O conflito mercado x produção em torno do orçamento, por Luis Nassif

Pelo que pagará por um financiamento do BNDES, uma empresa conseguiria 16,1% a mais de financiamento nos EUA.

É pedagógico o artigo de Miriam Leitão, em O Globo de hoje: O desafio é tirar o rico do orçamento. Faz uma boa crítica ao sistema de subsídios mas revela, de forma explícita, os conflitos entre a atividade produtiva e o mercado financeiro acerca da apropriação do orçamento público.

Em qualquer sistema, a base da tributação é o lucro. No setor produtivo, há duas maneiras de analisar o lucro. Ele decorre de atividades que geram emprego, renda, movimentação da economia, através da rede de fornecedores. 

Uma parte dos lucros é reinvestida, e garante a ampliação, o crescimento e a perpetuidade dos negócios e a melhoria da qualidade do emprego. Outra parte é distribuída aos acionistas, na forma de dividendos. Se a distribuição é exagerada, significa sacrificar a empresa em favor dos acionistas. Foi o que ocorreu com a Petrobras este ano, distribuindo mais dividendos do que os lucros contábeis.

Os dividendos são relevantes para permitir atrair mais capital para financiar planos de investimento da empresa. O grande abuso da financeirização foi transformar os dividendos em objetivo maior da empresa. Foi o que ocorreu com a Petrobras e a Eletrobrás, sob gestão privada, mesmo antes da privatização. Distribuíram-se lucros em detrimento dos investimentos, comprometendo a missão e o futuro das empresas.

Já os ganhos financeiros, no país, decorrem fundamentalmente da gestão da dívida pública e dos juros definidos pelo Banco Central. É uma atividade fundamentalmente improdutiva e com um custo muito maior do que todos os subsídios oferecidos à atividade produtiva. Serve apenas para concentrar renda e encarecer os investimentos produtivos.

De fato, o custo do investimento produtivo tem como base a remuneração dos títulos do Tesouro, que são considerados de risco zero. E não há nenhuma justificativa econômica para essa espoliação do orçamento público. A maioria dos títulos é utilizada para políticas de controle da liquidez. No final do dia, bancos ficam com sobras de caixa. O BC, então, vende os títulos para os bancos, com o compromisso de recomprá-los no dia seguinte. Transforma moeda não remunerada em moeda remunerada.

Significa que todos os subsídios são legítimos? Nem sempre. Há abusos, sim, há subsídios fruto de lobbies espúrios, como bem aponta Miriam. Qual o problema? O de generalizar todos os incentivos, o de defender o aumento do custo de financiamento do BNDES e pouco falar sobre a tributação de dividendos e outras formas de lucro que servem exclusivamente para enriquecimento individual.

Confira os cálculos.

Nos EUA a taxa de longo prazo é de 3,98% nominal. Ou seja, sem considerar a inflação do período. Se a inflação for de, digamos, 2% ao ano, o custo real da taxa americana cai para 1,90% ao ano.

O que significa na vida real? Suponha um financiamento no BNDES, com 12 meses de carência e 36 meses para amortização. A TLP (Taxa de Longo Prazo) do banco é de IPCA+5,23% ao ano. Supondo um IPCA de 4% ao ano, a taxa nominal será de 9,44% ao ano.

Nos EUA, a taxa de longo prazo é de 3,98%, independentemente da inflação. Se a inflação for de 2% ao mês, a taxa real cai para 1,90% ao ano.

O que significa? Significa que pelo que pagará pelo financiamento do BNDES, a empresa conseguiria 16,1% a mais de financiamento nos EUA.

Obviamente, essa diferença bate na veia da competitividade nacional. Como pode em um país de economia fraca, o custo do financiamento ser 16,1% maior que em uma economia forte.

Antigamente, a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) era a moeda do BNDES, destinada a oferecer um mínimo de isonomia nos investimentos de longo prazo. A diferença entre seu custo e a taxa Selic foi tratada como subsídio quando, claramente, a distorção está na taxa Selic.

Mas procedeu-se a essa manipulação dos conceitos simplesmente porque as taxas do BNDES são o teto do custo dos financiamentos. Para entrar nessas operações, o mercado teria que oferecer menos. Aumentaram-se as taxas, então, não pensando nos investimentos de longo prazo, mas nos negócios que poderiam ser abertos ao mercado. E, também, para manter a dívida pública estável e garantir segurança aos seus financiadores.

E o que diz Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central:

― A diminuição do crédito subsidiado teve uma relevância grande na diminuição da taxa neutra e a entendemos que tem um efeito também sobre a potência da política monetária. O alerta é que se a gente voltar a ter uma massa de crédito subsidiado muito grande, podemos ter uma reversão desses dois fatores no sentido negativo ― disse, ao ser questionado sobre críticas à Taxa de Longo Prazo (TLP).

Diz isso com a Selic a 13,75% para uma previsão de 5% para o IPCA.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. “O desafio é tirar o rico do orçamento.”

    A porta voz da família Marinho está propondo zerar a remuneração dos títulos do Tesouro?
    Porque é para aí que vai a maior fatia do orçamento para os ricos.

    Traduzindo o que disse o funcionário da “turma bufunfa”(PNBJr):

    “diminuição da taxa neutra” “potência da política monetária”

    Com juros mais altos, os banqueiros ganham mais.

  2. Nassif, muito oportunos teus comentários que revelam a burrice e ou má fé do presidente do Banco Central.
    Aproveito a oportunidade de um tipo de subsídios dados de forma indireta que normalmente não são computados. Por exemplo, o caso do agronegócios. Quanto custa ao tesouro a isenção de imposto de renda das LCAs e CRAs. Quanto é o subsídio dos planos agrícolas (plantio, custeio e outros) informações recentes dizem que 65% das verbas do plano safra foram para soja.

  3. EM 2020 QUANDO A PANDEMIA SE INTENSIFICOU, O BANCO CENTRAL DISPONIBILIZOU PERTO DE 1 TRILHÃO DE REAIS PARA O SISTEMA FINANCEIRO. SE O BCB REMUNERA A SOBRA DE CAIXA DOS BANCOS, FAÇO A SEGUINTE PERGUNTA: O DINHEIRO DISPONIBILIZADO E QUE NÃO FOI EMPRESTADO (SOBRA DE CAIXA) PELO BANCO, TAMBÉM RECEBEU REMUNERAÇÃO DO BCB? OU SEJA: O BCB PAGOU JUROS PELO SEU PRÓPRIO DINHEIRO? EMBORA TAL SITUAÇÃO SEJA ABSURDA, NÃO SE PODE DUVIDAR DA CAPACIDADE DE EXTORSÃO DA NOSSA ELITE.

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