A matemática brasileira depois de Leopoldo Nachbin

O IMPA e a matemática brasileira

André Nachbin fala do legado do pai, Leopoldo Nachbin, e dos avanços da pesquisa matemática no Brasil

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

A família Nachbin é velha conhecida da ciência brasileira. No início dos anos 1950, Leopoldo Nachbin tornou-se o primeiro brasileiro mestre em matemática reconhecido internacionalmente. Na mesma década, foi um dos fundadores, junto com o também engenheiro Maurício Peixoto, do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), hoje ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O objetivo era promover o conhecimento matemático, base do desenvolvimento tecnológico que começava a ser alavancado no país, com a criação também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em 1960, entre outras instituições.

Passados 19 anos da morte de Leopoldo, a tradição da pesquisa matemática na família é mantida pelo filho, André Nachbin. Pesquisador do IMPA, André enfatiza, contudo, que sua linha de pesquisa é totalmente diferente da do pai. Enquanto Leopoldo se esbaldava com holomorfia em espaços infinitos, análise matemática e espaços vetoriais topológicos, André trabalho com conceitos não menos abstratos, mas mais voltados para a realidade, como ondas em regiões costeiras, prestando contribuições à oceanografia.

Em entrevista ao Brasilianas.org, André Nachbin explicou porque é tão difícil divulgar as teorias do pai ao público leigo e falou da boa fase da matemática brasileira no exterior, reflexo, em parte, dos trabalho de Leopoldo no IMPA. E revelou, ainda, qual o trabalho do instituto para atrair novos cérebros, como essa estratégia foi ampliada para o programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal, e qual o andamento da coletanea de artigos de Leopoldo Nachbin, que será lançada em breve. Confira.

Brasilianas.org – Os conceitos com os quais Leopoldo Nachbin trabalhou na matemática, como a topologia abstrata, são poucos difundidos e acessíveis. Qual a explicação para esse afastamento entre a obra de Leopoldo e a sociedade em geral?
André Nachbin – Topologia é uma área da matemática, que é bastante abstrata e fundamental para o estudo das estruturas e dos conjuntos, abertos e fechados. Na pesquisa do meu pai é uma coisa muito avançada, e eu mesmo, como matemático, não consigo botar as mãos nos detalhes. E mais difícil ainda é colocar isso numa linguagem para o leigo, o não-matemático. Já vi tentativas, no jornalismo, de se fazer isso, mas acaba que o público não entende direito e o matemático lê aquela coisa meio torna, com gafes técnicas. Mas a contribuição dele foi muito grande em várias áreas, como na topologia, análise funcional, análise complexa, holomorfia.

Do ponto de vista técnico, quais foram as contribuições?
A contribuição foi que ele e o professor Maurício Peixoto, que está vivo, com 90 anos, foram os primeiros grandes pesquisadores da matemática brasileira, com certa circulação nacional e internacional. Meu pai teve uma grande circulação internacional em uma época em que a matemática brasileira era, em relação à pesquisa, praticamente inexistente. Ele e o Maurício começaram a dar os primeiros passos na direção de pesquisa. Essa foi a primeira contribuição desses dois colegas da Escola de Engenharia; meu pai foi estudar matemática por conta própria e com professores visitantes que, por acaso, estavam no Brasil. Eram professores italianos, que acabaram sendo mentores do meu pai. Começaram a ver que ele tinha talento e, rapidamente, ele chegou num estágio de fazer pesquisa. Ele publicou o primeiro artigo nos anais da Academia Brasileira de Ciências com apenas 19 anos. Ele não era ainda formado, era aluno da engenharia.

Todo esse conteúdo histórico está sendo trabalhado, com a finalidade de ampliar a obra de Leopoldo Nachbin para as novas gerações?
Estou, nesse momento, querendo acabar, em breve, uma coletanea das obras de meu pai, com organização do IMPA e da SBM (Sociedade Brasileira de Matemática). O primeiro volume já saiu, do professor Manfredo do Carmo, que está vivo, com oitenta e poucos anos e até ajudou [na elaboração] do próprio volume dele. Manfredo do Carmo é um grande nome da Geometria Diferencial. E o próximo volume será o de meu pai; vou fazer um esforço para acabar em breve, até porque, este ano, meu pai completaria 90 anos (nasceu em 07 de janeiro de 1922). 

Mas será uma coletanea mais voltada para os pares, da academia, ou há o interesse de torná-lo mais acessível ao público em geral?
Será para um público especializado, altamente especializado. Basicamente, vamos juntar os artigos que ele publicou em pesquisa num único volume, sem maiores explicações de nada. Simplesmente é uma coletanea. 

