impregnam por meio da condução temática a tessitura narrativa, em contos como “O enfermeiro” e “Pai contra mãe” não muda a direção temática. Em todos eles estão anotados os desvios e fraquezas do homem ainda que em diferentes formas.
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Conhecedor das armadilhas da vida, o velho Machado deixa aflorar aqui e ali um riso indireto e um registro com que a ficção devolve a realidade ao real e nos oferece o belo resultado de suas criações romanescas, e isso pelo menos nos consola estética e criticamente.
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Entre seus trabalhos, um exemplo que bem se encaixa aos tempos atuais é o conto “Suje-se gordo”, publicado em 1906 na coletânea Relíquias da casa velha e agora compondo os dois volumes de Contos: uma antologia (2 vol., Companhia das Letras), catalogados por John Gledson. Trata-se de uma pequena peça de cinco páginas que se inscreve na segunda fase do autor, a considerada realista.
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Este conto abre-se com uma despretensiosa conversa entre dois amigos – um deles começa a narrar em primeira pessoa – que, no terraço de um teatro, aguardam o término do intervalo de uma peça intitulada “A sentença ou o tribunal do júri.”
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A propósito do título da peça, o outro amigo toma o lugar do narrador e inicia um relato sobre sua participação em tribunais como jurado, falando de suas preocupações e escrúpulos na hora da condenação das pessoas.
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Conta que, certa vez, quando foi escolhido como jurado, o réu em questão era acusado de haver falsificado um documento com o objetivo de se beneficiar com um roubo de pequena monta. Apesar da argumentação brilhante da defesa e do constrangimento do acusado, que parecia inocente, este acabou sendo condenado. Na ocasião, um dos jurados de nome Lopes, porém, salientando-se dos demais, justificou convictamente seu voto: “O crime está mais do que provado. O sujeito nega, porque todo réu nega, mas o certo é que cometeu a falsidade, e que falsidade! Tudo por uma miséria, duzentos mil-réis! Suje-se gordo! Quer sujar? Suje-se gordo!” (p. 497)
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A partir deste ponto, a expressão “suje-se gordo”, que, por sinal, dá título ao conto, ressoa por toda a narrativa, vinda da mente do narrador, e significando uma condenação dupla a alguém pelo fato de ser um pequeno ladrão.
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Anos depois, ao tomar parte de outro julgamento, nosso narrador encontra, agora como réu, o tal Lopes que tão enfaticamente acusara o rapaz. Lopes era funcionário de um banco onde praticara um grande desfalque – cento e dez contos de réis. No julgamento, intervêm as falas da defesa e da acusação, num jogo quase automaticamente estabelecido, e no final sai o veredito: inocente.
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Aqui fica a proposição temática de Machado de Assis e nela a sua similaridade com o real, além de seu convite reflexivo.
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Quanto à literatura em si, não é apenas isso. Machado constrói uma ficção em que a dúvida do personagem, que, no começo apenas se esboçara como um problema de consciência (não querer julgar ninguém para não ser julgado), passa por várias nuances e gradações envolvendo a existência humana, não só no que se refere ao ato de julgar, mas também ao de praticar o ilícito.
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O riso irônico que permeia o conto tanto resvala na atitude des/humana que a vida se nos apresenta em suas mazelas morais, como na maestria com que o ficcionista mistura ao seu relato o componente teatral. Metalinguisticamente.
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E o conto se encerra quando os personagens iniciais, após o intervalo teatral, retornam aos seus lugares, e um deles emite uma frase que vai deixar o leitor machadeanamente no ar: “– Acabou a música, vamos para as nossas cadeiras.” (p. 499)
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Fontes:

1) blog Joaquim Branco Ribeiro Filho.

2) https://ensinarhistoriajoelza.com.br/caricaturas-do-segundo-reinado-critica-com-humor-e-ironia/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues

Redação

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