Envolvidos em cartel registram detalhes de acordo em ata

Do jornal O Globo

Em ata, empresas registram o beabá da formação de um cartel

  • Executivos decidem até quantos consórcios participarão de licitação 

THIAGO HERDY (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)

Publicado: 10/08/13 – 8h00

 
Atualizado: 10/08/13 – 15h45

SÃO PAULO — Documentos entregues pela Siemens ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) mostram que acordos anticoncorrência entre as empresas que disputavam contratos em São Paulo e no Distrito Federal eram registrados em papel e assinados pelos envolvidos. No início de 2006, representantes de consórcios liderados por Alstom e Siemens se encontraram em Brasília para discutir o contrato de manutenção dos trens do metrô do Distrito Federal. Eles registraram um “memorial de negociações”, assinado por todos presentes à reunião:

“Fica acordado que serão apresentadas duas propostas, uma em consórcio liderado pela Alstom, com a participação da Iesa e da TCBR, e outra em consórcio liderado pela Siemens, com participação da Serveng”.

Para o superintendente-geral do Cade, Carlos Ragazzo, o documento confirma a estratégia de Siemens e Alstom de apresentar duas propostas, com preços semelhantes. “O consórcio vencedor subcontrataria parte do volume contratado ao consórcio perdedor, não constando do acordo determinação sobre qual seria o vencedor”, escreveu.

Governo é chamado de cliente

Em documento de 2004 para discutir a licitação da linha 2 do metrô de São Paulo, executivos registraram o debate sobre as condições dos atestados técnicos apresentados pelas empresas ao governo de São Paulo, para decidir como seriam formados os consórcios fictícios.

“Devido aos atestados de sinalização, Alstom e Bombardier não podem ficar no mesmo consórcio, (…) devido aos atestados de baixa tensão, Siemens e TTrans não podem ficar no mesmo consórcio”, escreveu executivo da Siemens em documento entregue ao Cade.

O governo do Distrito Federal desejava, em 2006, que a Siemens vencesse a licitação para manutenção de trens do metrô de Brasília, segundo registro de funcionário.

“No meu encontro com Paulo Victor (presidente do metrô do Distrito Federal), na última quinta-feira, 02;02;2006 em Brasília, ficou claro que a vontade do cliente é de que a Siemens saia vencedora, porém ele fica em cima do muro”, escreveu um executivo da Siemens em e-mail.

Ex-presidente do metrô, Paulo Victor Rada de Rezende disse não se lembrar desse encontro. Alegou ter deixado a estatal antes da conclusão da licitação:

— Pensar que o pretenso contratante e o candidato à contratação não se falam é algo que, penso, não teria como ocorrer. Existe sempre consulta. Mas não me lembro desse encontro — disse.

O governo de São Paulo também é citado com “cliente” no diário de outro funcionário da Siemens, que relatou por dois anos detalhes da negociação entre a empresa, concorrentes e governo em torno de licitação para compra de trens da linha 5 do metrô, no governo de Mário Covas (PSDB), morto em 2001. No documento, ele escreve que as “reuniões secretas” entre concorrentes ocorriam de acordo “com o desejo” e “por pressão” do governo estadual.

“O cliente não quer que o projeto seja prejudicado por reclamações, pedindo então aos participantes que se entendam”, escreveu em novembro de 1999. Vinte seis dias depois, relataria: “Paralelamente, ocorrem de acordo com desejo do cliente, as ‘reuniões secretas’ entre Alstom, ADTranz, Siemens, Ttrans e Mitsui. O bolo deverá ser repartido entre estes cinco proponentes (idealmente 20% para cada). Bombardier e CAF ficarão de fora”.

Além de citar a conivência da administração estadual com a formação do cartel, o funcionário disse que o próprio governo “pressionava” para que houvesse acordo entre as empresas, apesar dos prejuízos ocasionados pela prática anticompetitiva, também citados no diário. Não há menção ao nome do interlocutor do governo com a empresa.

“Se, de acordo com o desejo do cliente, se chegar a um acordo, temos possibilidades em relação à parte da tração num preço alto”, escreveu o funcionário, se referindo ao benefício que a empresa poderia obter.

Em nota, o presidente da Siemens, Paulo Stark, informou ontem que a empresa “não pode se manifestar publicamente” sobre o assunto, “tendo em vista as investigações ainda em andamento e a confidencialidade inerente ao caso”. “A Siemens acredita que somente a concorrência leal e honesta pode assegurar um futuro sustentável para as empresas, os governos e a sociedade como um todo”, escreveu.

Luis Nassif

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