Um olhar crítico sobre as manifestações no Chile, por Victor Saavedra

Para uma maioria esmagadora da população, a presença dos militares na rua foi uma afronta para um país que sofreu nas mãos de Pinochet e as promessas de Piñera

Não há uma liderança definida, os microfones estão ausentes, e o ritmo da festa da cidadania chilena é marcado por panelas e colheres, que percorrendo as ruas de todo o país fazem tremer as paredes do, hoje cercado, Palacio de La Moneda.

Para fazer frente a esse movimento, aqueles que não ganham nada com a repressão, comandados por um general desautorizado a falar, mas que até o domingo, 27 de outubro, tem o controle da segurança da capital chilena. Os próprios militares tentam acalmar a população e mais de um foi filmado coordenando os saques a supermercados (segundo os manifestantes, únicas fontes de alimentos disponível, mas que estavam fechados a dias, causando desespero em toda a comunidade).

O primeiro herói das manifestações é um estudante, desbravou um movimento de evasão e pulou uma catraca, os mártires (até agora) são 18. Como um déjà vu de 2013 (no Brasil), o que começou como um protesto contra o valor das passagens se tornou o último tsunami a atingir o Chile, desta vez trazendo o repúdio a um presidente eleito a menos de dois anos, e que agora carrega 78% de desaprovação.

A péssima gestão de Sebastián Piñera é destacada em cada um dos cartazes e a presença dos militares uniu aqueles que sequer foram afetados pelo aumento das passagens, já revogado, mas que se vêm representados pelo movimento social e trazem às ruas suas demandas.

Como explicar que manifestantes abram caminho para motociclistas reclamando do preço do pedágio? Ou o jogo de futebol entre jovens? Seria possível imaginar as principais torcidas organizadas do país, cujas brigas já causaram diversas mortes nos últimos anos, unidas e cantando juntas contra o governo?

Sim, há barricadas e confrontos diários entre manifestantes e carabineiros (polícia). Balas de borracha, perdigões, jatos de água com químicos, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, pedras e coquetéis molotovs estão sendo usados e lançados diariamente.

Também são diários e contraentes os aplausos, não só para os bombeiros, voluntários e heróis nacionais, mas também quando um idoso ou uma idosa levanta um cartaz e se une aos jovens que lutam por uma mudança na sociedade, e não por soluções ou mudanças no gabinete.

Como defender um Estado onde quase 3000 manifestantes foram presos, 20% deles agredidos ou torturados, mais de 700 feridos, e o primeiro militar a ser preso foi por se recusar a participar da repressão aos cidadãos que estavam nas ruas?

Qual a esperança para um país onde a aposentadoria prometida nunca chega (modelo proposto pela equipe econômica do governo Bolsonaro) e as relações trabalhistas estão tão, ou mais, flexibilizadas quanto as brasileiras, impedindo aos trabalhadores de realizar os aportes necessários para ter uma aposentadoria tranquila, levando o Chile a alcançar a maior porcentagem de suicídio entre os maiores de 80 anos em  todo o mundo?

Logo no começo das manifestações a precarização da saúde foi evidenciada quando os militares fecharam o serviço de urgências do principal hospital público de Santiago (e é pago, não existe gratuidade). A situação teve que ser normalizada com a presença de um juiz que se instalou na entrada e mandou abrirem passagem para os feridos. Frente à repressão os manifestantes se organizaram para oferecer água com bicarbonato, para minimizar os efeitos do gás lacrimogêneo, e profissionais da saúde fazem os primeiros socorros.

Que a mobilização tenha começado com os estudantes não é estranho, quando se considera que não há gratuidade na educação superior e aqueles que conseguem estudar o fazem com recursos próprios ou com empréstimos que levam mais de 15 anos para serem pagos (Crédito com Aval do Estado – CAE).

Para a classe política do país a solução é um novo acordo social, sob as mesmas regras que hoje regem a sociedade e que estão sendo repudiadas tanto no norte como no sul, e que na quinta-feira, 25 de outubro, levaram cerca de 20% da população da capital chilena às ruas, e que foram chamadas pelo governo de marchas de paz (os confrontos não foram noticiados pelo oligopólio que domina os meios de comunicação).

Nas ruas há um só clima, e não é o que se vê pela televisão que insiste em falar dos voluntários fazendo a limpeza da cidade e do metrô depois das manifestações, demostrando um descolamento da realidade exorbitante. Para uma maioria esmagadora da população, a presença dos militares na rua foi uma afronta para um país que sofreu nas mãos de Pinochet e as promessas de Piñera, de subsidiar aportes na aposentadoria, remédios e um ingresso mínimo foram menos que insuficientes.

No sábado, 26 de outubro, o presidente pediu o cargo de todo seu gabinete (inclusive de seu primo, Ministro do Interior e n° 1 na sucessão presidencial), prometeu reduzir o valor dos pedágios (em uma clara resposta à manifestação dos caminhoneiros do dia anterior) e do fim do Estado de Emergência.

No domingo, 27 de outubro, as centrais sindicais, e movimentos sociais, reunidos sob a bandeira de Unidad Social organizaram uma grande festa com música de protesto, organizações de todo o país chamaram a novas manifestações durante a jornada, enquanto os intelectuais fazem um mea culpa sobre o acúmulo de pressão social que gerou a insatisfação.

 

Redação

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