SOS Tapirapé!, por Túlio Muniz

Xiri´í, meu amigo, meu irmão, está agora sozinho em Cuiabá, e luta para conseguir um avião que o leve, e ao filho, morto por Covid-19, de volta a Confresa.

SOS Tapirapé!

por Túlio Muniz

Morreu em Cuiabá, na noite de hoje, 15-07-2020, aos 8 anos, por Covid-19, uma criança Tapirapé, do povo Apinãwa. Deu entrada três dias antes no hospital, foi de UTI aérea de Confresa (1.100km ao Norte de Cuiabá), acompanhado do pai, Xiri’í, meu amigo, meu irmão.

Um dia antes de a criança morrer, Xiri’í me contava, por WhatsApp, que o filho respirava bem e não tinha febre. Mas o vírus parece ter atingido o cérebro, gerando tumores (foi o que ouviu dos médicos) e o menino, morreu.

Enquanto sofro e choro com Xiri’í, juntos, apesar da distância entre nós e da impossibilidade de ir ao seu encontro, vejo no Jornal Nacional que para cada 907 mortos não indígenas por 100 mil habitantes, morrem 1.400 indígenas por 100 mil/h . Ouço, da TV, Sônia Guajajara denunciar que é, sim, um genocídio, diante de um Estado que não investe os recursos todos que tem para coibir a morte dos povos indígenas pela Covid. A reportagem informa que há mais de 15 mil casos de Covid-19 entre os povos indígenas que vivem no Brasil. Brasil, que eles tanto amam e que tanto os massacra, desde sempre.

A Covid-19 chega aos povos indígenas pelo garimpo ilegal, pelos desmatamentos, pela invasão de suas terras, por outras formas de contato com a sociedade não indígena envolvente. Ao final deste texto listo denúncias recentes.

Xiri´í, meu amigo, meu irmão, está agora sozinho em Cuiabá, e luta para conseguir um avião que o leve, e ao filho, de volta a Confresa. Por mais problemático que aparente ser num contexto de Covid, o rito funerário Tapirapé deve ser respeitado, ainda que ocorra de forma ressignificada.

O sepultamento Tapirapé é feito dentro da própria casa da família do morto, geralmente em solo localizado embaixo da rede na qual dormia o falecido, e consiste em “uma cova funda que acomoda uma rede armada e costurada de modo a envolver o corpo. Por cima coloca-se madeira e tecidos ou lonas para impedir que caia terra no interior da cova, após isso, uma índia da tribo peneira terra sobre as madeiras e tecidos. Em seguida os Tapirapés ficam em volta da sepultura batendo os pés no chão e fazendo um som que é uma espécie de lamento em ritmo quase cantado. Por último, o cacique pronuncia as palavras de homenagem”[1].

O antropólogo Herbert Baldus esteve com os Tapirapé na primeira metade do sec. XX, e narrou o ritual funerário praticado à época, e que se mantém ainda hoje em muitos aspectos (ver imagem ao final deste texto).  Evidente que muito mudou nesses anos todos para os Tapirapé (que se autodenominam Apyãwa, pronuncia-se ‘Apinawã’), mas o sepultamento segue sendo feito dentro da casa onde vivia o falecido.

Xiri´í busca uma forma de levar o filho de volta pra casa, o que de certo tem de acontecer em urna lacrada, mas ele tem que voltar. Um sepultamento em Cuiabá será violar a cultura de todo um povo, para quem o respeito para com os mortos é tão importante quanto para com os vivos.

Como lidar com um sepultamento domiciliar em tempos de Covid19? Há que se resolver, e encontrarão uma forma. De certo que os Tapirapé saberão ressignificar esse ritual, como o fizeram com tudo ao longo de sua existência. Em “Lágrimas de Boas Vindas”, Charles Wagley afirma que os Tapirapé seriam descendentes dos Tupinambá, que habitavam parte do litoral brasileiro até a chegada dos europeus e o início do genocídio que nunca cessou, e os empurrou mais e mais para as franjas da Amazônia. A tese de Wagley se sustenta por os Tapirapé manterem, e ainda hoje mantêm, um ritual só registrado entre os Tupinambá: quando do retorno de um ente querido, que esteve ausente por muito tempo, seus familiares mais próximos se reúnem em torno dele e choram para saudá-lo. Não é tristeza, tampouco lamentação: o choro de boas vindas dos Tapirapé é potência vital.

No início dos anos de 1950, os Tapirapé quase foram dizimados pelos Kayapó, que os atacaram, e do ataque pouco mais de 50 sobreviveram. Fugindo para Leste de onde habitavam, e onde hoje voltaram a viver por terem reconquistado a terra de Tampitawa (Urubu Branco, em Confresa-MT), encontraram e se conciliaram com os Karajá, nas mediações do Rio Araguaia e da Ilha do Bananal, e se recompuseram em termos populacionais, mantendo vivos seus costumes, língua, sabedoria, alegria.

Fundamental foi o apoio e assistência que tiveram, logo após o massacre, da ordem francesa das Irmãzinhas de Jesus, que se estabeleceu junto a eles sem promover proselitismo religioso, e com apoio decisivo na saúde e na educação. Hoje os Tapirapé são cerca de mil indivíduos.

Essa trajetória de luta, resistência e paradoxal alegria (vivem rindo, rindo, rindo) é o lado cruel do tão denunciado genocídio em curso com a Covid19.

O filho do meu amigo, meu irmão Xiri’í é a mais nova vítima, e ele, os Tapirapé, os povos indígenas de todo o Brasil, precisam urgentemente de ajuda.

Na impossibilidade de abraçar meu amigo, faço o que posso: escrevo e peço ajuda para ele, para seu povo.

Se alguém se sensibilizar e puder ajudar pressionando autoridades para cederem o transporte, ou puder ajudar financeiramente, ou se souber como criar uma ‘vaquinha virtual’ /Crowdfunding ou algo do gênero, os dados de Laerte são:

Banco do Brasil

Agencia: 3989-6

Conta Poupança 5.309-0

Titular: Imaawytynga Rainel Tapirapé (nome formal de Laerte)

CPF : 628.121.651-20

 

TÚLIO AREI MUNIZ

Sou Jornalista, Historiador, professor universitário, em 1994 realizei trabalho de campo/documentação fotográfica entre os Tapirapé para o Museu do índio da UFU, quando conheci meu amigo, meu irmão, então Imaawytynga (hoje Xiri´í, os Tapirapé mudam de nome conforme diferentes fases de sua vida). Dos Tapirapé, ganhei um dos mais belos presentes de minha vida, um novo nome ‘Arei’ (pronuncia-se “Anei”, com um ~ sobre o ‘r’, anasalando-o), pois eles assimilam com sendo um dos seus aqueles que são seus aliados, uma lição imensa dos povos indígenas a ser apreendida aprendida por tantos movimentos identitários.

VER MAIS:

https://www.viomundo.com.br/denuncias/cimi-denuncia-em-plena-pandemia-madeireiros-invadem-a-terra-indigena-urubu-branco-em-mato-grosso.html

[1]http://axa.org.br/2013/09/irma-veva-e-enterrada-em-ritual-povo-indigena-tapirape/

 

Redação

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