Bacurau é o quilombo no contexto do fascismo social, por Josias Pires Neto

Como transformar as estruturas da sociedade brasileira sem construir uma frente política destemida e decidida a impor um diálogo de verdade?

Bacurau (PE), Bahia, Brasil
Por Josias Pires Neto

Bacurau é o Brasil em escala microscópica, é o quilombo no contexto do fascismo social. Os habitantes de Bacurau são alvo de safári humano, mas resistem e derrotam os invasores estrangeiros e seus aliados locais. O safari humano foi derrotado na mesma linguagem dos matadores, a da bala. Em Bacurau o diálogo fracassou. Como no Brasil, como afirma o filósofo Vladimir Safatle. Depois do fracasso da Nova República, período marcado por um suposto excesso de diálogo. O filósofo propõe ruptura no lugar do diálogo.

Sem diálogo a ruptura política nos levará inevitavelmente à guerra civil? O problema é dialogar ou o problema seria a qualidade desse diálogo? Houve diálogo mesmo nas últimas décadas ou teria se passado um “diálogo de surdos”? Um diálogo em que todos só ouvem o que querem ouvir.  Afinal, o Brasil vive há décadas uma espécie de guerra civil, na qual várias dezenas de milhares de pessoas são assassinadas impunemente todos os anos. Talvez tenha faltado diálogo de verdade e vicejado torrentes de meias palavras. Os governos pós-ditadura podem ter falado muito em dialogar, mas todos podem ter submetido o diálogo à defesa de interesses muito mais particularistas do que efetivamente comuns e republicanos.

Em Bacurau houve a união dos explorados para enfrentar inimigos estrangeiros e internos. Há alguma possibilidade do conjunto dos explorados brasileiros atingir a capacidade de ação política e militar equivalente?

Assim como se deu em Bacurau, as possibilidades vitais dos trabalhadores e explorados brasileiros estão sob ataque de vários lados. Piratas e abutres – estrangeiros e nacionais – fazem mais uma rapina das riquezas do país e projetam destruir a capacidade de resistência dos atingidos, destruindo universidades públicas, sufocando a ciência e a tecnologia, destruindo as empresas públicas e estatais, bem como todos os instrumentos para a construção de uma sociedade justa, democrática e digna.

Como transformar as estruturas da sociedade brasileira sem passar pelo controle e democratização do Estado? Isto é realmente possível? Como mudar efetivamente o sistema? E como lograr isto sem construir uma frente política destemida e decidida a impor um diálogo de verdade e não o diálogo de surdos que prevaleceu até aqui?

Entrevista governador da Bahia Rui Costa – Realmente, a entrevista do governador a revista Veja é bem melhor do que reportaram sites “progressistas” do sul-maravilha, que demonizaram a opinião dele sobre a questão do “Lula Livre” e campanhas eleitorais. Para Rui, o PT errou feio quando deixou de dar a cabeça da chapa presidencial em 2018 para Ciro Gomes e insistiu de modo obsceno na candidatura de Lula inviável diante da urdidura judicial, militar e política do golpismo naquele momento. Mais um dos erros fatais do PT que, ao seu modo, contribuíram para a eleição de Jair Bolsonaro. Com Ciro, o PT e seus aliados no governo federal as bases de enfrentamento das forças de extrema-direita e neoliberais seriam de outra qualidade.

A entrevista revela, na verdade, a falta de um projeto nacional e popular que articule o programa para o desenvolvimento político, social, econômico, cultural do país em bases democráticas e republicanas. A imaginação política do governador vai até a “ideia de igualdade”. É ideia inspiradora, mas é preciso nos lançarmos na construção desse projeto nacional e popular, levando o debate para além de nomes, como aponta Rui, ultrapassando os projetos de poder individual e grupal. Derrotar a extrema-direita e os neoliberais exige articular diversidade de forças políticas capazes de mobilizar o conjunto da sociedade, o povo para desestabilizar a hegemonia predadora atual.

Rui Costa defendeu o endurecimento penal ao invés de fazer a crítica do punitivismo penal, a praga jurídica disseminada hoje por toda a sociedade, nas faculdades e nos tribunais. O punitivismo penal está nos levando ao estado policial. Rui Costa disse que o tema da segurança pública é tabu na esquerda, apesar de segurança ter sido um dos temas centrais da última campanha eleitoral capturada pelo atual presidente.

Parece faltar ao PT e ao governador reunir o tema da segurança pública com o da crítica ao punitivismo penal. Uma das suas “ideias” vai nessa direção: encaminhar solução adequada para o problema do comércio ilegal da maconha, produto que representa 70% dos rendimentos do crime organizado no Nordeste. As periferias das grandes cidades dominadas pelo comércio ilegal de drogas movimenta recursos volumosos, tornando-se no maior empregador de jovens das grandes cidades brasileiras. É um assunto que deve ser tratado não apenas “pelas vias judicial e policial” como aponta o goverandor.

Redação

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