Qual a situação da matemática brasileira hoje, pegando desde o começo do IMPA?
Há um avanço fantástico, que começou justamente naquele momento do meu pai com o Maurício Peixoto. Foi, inclusive, um momento muito especial até do próprio país. O Brasil havia começado a dar seus primeiros passos na ciência; havia telentos em algumas áreas. Na Física tinha gente muito boa, o [César] Lattes era um, o José Leite Lopes [físico, um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 1949] também, que inclusive foi meu tio, casado com uma irmã da minha mãe. Essa turma toda [formava] uma massa crítica da ciência brasileira, o que fez, com o momento pelo qual o Brasil passava, acontecer a criação, nos anos 1950, do IMPA, que completa 60 anos este ano. Em outubro, haverá um encontro, aqui no IMPA, com homenagens e com matemáticos muito famosos. O CBPF tem uma idade parecida; um pouco depois é criado o CNPq (em 1951), e o Brasil começa a avançar nessa direção.

Exemplifique alguns avanços.
Nesses 60 anos, houve um salto absurdo e de muito orgulho para o país, até mesmo por causa das oscilações políticas e econômicas que tivemos – de governos que deram menos importância para a pesquisa e agências de fomento. Hoje em dia, o patamar do Brasil na matemática pura, pois a aplicada é mais jovem, é muito alto. E não se trata apenas do IMPA, que no começo serviu de antena. Há poucos anos, a IMU (International Mathematical Union) colocou o Brasil no segundo escalão da matemática mundial, que é altíssimo, junto com Suíça, por exemplo. No primeiro escalão estão Estados Unidos, Japão, França, Alemanhã etc. O segundo escalão do ranking é de muito destaque também. O Brasil tem uma produção científica muito grande e tem matemáticos, de uma nova geração, de muito destaque. Se você entrar na página do IMPA na Internet, há poucos dias um pesquisador, o Fernado Codá ganhou o Prêmio Ramanujan [prêmio indiano, concedido anualmente a um jovem matemático com contribuições significativas na área; a idade limite para o prêmio é 32 anos, a idade com que faleceu Sastra Ramanujam]. 

Quais as diferenças entre Matemática Pura e Matemática Aplicada?
Não é fácil fazer um corte [para explicar], assim como, na política, é difícil diferenciar quem é de direita e quem é de esquerda. Em matemática é a mesma coisa: quem é aplicado e quem é puro depende de quem se está falando. Tenho colegas que se acham aplicados, mas eu os acho mais puros do que aplicados, quando eles conversam comigo. A Matemática Pura, ou Abstrata, é aquela cujos problemas são desvinculados de qualquer motivação prática, seja física, seja química. Existem problemas na matemática que são como quebra-cabeças, não tem aplicação nenhuma. Na Matemática Aplicada, você tem, no seu horizonte, intelectualmente falando, uma aplicação, seja ela na física; na biologia, que é muito em moda hoje em dia; na química, na meteorologia, eu mesmo trabalho muito com modelagem ambiental. 

Podemos dizer que a Matemática Pura está, então, muito mais voltada para os princípios da Filosofia da Ciência.
Isso. Para explicar para o leigo, ela está muito mais próxima de princípios da Filosofia, do raciocínio lógico, que leva à conclusão de um quebra-cabeças, ou de uma pergunta, que é muito abstrata e que não tem aplicação. 

E por que é importante o país ter uma Matemática Pura desenvolvida? Ela faz ponte com a Aplicada?
Sim, certamente. Uma Matemática Pura desenvolvida é muito importante para se ter massa crítica nessa área, nessa forma de pensar matemática. Muitas vezes, você descobre pontes que são abstratas, talvez anos depois. Meu pai falava mito isso: “caramba, isso tem a ver com economia”. Ele disse que, uma vez, ficou feliz, pois um pesquisador japonês escreveu para ele, 20 anos depois de meu pai ter feito um trabalho, mostrando que estava usando coisas do meu pai em economia. E meu pai não tinha pistas disso, era abstrato. 

Isso mostra também como a matemática pode ser usada para justificar medidas políticas na economia, de forma perversa também.
Sim, também.

E qual tem sido seu trabalho hoje no IMPA? Está levando alguma linha de pesquisa de seu pai adiante?
Não. A única semelhança com meu pai, em termos de trajetória, é que nós dois nos formamos em engenharia, antes de entrar para a matemática. E é também um pouco que se trata de uma carreira em que homens acabam indo fazer; ainda fiz mestrado em engenharia civil. Eu ia fazer o doutorado também em engenharia civil, mas aí surgiu a oportunidade de fazer Matemática Aplicada. Sempre gostei muito de mecânica, e eu trabalhava com mecânica de fluídos. Mas a minha matemática mesmo é muito diferente da matemática do meu pai. Ele também nunca fez pressão para eu seguir caminho algum, simplesmente me incentivou a estudar e a aprender.

E como é, portanto, a sua matemática?
Eu trabalho com ondas. Talvez para o leigo uma maneira mais simplificada seja dizer ondas em regiões costeiras, portanto tem a ver com oceanografia. Quando dou palestras no exterior, apesar de aqui no Brasil não ter tsunamis, é uma teoria que se aplica para tsunami, para grandes distúrbios no oceano, e interação de ondas com topografia, com o fundo do mar. Essa é minha pesquisa, tanto do ponto de vista teórico quanto computacional.

São desenvolvidos modelos em programas de computador?
Primeiro desenvolvo um modelo simplificado, ou seja, pego as equações, que são muito complicadas, e com o olhar matemático você simplifica um pouco, como se fosse podar uma árvore. Assim, elas ficam um pouquinho mais simples, para se conseguir fazer alguma teoria e para fazer um modelo computacional, para fazer simulações. Como se fosse uma “realidade virtual” simplificada, para entender qual a dinâmica de interação de uma onda grande, na região costeira. Quando ela interage com a topografia, a energia volta para o mar.

Sua pesquisa tem incentivos de agências brasileiras, e há cooperação internacional?
Tenho cooperação internacional, com pessoas dessa área. Interagimos também com pessoal de meteorologia e oceanografia, mas para eles eu sou considerada uma pessoa bastante teórica. Mas participo muito de congressos com gente da Física, para aprender. Aqui no Brasil, o financiamento da minha pesquisa é mais via os órgãos usuais pelos quais os matemáticos puros tem financiamento: CNPq e FAPESP. Claro que com um apelo que é bem interessante hoje em dia, que é uma pesquisa com certo grau teórico, sem uso imediato, mas que tem uma componente de aplicação, ou seja, que tem a ver com a realidade. inclusive, no próximo dia 11 de julho, vou ter um desafio, dar uma palestra no Clube de Engenharia, para pessoal da divisão de questões ambientais. Vou tentar fazer a palestra mais simples possível para um engenheiro entender o que faço. 

A matemática é utilizada em diversas áreas – Física, Química, Neurociência etc. E, ao mesmo tempo, você tem a figura do matemático. Na sua avaliação, como tem ocorrido a conversa do matemático com esses setores da tecnologia? A matemática ainda é encarada apenas como instrumento?
Quem faz Física teórica sabe que matemática é um instrumento fundamental e está longe de se esgotar. Essa ligação entre matemática e outras áreas não vai se esgotar nunca. Uma parcela dos físicos e dos químicos vê com bons olhos essa relação com a matemática. Tem matemáticos puros, que conheço, que acham que não devem fazer esforço nenhum para se comunicar com outras áreas, o que seria o papel do filósofo. Para mim, isso não satisfaz; eu acho que é importante tentar se criar pontes e até encontrar problemas interessantes em outras áreas e, se possível, haver o retorno, a via de mão dupla. Mas isso exige um esforço, dos dois lados, e ter alguém para escutar dos dois lados, e isso é uma fração de cada comunidade. Tem muita gente que se assusta com a matemática. É um exercício que não termina nunca, mas que é importantíssimo e, me parece, cada vez mais apoiado pelo governo federal, com palavras do tipo “interdisciplinaridade”. Quanto mais se avança na tecnologia em áreas fora da matemática, mais vai se precisar da matemática, que, por sua vez, precisará estar em contato com essas áreas, que geram novas maneiras de pensar. É inesgotável.

Qual o vínculo do IMPA com o governo e quais os número referentes a alunos e pesquisadores?
O  IMPA é uma Organização Social ligada ao MCTI, dedicada na formação de mestres e doutores. Conta hoje com 51 pesquisadores e aproximadamente 100 alunos de doutorado e 40 de mestrado. A estimativa é que o IMPA recebe de 20 a 25 novos alunos por ano. Mas nem todos se formam, pois o instituto é muito exigente. Estamos formando cerca de 18 doutores por ano. Do IMPA eles vão trabalhar com pesquisa de campo ou fazer estágios no exterior. A nossa inserção no exterior é muito boa, com grande visibilidade internacional. E o tempo todo recebe pesquisadores estrangeiros, do mais alto nível. Em 2010, o antigo diretor do IMPA, o professor Jaco Palis, recebeu o Prêmio Balzan [concedido anulamente, desde 1961, em Zurique, para pesquisadores internacionais nas áreas de ciências humanas e naturais], na quantia de aproximadamente US$ 1 milhão, dos quais metade o pesquisador pode embolsar e a outra metade ele tem que gastar com pesquisa e encontros. Nesta semana, estamos finalizando um encontro realizado aqui no IMPA, com grandes nomes internacionais da matemática.

Então o IMPA está em total sintonia com o programa Ciência sem Fronteiras, lançado pelo governo federal em 2011?
Um pedacinho do Ciência sem Fronteiras se inspirou no IMPA, sem falsa modéstia. Começamos, há uns dois anos, um Pós-Doc de Excelência, ou seja, uma bolsa de pós-doutorado que paga mais do que o governo vinha pagando. E aí a procura de gente qualificada do exterior foi absurda. Se você olhar no programa do Ciência sem Fronteiras, tem uma bolsa para jovens, que paga R$ 7 mil, que é inspirada, inclusive no valor, com o programa do IMPA. O Brasil está passando por um momento que, se souber jogar bem, terá bons resultados. Temos uma crise internacional muito grande, e o país está com potencial de atração de cérebros internacionais jovens enorme. Já temos massa crítica para aproveitar esse momento, e agora é um pouco questão de gestão, de fazer.

Luis Nassif

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